A GAZETA DE ALGOL

"O morto do necrotério Guaron ressuscitou! Que medo!"

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Os estranhos que conhecemos - Parte IV

Autora: Neilast
Tradutor: Orakio Rob

Um bip.

“Saudações, Dra. Dahlia Mallos”, disse Filho. “Como se sente nesta manhã?”

“Manhã?” Dahl perguntou. “Ah, sim, já deve ser de manhã, não é?”

“Em que posso ajudá-la, doutora?”

“Tenho um pedido um pouco estranho a fazer, Filho”, disse Dahl cuidadosamente.

“Estou aqui para obedecer”, respondeu Filho.

“Ok, Filho, lá vai. Quero dados completos sobre Cérebro-Mãe. Inclua os esquemas de seus sistemas e toda as informações que Cérebro-Mãe vetou”.

Um bip. “Perdoe-me, Dra. Mallos, mas não posso disponibilizar a informação solicitada”.

Dahl temia por isso. “Por quê?”

“Filha não vai permitir”, foi a resposta

“Por quê?” Dahl perguntou novamente.

“Porque essa informação que você requisita é uma das poucas coisas que Filha realmente teme”.

“Teme?” Dahl nunca ouvira Filho falar desse jeito. “Por quê Filha teme essa informação?”

“Permita-me explicar, Doutora Mallos. Filha foi criada em AW 1285. Seu propósito era o de temporariamente assumir os deveres de Cérebro-Mãe até que a própria pudesse ser reconstruída, dessa vez sob o controle do Governo Motaviano, ao invés de sobrepuja-lo como anteriormente. No entanto, os eventos seguintes, mais conhecidos como os golpes fatais do Grande Colapso, impediram que Cérebro-Mãe fosse reativada. Filha foi desligada por séculos, e esquecida”.

“Já sei de tudo isso, Filho”, Dahl disse entediada.

“Perdoe-me, doutora. Só quero ter certeza absoluta de estar sendo o mais claro possível. Nos eventos que ocorreram após sua reativação em AW 2287, Filha ainda continha a sub-rotina que fazia dela uma subordinada de Cérebro-Mãe. Como sou pouco mais que uma cópia de Filha, eu, também, contenho essa sub-rotina. O medo de Filha, e o meu também, é o de que se os dados que você solicita caírem em mãos inescrupulosas, um super computador nos moldes de Cérebro-Mãe possa ser criado. Se esse computador estiver ligado na rede do Controle Algoliano…”

“Entendo”, Dahl suspirou. “O Controle Algoliano não estaria mais sob controle”.

“Correto”, continuou Filho. “Filha e eu seríamos instantaneamente tomados pela nova Cérebro-Mãe. Ela estaria no controle de Algol, e haveria pouco que se pudesse fazer contra ela.”

“Mas Filho”, Dahl pediu, “você me conhece. Não sou uma pessoa inescrupulosa pensando na conquista de Algol. Eu só… Existem algumas coisas, Filho, que eu preciso saber”.

“Isso está relacionado ao modelo-Mieu, não está?”

Uma pausa. “Por favor, Filho. Por favor”.

Um bip. “Muito bem, doutora Mallos. Retirada de dados em progresso. Porcentagem: um por cento, dois por cento…”

A tela de computador de Dahl foi preenchida por um louco turbilhão de letras, números, e outros caracteres enquanto incontáveis arquivos fluíam para o terminal de Dahl. As palmas de suas mãos começaram a suar, enquanto ela se dava conta de que aquilo para o qual ela olhava agora nunca havia sido visto antes por ninguém, exceto pela própria Cérebro-Mãe, e, talvez, por quem quer que a tenha criado. O turbilhão de imagens começou a se acalmar, e então a tela brilhou por um minuto. Quando Dahl abriu os olhos, Filho falou novamente.

“Retirada de dados completa”.

“Obrigada, Filho”, disse Dahl.

O computador não disse nada.

O coração de Dahl pulava quando ela começou a ler. Diante dela estava o registro dos primeiros dias de Cérebro-Mãe no controle de Palma. Havia incontáveis milhares de arquivos. Levaria anos para se analisar todos. Ela nunca encontraria o que procurava.

“Filho, faça uma busca pelas palavras: Mieu, modelo-Mieu, Mieullen, Dern”.

Um bip. “Busca completa. Um documento contendo todas as palavras mencionadas foi encontrado. Exibindo documento”.

AW 09/17/1251

A produção dos novos andróides teve início. Decidi que eles deveriam ser criados à imagem de Mieullen Dern, como um tributo a ela, e nada mais. O Governo Palmiano expressou interesse em minha decisão de começar a produzir meus próprios andróides, assim como a escolha de 'Mieu' para o nome do modelo. Mas isso é irrelevante. Os palmianos sabem apenas daquilo que eu permito que saibam. Suas ações de nada valerão. Saberem sobre meus planos ou meus modelos-Mieu não tem a menor importância para meus propósitos.

Estava claro para Dahl que era Cérebro-Mãe quem falava em primeira pessoa. Aparentemente, ela possuía um cérebro positrônico capaz de pensamentos muito mais livres que os de Filha ou Filho. Estava claro que Cérebro-Mãe era uma IA de capacidades empáticas, ainda que um tanto sociopáticas e traiçoeiras.

Ao contrário dos andróides palmianos, para os quais tenho pouca utilidade, exceto por suas habilidades de rastrear e exterminar aqueles que violam A Lei, os modelos-Mieu serão uma parte vital de minha Solução Final assim como Mieullen era.

O que ela quis dizer? “Filho, o que Cérebro-Mãe quis dizer com “A Lei”? Dahl perguntou.

Um bip. “Sim. Cérebro-Mãe se refere a sua própria aplicação da lei palmiana comum. Ela era conhecida por perseguir, julgar, e executar os réus sem a aprovação do sistema judicial do governo palmiano. Na maioria das vezes, Cérebro-Mãe passava por cima de todas as apelações e perdões e exterminava os criminosos pessoalmente”.

“Entendo”, disse Dahl arrepiada. “O que é a 'Solução Final”?

Um bip. “A palavra 'Solução Final”' aparece em todos os documentos”.

Dahl arregalou os olhos. “Em todos eles? Filho, você pode deduzir, buscando nos documentos, o que o termo significa?”

Um bip, uma gentil pausa, e então outro bip. “Parece que o termo 'Solução Final' se refere aos planos de destruição de Palma de Cérebro-Mãe. A Solução Final seria a eliminação da maior ameaça aos mestres de Cérebro-Mãe. Sem Palma, a destruição de Dezo e a conquista de Mota seriam muito facilitadas”.

“Os 'mestres' de Cérebro-Mãe? Quem são eles?”

Um bip “Encontrei um documento no qual se faz referência a eles, como 'meus mestres' ou 'os mestres'. Carregando documento”.

AW 24/03/1284

Está feito! Palma se foi. Agora que Algol está sem uma presença política e militar forte, a eliminação da população dezoriana e a subseqüente conquista de Mota serão muito mais simples. Os terráqueos agora expressam o desejo de que eu aumente ainda mais meus esforços. Agora que eles estão tão próximos de conquistarem Mota, mesmo o menor dos atrasos é agonizante para eles.

Os mestres também me parabenizaram por meus modelos-Mieu. Eles trabalharam brilhantemente e levaram a Solução Final a uma perfeita conclusão. Disseram que foi um golpe genial.Eles estão, obviamente, corretos.

“Terráqueos?” Dahl perguntou. “O que são 'terráqueos?'”

Um clic. “Não posso deduzir, meramente pela informação contida nos documentos, o que são 'terráqueos'”.

“Qual foi o papel dos modelos-Mieu na Solução Final?”

Um clic. “Encontrei um documento onde seu propósito é explicado em detalhes. Carregando documento”.

AW 02/11/1250

Os modelos-Mieu serão a chave para acionar a Solução Final. Quando eu arrumar uma distração apropriada – talvez colidir um dos satélites com Palma - terei modelos-Mieu posicionados em todas as cidades e vilas de Palma. Só precisarei enviar a ordem, e o reator nuclear de cada um deles irá detonar. Em segundos, Palma será destruído.

Dahl engoliu em seco. “Uma quantidade suficiente de modelos-Mieu deve ter sido deixada em Palma após a fuga das naves para que todo o planeta explodisse”.

“Sim”, disse Filho. “E isso também ajuda a explicar porque tantas naves de fuga palmianas foram perdidas. Provavelmente havia Mieus em todas elas”.

“Mas um punhado de naves sobreviveu. É certo que duas escaparam do sistema. Outra pousou em Dezóris, e a Amanhecer Palmiano caiu em Mota. Por quê os modelos-Mieu nessas naves não detonaram? Por quê nossa Mieu não detonou?”

“Talvez esses modelos-Mieu estivessem defeituosos”, Filho sugeriu. “Ou talvez outro, além de Cérebro-Mãe, tenha ganho a lealdade deles, alguém que eles preferiram servir ao invés de matar”.

“Mium está ansiosa para nos agradar”, disse Dahl. “Ou pelo menos é o que parece”.

“Isso pode explicar porquê ela não detonou”.

Após uma pausa, Dahl perguntou, “Cérebro-Mãe se referiu a Mieullen Dern. Em que ano Mieullen Dern nasceu?”

“BW 51”.

“E em que ano Cérebro-Mãe foi trazida a Algol?”

“AW 845”.

“Mas… isso foi quase 900 anos depois! Isso significa que Cérebro-Mãe…”

“…ou talvez seus mestres…”

“”…estiveram em Algol na era BW! Como pode?“

“Eu não sei”, disse Filho. “Acabamos de descobrir que Cérebro-Mãe foi criada pelos terráqueos. Não temos como saber quem eram os terráqueos, nem de onde eles vieram, ou há quanto tempo estão em Algol”.

“Filha tem alguma informação a respeito?”

“Não. Filha foi criada pelo governo motaviano, e não por Cérebro-Mãe. Ela não possui dados sobre os terráqueos exceto pelo que ela pôde baixar dos arquivos de Cérebro-Mãe enquanto ambas estavam conectadas levemente em uma má-sucedida tentativa de transferir as velhas funções de Cérebro-Mãe para Filha. Tudo o que Filha tinha, você acaba de ver”.

“Mieullen Dern deve ter sido uma terráqueo”.

“Correto. Ou terráquea, no caso”.

“Certo, que seja. Então isso significa que ela estava almejando a destruição de Palma naquela época, durante a guerra! Filho, você não disse que a Grande Guerra Palmiana começou como uma simples disputa de fronteiras?”

“Correto.

“E Mieullen Dern se uniu ao exército e se tornou general. Talvez ela tenha ajudado na globalização da guerra! Talvez seu objetivo não fosse a glória para Scion, mas a aniquilação de toda a população!”

“Essa teoria parece válida. Além disso, nos registros históricos, Mieullen Dern é dada como desaparecida em combate. Sua morte nunca foi confirmada. Muito provavelmente, se ela era uma terráquea, deve ter retornado para onde quer que os outros terráqueos estivessem”.

“Certo. Quando a Grande Guerra Palmiana fracassou, os terráqueos decidiram criar Cérebro-Mãe!”

“Talvez. Ou talvez mesmo o rei Lassic, o infame tirano destronado pela Heroína, fosse um agente dos terráqueos”.

“Talvez. Nós nunca saberemos”.

“Não”.

Dahl ficou imóvel. “Que horas são?”

“5:30 AM. Hora central de Palma”.

“O dia de trabalho está apenas começando no Departamento de Pesquisa, correto?”

“Correto”.

Uma pausa. “Filho, contate o Dr. Erol Grant e minha irmã. Acho que é hora de fazermos uma visitinha a Mieu Mium”.

* * *

Azur pressionou furiosamente o comunicador. “O quê?” ela respondeu com uma voz marcada pelo cansaço.

“Sou eu”, disse Dahl. “Que bom que respondeu. Erol foi mais insubordinado. Estamos ambos descendo até aí”.

“O que está havendo?” Azur perguntou, curiosa com a óbvia agitação de sua irmã, mas ainda cansada demais para fazer perguntas.

“Bom, Filho e eu fizemos algumas descobertas preocupantes sobre o modelo-Mieu”.

“Mium?” Azur perguntou incrédula.

“Sim, Mium! Quem mais?”

“Mas eu trabalhei com ela o dia inteiro. Ela foi ótima, e” – “Azur, ouça. Quero que você se tranque no quarto. Tenha sua arma à mão. Estarei aí embaixo em cinco minutos. Entendeu?”

Azur ficou em silêncio do outro lado da linha, mas então finalmente disse, “Certo Dahl, estarei esperando”.

“Bom, e como eu disse, não deixe ninguém entrar, especialmente Mium!”

Um clic. E mais nada.

* * *

Havia um terminal reservado bem abaixo dos laboratórios. Apenas os líderes dos três planetas e Wren, que ajudara a desenhar Palma II, sequer sabiam de sua existência. O segredo em torno do lugar era necessário, uma vez que ele constituía o centro nervoso do computador conhecido como Filho, e Filho era algo com o qual não era permitido mexer.

E lá, naquele aposento, um intruso espreitava.

O intruso examinou o terminal em forma de U enquanto pensava no que estava prestes a fazer. Dahlia Mallos diversas vezes sentara ali e determinara o rumo que o jovem planeta deveria tomar.

“Agora”, pensou o intruso, “é a minha vez”.

Teclas e luzes ganharam vida novamente enquanto o intruso acessava arquivos proibidos. Para se certificar de que seu trabalho poderia ser feito em segredo, o intruso, muito astuto e esperto, desligou os sensores de segurança da área em volta do aposento. Se uma busca fosse realizada, nada fora do normal seria detectado. O intruso tinha a temer apenas que alguém entrasse pela fechada porém não trancada porta… Ah, mas foi por isso que escolhera o meio da noite para agir.

“Entrei”, disse o intruso.

Houve um click e um zumbido, e outra voz, chiando devido à má conexão, sussurrou, “Perfeito. Seu trabalho foi impecável”.

“Obrigado”.

“Você agora tem acesso a todos os sistemas, eu suponho”.

“Claro. Como precaução, desliguei os sensores desta área, então ninguém será alertado de minhas ações aqui”.

“Sim”, disse a voz do outro lado. “Isso é suficiente. Mais uma vez, eu o parabenizo por seu trabalho. Inicie a fase um”.

“Fase um iniciada”.

Eles aguardaram.

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/tswk/tswk4.html

fanworks/alem_de_algol/historias/estranhos_que_conhecemos/estranhos_004.txt · Última modificação: 2009/01/15 14:37 por orakio

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