A GAZETA DE ALGOL

"O morto do necrotério Guaron ressuscitou! Que medo!"

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Os estranhos que conhecemos - Parte II

Autora: Neilast
Tradutor: Orakio Rob

A rampa de descida estava em meio a um pequeno campo aberto. Não havia marcas de tipo algum indicando sua localização. Era necessário estar quase sobre a mesma para que se pudesse notá-la. Isso era bom, já que a Dahl, Erol e sua equipe não agradava a idéia de terem um ou mais colonizadores de Palma II descendo para os Laboratórios de Formação do Terreno atrapalhando.

Os laboratórios eram um vasto complexo de salas e passagens cobrindo dezenas de dúzias de quilômetros quadrados. Mesmo um engenheiro Pré-Colapso ficaria impressionado, não, atordoado, com a alta tecnologia em uso nos laboratórios. Gigantescas telas de computador por todos os lados exibiam complexas fórmulas e diagramas. Tanques de vidro de um metro e meio, repletos de líquido, continham os protótipos de novas espécies de plantas que logo habitariam a região acima desta parte dos laboratórios, onde em breve estaria a cidade de Parellin. Cientistas, engenheiros, pesquisadores e outros membros de todas as raças de Algol, corriam pelas instalações ou sentavam-se silenciosos diante dos terminais e microscópios.

Dahl suspirou. Era tão bom estar em casa!

E os Laboratórios eram um lar, realmente, ao menos até que esta parte da ecologia de Palma II fosse estabilizada. Dahl e Erol conquistaram o direito a férias de dez anos assim que o atual projeto fosse concluído. Era um descanso que ambos tinham a intenção de aproveitar, embora soubessem que de forma alguma poderiam manter-se longe de seu trabalho por toda uma década. Não, seis meses seriam mais do que suficientes.

“Estou indo checar o Laboratório do Clima”, disse Erol enquanto os dois cientistas alcançavam uma bifurcação do caminho. “Encontro você aqui em uma hora… para o jantar”. Ele sorriu timidamente.

“Você temia que eu tivesse esquecido”, Dahl disse. Era uma afirmação, e não uma pergunta. Erol estava prestes a falar, mas Dahl continuou. “Só porque sou fanática por meu trabalho não significa que eu me esqueceria de algo tão importante para minha vida quanto ele”.

Erol franziu a testa.

“Mais importante”, Dahl corrigiu enquanto se reprimia por tamanha insensibilidade.

Erol relaxou, embora ainda estivesse sentido, Dahl percebera. Ele aquiesceu e disse, “ok, em uma hora…” Ele começou a andar na direção oposta.

“Erol”, Dahl sussurrou, segurando seu braço gentil. “Eu te amo”.

Erol finalmente sorriu, um sorriso genuíno. Ele se inclinou e beijou suavemente a face de Dahl. “Eu te amo também”, ele disse, e partiu.

Os olhos de Dahl giraram e ela teve vontade de se chutar. Quantas vezes mais ela faria isso ao pobre Erol? Eles se amavam. Todos sabiam, ainda que Dahl e Erol tenham sido os últimos a saber. Mas poderia Dahl sacrificar o tempo que Erol merecia e exigia quando tinha algo tão importante como a criação de um planeta em suas mãos? Como poderia ela ignorar isso? E ainda… Mas ela se preocuparia com isso depois.

* * *

Dahl se aproximou de seu terminal, uma mesa de computador de três metro de largura na forma de uma lua crescente que se conectava, ao menos indiretamente, a cada sistema e sub-sistema na superfície de Palma II, ou abaixo dela.

Dahl apertou o botão azul-bebê, e o console se encheu de vida.

“Saudações, Dra. Dahlia Mallos,” disse uma suave e gentil voz masculina. “Como você está hoje?”

“Bem, Filho,” disse Dahl, “Mas, o mais importante, como está nosso bebê?”

Esse gigantesco computador com o qual Dahl falava era o supercomputador que monitorava (não controlava, apenas monitorava) tudo o que ocorria na superfície de Palma II ou abaixo dela. Era conhecido simplesmente como “Filho” e era a exata contraparte de Filha, o sistema senciente que mantinha a ecologia de Mota e Dezo enquanto monitorava a órbita de Rykros, cuja tendência à elipticidade planejava-se normalizar. Filho deveria assumir os deveres de Filha assim que Palma II se tornasse completamente auto-suficiente, mas todos sabiam que levaria décadas, talvez séculos, para que isso acontecesse. Era muito conveniente, então, que IA fossem tão pacientes, e tão independentes.

“Por 'nosso bebê', presumo que esteja se referindo a Palma II,” disse Filho.

“Sim, Filho,” Dahl respondeu com um sorriso. “Isso mesmo.”

“Nesse caso, todos os diagnósticos internos e observações externas indicam que tudo está progredindo perfeitamente bem, Dra. Mallos. O Climatrol relata que a temperatura aumentou, rumo ao nível de habitabilidade confortável aos Palmianos. O ciclo de chuvas também progride normalmente sem qualquer intervenção minha”. Um bip. “Isso é tudo que tenho a reportar”.

“Obrigada, Filho”, disse Dahl. “Aliás, você sabe onde minha irmã está?”

Um clic. “Investigando… Ah, sim. A Dra. Azura Mallos está na seção B-5 do laboratório de Climatologia, com o Dr. Erol Grant”.

“Mesmo?” Dahl perguntou. “Bem, já que não temos nada de novo por aqui, acho que vou fazer uma visita a Azur e Erol. Mantenha-me informada sobre qualquer novidade, Filho”, ela acrescentou.

“É claro”, disse o filho de Cérebro-Mãe, e que era infinitamente mais benevolente do que o antigo sistema do qual era indiretamente descendente. “Como desejar”.
* * *

Dahl se levantou, caminhou até a encruzilhada pela qual Erol seguira seu caminho, e andou por vários minutos pelo longo e estreito corredor até finalmente alcançar o Laboratório de Climatologia, mais conhecido como Climatrol.

“Você viu o Dr. Grant e a Dra. Mallos?”

“Oh, sim”, a garota disse com sua voz alta e rasgada. Cuidadosamente equilibrando um jogo de tubos de ensaio em uma mão, a garota apontou para um pequeno enclave no canto oeste do laboratório. “Eles estão lá. Parece que recebemos um presente de Zelan”.

“Um presente?” Dahl perguntou, mais para si mesma do que para a garota, conforme se aproximava do enclave, onde novos suprimentos eram armazenados até se tornarem necessários. “O quê será que Zelan nos enviou?”

Dahl virou uma curva e encontrou sua irmã de cabelos azuis, Azur, e Erol inspecionando algo que naquele momento se materializava no módulo de teleporte. Dahl ainda não era capaz de dizer o que era.

“Dra. Mallos, algo acaba de chegar de Zelan”. Era a suave voz de Filho chegando pelo comunicador de pulso que todos os cientistas a bordo de Palma II carregavam.

“Sim, eu sei, Filho. Já estou tomando conta… disto”, disse Dahl, desligando o comunicador.

Erol e Azur viraram-se e notaram a presença de Dahl pela primeira vez.

“Ei, aí está você!” Azur Mallos disse, lançando seus braços em torno da irmã. “Já faz dias! Já estava com saudades!”

“Também senti saudades!” Dahl disse, retribuindo o abraço. “Mas… o quê é essa… coisa?”

“Saca só!” Erol disse. Sua mão adentrou o módulo de teleporte, e quando tornou a emergir, segurava outra mão.

Uma mulher saiu do feixe de teleporte.

Dahl soltou um breve sussurro, surpreendida pelo súbito movimento, mas recobrou sua compostura ao ver os olhos da mulher. Eles nunca piscavam. Ela obviamente era uma andróide.

“Isto é incrível!” Azur disse. “Eu nunca vi um dróide como esse antes!”

“Venha aqui”, disse Dahl à andróide, gentilmente porém no comando.

A “mulher” de cabelos vermelhos obedeceu. Ela saiu do módulo e pôs-se submissa diante de Dahl. Azur e Erol permaneceram cada qual de um lado da andróide.

“Qual é o seu nome?” Dahl perguntou.

“Sendo uma andróide, eu não tenho um nome”, a andróide respondeu. “Isso não quer dizer, entretanto, que eu não tenha identidade. Sou uma andróide analista de sistemas técnicos expert em biotecnologia, designação modelo-Mieu. Posso atender simplesmente por 'Mieu', ainda que minha designação unitária seja 'Mium'”.

Dahl sorriu. Agora eles estavam chegando a algum lugar. “Bem, qual você prefere? 'Mieu' ou 'Mium'?”

A andróide deu de ombros. Foi um gesto surpreendentemente humano, considerando-se a presonalidade monótona que vinha demonstrando até então. “Acredito que 'Mium' seja mais preciso”.

“Muito bem então”, disse Dahl. “Você será Mium!”

Mium concordou. “Como preferir”.

“Como e por quê você veio aqui?” Erol perguntou, de olhos arregalados. “Fui enviada por meu mestre, o modelo-Wren Fuoren que controla Zelan. Foi ele quem me teleportou até aqui. Minha missão é ajudar na construção de Palma II. Como eu disse, sou uma analista de sistemas técnicos e expert em biotécnicas. Sendo uma andróide, sou bastante forte fisicamente e posso ser utilizada para qualquer tipo de trabalho braçal. Além disso, não necessito de oxigênio para operar, posso funcionar de forma bastante eficiente no espaço”. Mium ohou para Dahl. “Preciso apenas de ordens”.

Dahl sorriu. “Muito bem”, ela disse. “Sua primeira 'missão' será acompanhar a meus amigos e a mim até o escritório, onde discutiremos alguns assuntos em particular”.

Miun concordou, e os quatro seguiram seu caminho.

Levaram apenas poucos instantes até chegarem ao escritório de Dahl. Era um aposento simples; todos os aposentos subterrâneos eram simples. Havia uma escrivaninha simples de metal, diante da qual Dahl sentou-se, próxima à parede. Havia um sofá correndo por toda a parede à essquerda de Dahl, onde Azur e Erol sentaram. Mieu sentou-se diante de Dahl, em uma cadeira giratória.

“Ok, Mium”, disse Dahl. “Você disse que entende de biotécnicas. Como? Eu pensava que não havia andróides escolados em certos campos exceto pelos infames Demi e Wren de Zelan.”

Mium suspirou. Ela aparentemente havia sido criada para imitar o comportamento humano, assim como os modelos-Demi. Só que esses novos modelos-Mieu pareciam especialmente bem feitos.

“Você provavelmente está com a impressão de que eu sou um novo modelo, por nunca ter visto um modelo-Mieu antes”.

“Quer dizer que você não é um novo modelo?”

“Não. Na verdade… sou o oposto”.

“O quão… antiga é você?” Erol perguntou cautelosamente.

“Tenho mais de mil anos de idade. Três mil e doze anos, para ser exata. Sou ainda mais antiga que Wren, de Zelan, que era tido como o mais antigo andróide de Algol”.

“Pela Luz…”, disse Dahl. “Eu não tinha idéia… Mas Mium, como você sobreviveu por tanto tempo?”

“Minha história é triste”, disse Mium. “Mas como você é minha nova mestra, Doutora Mallos, vou compartilha-la com você. Fui criada em Palma, o Palma original, em AW 1272. Eu trabalhava com manutenção do setor biotécnico, monitorando e ajustando o bio-sistema em Mota de minha base em Camineet, a capital do império algoliano de Palma. É perturbador, agora, olhar para trás e perceber que eu fui apenas um apêndice de Cérebro-Mãe.”

A veemência com a qual Mium mencionou o antigo nome surpreendeu Dahl. Ela não teve tempo para fazer comentários, entretanto, pois Mium prosseguiu.

“Então, quando Cérebro-Mãe destruiu Palma em AW 1284, tornei-me uma passageira a bordo da nave de fuga Amanhecer Palmiano, que seguia em direção a Mota, onde esperávamos pousar e escapar à detecção dos robotcops e andróides que estavam, naquela época, varrendo o planeta em busca daqueles que haviam fugido da 'justiça' de Cérebro-Mãe. Entretanto, quando entramos na órbita de Mota, uma de nossas naves-irmãs disparou contra nós”. Os olhos de Mium tornaram-se tristes. Se ela não fosse uma andróide, e possuíse canais lacrimais, Dahl pensaria que Mium estava prestes a chorar. “Eu ainda não sei porquê. Talvez Cérebro-Mãe tenha de alguma forma assumido o controle das naves. De qualquer forma, os sistemas de propulsãao e de suporte vital foram destruídos. A Amanhecer Palmiano foi aprisionada na órbita motaviana e se decompunha em um ritmo agoniante. Tive que observar, sem nada poder fazer, milhões de Palmianos a bordo sufocarem até a morte. Incapaz de suportar a tragédia e minha própria inutilidade, eu me desativei. A nave caiu uns novecentos anos depois, logo ao norte de uma pequena cidade motaviana chamada Nalya. Você provavelmente nunca ouviu falar nela. Seu nome e localização mudaram várias vezes ao longo dos séculos. De qualquer forma, fui descoberta, ainda desaativada, em AW 2302, por um time de arqueólogos que examinavam os destroços da Amanhecer Palmiano. Sem saber o que fazer comigo, os cientistas me ofereceram ao modelo-Wren em Zelan. Ele me reativou e me interrogou quanto ao meu passado. Eu disse tudo a ele, e implorei a ele que me desativasse até que eu pudesse ser útil novamente. Fui acordada algumas poucas vezess desde então, quando minhas habilidades mostraram-se necessárias. Na maioria das vezes, eu fazia pequenos serviços para Wren no espaço como coletar minerais antes que as colônias fora de Algol fossem estabelecidas. Mas esta é a primeira vez desde minha posição no velho Palma que tenho uma oportunidade de ser realmente útil”. Mium então calou-se, e piscou, olhando para Dahl com expectativa.

“Eu tenho certeza de que poderemos encontrar um lugar para você, Mium”, disse Dahl, com crecente empatia pela andróide. “Estou certa disso”. Ela se levantou e andou em torno da nadróide. “Mas o que possa designar a você?” Dahl perguntou a todos e a ninguém em particular. “Você tem tantas habilidades. É difícil achar um lugar para você”.

“Garanto a você”, disse Mium, “que posso me especializar em qualquer departamento que me confiar”.

“Oh, Mium, não é que eu duvide de suas habilidades. Só preciso de tempo para decidir”.

“Tenho uma idéia”, disse Azur. “Ela podia trabalhar no Departamento de Pesquisas comigo”.

“O Departamento de Pesquisas?” Mium perguntou.

“Sim”, disse Dahl, “essa é uma excelente idéia. Mium, o Departamento de Pesquisas estuda a antiga ecologia de Palma. Estamos tentando duplica-la o mais perfeitamente possível. Você seria de inestimável valia por lá, já que possui memórias de Palma”.

“Você está interessada em trabalhar conosco?” Azur perguntou esperançosa à androide.

Mium sorriu. “Certamente. E estou mais do que disposta a trabalhar também nos laboratórios de Climatologia e Biotécnias também, com qualquer um de vocês”, Mium disse para Dahl e Erol. “E obrigado a todos, por me darem um propósito novamente”. Com isso, Azur e Mium partiram.

“Bem, isso certamente foi interessante!” Dahl disse enquanto sentava-se à escrivaninha.

“Sem sombra de dúvida”, Erol disse coçando a barba. “Uma andróide de mais de três mil anos de idade… quem poderia imaginar que havia outra?”

“Faz pensar em quantas mais poderiam existir”, Dahl disse enquanto Erol sentava-se a seu lado.

“É mesmo”, ele acrescentou. “Ainda que eu duvide, mesmo que existam outras tão antigas, que seja como ela”.

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/tswk/tswk2.html

fanworks/alem_de_algol/historias/estranhos_que_conhecemos/estranhos_002.txt · Última modificação: 2009/01/15 14:32 por orakio

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