M E N U
Jogos
Jogos (série clássica)
Jogos (spin-offs)
Jogos (remakes)
Jogos (nova geração)
Colunas
Fanworks
Diversos
M E N U
Jogos
Jogos (série clássica)
Jogos (spin-offs)
Jogos (remakes)
Jogos (nova geração)
Colunas
Fanworks
Diversos
Autor: Fernando Raffani
A guardiã loira caminhava pelo corredor escuro que terminava na lavanderia. Aquele aposento era o dormitório que ela tinha escolhido como seu na casa do ex-estranho, agora amigo. Naquela noite, ela havia retornado para a casa já de madrugada, após algumas horas gastas na rua, meditando sobre sua própria vida. Aquele era o jeito preferido da moça para lidar com a tensão e ansiedade continuas, provocadas pelas constantes batalhas contra biomonstros, robôs e com o próprio governo. Os últimos acontecimentos foram muito duros para o grupo, especialmente para o líder. Ele ainda sequer tinha conseguido se recuperar bem da morte de sua querida irmã e já foi vítima de outra desgraça. Além disso, como o líder do grupo, ele sempre tomava para si mesmo toda a responsabilidade dos eventos que aconteciam sob o seu comando. E, apesar de não ter participado ativamente da destruição de Palma, a mera sensação de se sentir impotente para evitar a morte de milhões de pessoas já era um sentimento devastador para ele.
Anna não poderia negar que ela também foi profundamente afetada pelo ocorrido, mas como a vida dela sempre foi uma seqüência interminável de tragédias, ela adquiriu uma resiliência que a permitia se recuperar do choque muito mais rápido que os demais. Não havia mais nada que ela pudesse fazer para mudar o que tinha acontecido. Ficar se lamentando e se culpando não iria trazer os mortos de volta. Pelo contrário, todo o tempo gasto apenas lamentando, e a paralisia causada pelo sentimento de impotência diante dos acontecimentos poderia ser fatal, custando ao sistema solar outro planeta e milhões de almas mais. No entanto, Anna sabia também que não havia nada que ela pudesse fazer para evitar mais destruição sem a ajuda dos seus companheiros, então ela tinha que dar um tempo para que parte das feridas deles se curasse antes de poder retomar a jornada para salvar Algol.
A jovem ouviu um soluçar abafado vindo de um dos quartos da casa. A porta estava parcialmente aberta, mas Anna nem precisava espiar através da fresta formada para descobrir quem era que estava chorando. Tinha de ser Rolf. De imediato, a primeira reação foi evitar o amigo, pois ela tinha consciência que sua falta de jeito para lidar com os outros provavelmente faria mais mal do que bem. Todavia, a forma com que ele chorava soou nos ouvidos da guardiã como “Ajude-me, pois eu estou chorando, desesperado”. Além do mais, apesar da guardiã loira não querer admitir para si mesma, ela tinha simpatizado profundamente com o jovem corajoso que clamava por ajuda. E, após a irmã dele, Nei, agora morta, ele era a pessoa de quem ela se sentia mais próxima dentro do grupo. Portanto, ela decidiu atender ao apelo silencioso e emocionado do colega e entrou no quarto tomando cuidado para não fazer barulho.
Rolf estava sentado em sua cama, com o rosto apoiado em suas mãos, soluçando, e nem percebeu a entrada de sua amiga. Ela sentou-se ao seu lado cuidadosamente, e puxou suavemente a cabeça do amigo de encontro ao seu ombro enquanto acariciava seus cabelos. Esse movimento deixou Rolf um pouco assustado, mas ele não reagiu, pois logo percebeu de quem se tratava, sem precisar sequer olhar para ela. A mulher fria e misteriosa estava mais uma vez ao seu lado quando ele mais precisava de alguém. Ele queria muito entender o que se passava no coração dela, pois ela era irritantemente fria e distante de todos durante a maior parte do tempo. No entanto, ela sabia perfeitamente como ser doce e bondosa. Além disso, o abraço da jovem era deveras confortável, e Rolf não conseguia resistir ao impulso de deixar sua cabeça escorregar e se apoiar nos seios dela antes de começar a abrir seu coração.
- Oh, Anna, é tudo tão horrível! Por que isso teve de acontecer? – Rolf sussurrou, tentando suprimir seus soluços.
Anna, por sua vez, respondeu com um ar maternal em sua voz, enquanto acariciava as faces do amigo. - Infelizmente, Rolf, aconteceu. E não há mais nada que nós possamos fazer para mudar o passado.
Rolf estava inconformado, e respondeu de forma meio agressiva. – Mas, Anna, milhões de pessoas morreram! Palma foi completamente destruído! Eu não posso acreditar que uma coisa dessas aconteceu! E tampouco posso aceitar…
- Eu sei, mas…
A jovem loira tentou argumentar, mas foi interrompida bruscamente por seu amigo, que se livrou do abraço dela forçosamente, e respondeu, olhando profundamente nos olhos dela, gritou:
- Eles morreram por nossa causa, Anna! – Apesar de seu tom agressivo, Anna sabia muito bem que ele estava sentindo amargura e frustração, mas não tinha a intenção de ser hostil a ela.
Por isso, ela respondeu à acusação de forma seca: - Você bem sabe que não foi nossa culpa.
- Nos estávamos naquele maldito satélite e nós falhamos miseravelmente ao tentar evitar que ele colidisse com Palma. Claro que a culpa é toda nossa! – Rolf tinha seus punhos cerrados, mas sua raiva era direcionada a si mesmo. Raiva por não ter poderes para evitar o acontecimento mais trágico de toda a história do sistema solar. Ele abaixou sua cabeça, fitando o chão. Com seu cabelo totalmente bagunçado e a respiração ofegante, emendou, menos agressivamente: - Nos matamos eles todos…
- Não, Rolf, nós não os matamos. – Anna respondeu de forma ríspida. – Nós não colocamos o satélite em rota de colisão com Palma. Nós fomos vítimas dos planos malignos de alguém. Nós fomos assassinados juntamente com todos os Palmanos. Se Tyler não tivesse nos ajudado, nós seríamos poeira de estrelas agora.
- E é isso que nós merecíamos! – Rolf resmungou tristemente. Ele estava prestes a irromper em lágrimas novamente.
- Não, nós não merecíamos isso. Nós estávamos tentando salvar Motavia da inundação terrível, que estava prestes a engolir todos nós. Você não pode nos culpar pelo que aconteceu.
Anna estava segura de que tinha rebatido os argumentos infundados do amigo, mas, ao olhar para ele, percebeu que ele sequer haverá prestado atenção em suas palavras. Rolf havia se fechado em si mesmo, e apresentava os sinais de alguém que está se esforçando para não chorar.
- Anna, você não entende. Você nunca conseguirá entender… – Ele perdeu a batalha contra o impulso irresistível de irromper em um choro triste, e ao mesmo momento, procurou consolo novamente nos braços de sua amiga.
A guardiã loira enfrentava um dilema enquanto enlaçava o amigo carinhosamente. Ela queria mostrar alguma empatia em relação aos sentimentos do amigo, mas ao mesmo tempo era necessário não ser muito suave, para evitar que ele permanecesse convenientemente no estado letárgico que ele se auto-impôs, e encorajá-lo a continuar com sua missão.
- Eu entendo Rolf. Eu passei por tudo isso, junto com você. Certamente, foi terrível, e eu me senti como se estivesse morrendo também, mas nós precisamos continuar…
- Continuar com o quê? Não sobrou mais nada…
O lamento entristecido do amigo derreteu o coração de Anna. Havia algo naquele homem quando ele ficava triste que era poderoso o suficiente para derreter de uma vez só todas as camadas de gelo que cobriam o coração da guardiã, adquiridos durante anos de sofrimento, em eventos trágicos que ela desejava esquecer. Rolf inspirava uma admiração incomum, algo que fazia ela acreditar incondicionalmente nele.
- Não diga isso, Rolf. O comandante O’Conner nos confiou outra missão. E não há ninguém melhor do que você para salvar Algol…
Rolf interrompeu a amiga novamente. – Não, Anna, eu sou a pior pessoa para essa tarefa. O comandante já deveria ter percebido isso e escolhido qualquer outra pessoa para continuar a nossa missão. Acho que eu irei amanhã até o escritório na torre central e pedir dispensa da minha posição.
Anna suspirou de tristeza ao ouvir as palavras de seu amigo, pois sabia que a pior coisa que pode acontecer a alguém é perder as esperanças e desistir. – Por favor, Rolf, seja razoável. – novamente ela se silenciou, para pensar melhor na situação, pois ela estava profundamente afetada pelo pessimismo de Rolf. Talvez a qualidade que ela mais admirava no amigo era seu senso de responsabilidade inabalável, sua maturidade. Apesar de ser bem jovem, ele se destacava na multidão pela sua força interior, sua sabedoria, e o perfeito equilíbrio entre razão e emoção. Rolf tinha a maioria dos traços de personalidade que Anna admirava em uma pessoa, e nenhuma das imperfeições óbvias que ela própria tinha. Ver o homem que a inspirava em se tornar uma pessoa melhor numa posição tão frágil machucava-a muito, pois era como se a última centelha que a motivava a perseverar no caminho do bem estava se extinguindo. E, assim, ela fatalmente voltaria ao passado de erros e crimes que desejava evitar a qualquer custo, por saber que aqueles caminhos tortuosos a levariam rapidamente a uma morte trágica. – Nós conhecemos muitas pessoas durante essa nossa jornada juntos, Rolf, e nós vimos apenas um monte de pessoas apáticas, que sabem que o mundo está desmoronando sob seus pés, mas que nunca moveriam um dedo sequer para salvar a própria pele. Imagine então para lutar pelo que é certo! Se não fosse você, ninguém faria nada. – e, após uma pausa decidindo se deveria compartilhar um pouco de fatos pessoais, que era a coisa que ela mais odiava fazer, acrescentou – E se não fosse por você, eu não estaria aqui.
Após esse apelo, ambos ficaram em silêncio. Rolf tinha sentimentos conflitantes sobre a situação em que se encontrava. Ainda que seu abatimento fosse um sentimento genuíno, ele sentia um impulso que o levava a exagerar seu sofrimento, pois aprendeu ser essa a melhor forma de poder desfrutar de um pouco de compaixão e carinho da guardiã loira. Características essas que desapareciam no ar tão logo ela voltasse ao seu humor e disposição normais. Anna ainda era um grande mistério para ele. Rolf havia ficado extremamente preocupado com o comportamento frio e recluso da moça tão logo ela se juntou ao grupo. De fato, o comportamento dela era tão suspeito que ele relutou em aceitar a ajuda de uma mulher que abominava tanto o próprio passado que recusava até a dizer para os outros a própria idade. Todavia, durante os últimos meses em sua companhia, Rolf aprendeu que Anna era confiável e determinada a ajudar o grupo, sem hesitação. Quaisquer que fossem os mistérios que jaziam em seu passado, eles não afetavam a competência dela como lutadora e trabalhadora em equipe. Além disso, Nei havia descoberto um lado doce e gentil da guardiã, e nada agradava mais o jovem agente que uma pessoa demonstrar gentileza com sua falecida irmã. Principalmente quando a doçura da guardiã era tão encantadora e seu abraço tão prazeroso. Tão prazeroso que Rolf se sentiu inclinado a deixar o profissionalismo de lado pela primeira vez, e se envolver romanticamente com a parceira de grupo. A única coisa que ainda o impedia de se atirar de cabeça nessa tentação era a personalidade deveras irregular da moça.
Mas não era só o abraço de Anna que o fazia permanecer em depressão. A destruição de Palma e a subseqüente morte de todos os seus habitantes foi um choque maior ainda que a morte trágica de sua própria irmã.
- Não tem jeito, Anna. Eu fui amaldiçoado com o toque anti-Midas…
- Pare com isso, Rolf! Você tem feito coisas maravilhosas o tempo todo. – A jovem loira balanceava palavras mais duras com carícias nos cabelos do amigo.
- Eu sou amaldiçoado! Toda vez que eu tento consertar algo, as coisas acabam piores do que eram antes. Quando tentamos salvar Teim dos seqüestradores, apenas acabamos causando a morte dela e do pai dela. Quando tentamos consertar o problema da criação dos biomonstros, eu perdi minha querida Nei. Além disso, tentando consertar os problemas do Climatrol, nós acabamos causando uma grande inundação em Motavia. Quando tentamos abrir as comportas das represas para evitar uma grande catástrofe em Motavia, fomos presos e Palma foi destruído. E agora? Se formos para Dezoris, o que acontecerá lá? Outro planeta será pulverizado, provavelmente. Eu sinto que se eu insistir nisso, mais cedo ou mais tarde terminarei por levar Algol para sua completa aniquilação.
- Você está errado, Rolf. Se não insistirmos, aí sim você pode ter a certeza que Algol encontrará seu fim. Isso é motivo suficiente para abraçarmos essa tarefa colossal. Se nós não tivermos a coragem sequer de tentar, nós estaremos nos rendendo covardemente a quem quer que seja que está tentando destruir Algol. – A resposta de Anna veio em um tom maternal. Ela não fez isso propositalmente, mas acabou por causar uma comoção maior em seu amigo órfão falando desta forma.
- Mas, Anna, pense bem, você não vê que eu sou impotente para mudar o que quer que seja? Olhe para o meu passado, foram apenas derrotas e mais derrotas. Eu nunca conseguirei salvar Algol.
Apesar das palavras serem basicamente as mesmas, Anna notou uma súbita mudança na forma com que Rolf se expressava, e percebeu que tudo o que ele precisava era de uma razão, um motivo, uma esperança para se agarrar e ter forças para continuar. Qualquer coisa que o convencesse de que seu sacrifício valeria à pena. E a guardiã loira sabia exatamente a resposta que faltava para o amigo.
- Você precisa fazer as pazes com o seu passado, Rolf.
- O que?
- Você precisa perdoar o seu passado para poder seguir em frente, Rolf.
Anna soltou Rolf de seus braços e o ajudou a sentar-se eretamente, pois ela queria ter uma conversa olho-no-olho com o amigo. – Se alguma coisa não deu certo no passado, não significa que outra coisa não dará certo desta vez.
- Mas é uma boa indicação que não dará certo, não é? Você confiaria seu dinheiro para um ladrão guardar? – Rolf balançou a cabeça negativamente. – Não, Anna, não é assim fácil…
- Espera, lá, Rolf, tudo o que você fez até hoje foi com a melhor das intenções. – Anna segurou as mãos de seu amigo e olhou intensamente em seus olhos. – Olhe, Rolf, eu tenho um passado muito mais vergonhoso que o seu. Eu… - A garota hesitou por um momento, pois falar de seu próprio passado era sempre a coisa mais difícil – Eu passei por coisas terríveis, inimagináveis, tão horríveis que me dói só de lembrar, e eu também fiz coisas terríveis que eu não ousaria contar a ninguém. No entanto, antes de te conhecer, eu tinha abandonado toda a fé e a esperança que havia em meu coração. Eu tinha aceitado o fato que eu nunca iria mudar, portanto a melhor coisa para o mundo seria a minha morte. Se eu morresse naquele momento, ninguém iria chorar a minha passagem, pois não havia ninguém no mundo que se importasse comigo. Pelo contrário, enquanto eu permanecesse viva, eu seria apenas um instrumento para causar tristeza, sofrimento e dor para outras pessoas, como eu era no passado. Todavia, quando eu decidi me unir a você, como a última chance que eu daria a mim mesma de me reformar, eu decidi fazer as pazes com o meu passado. E é por isso que eu estou aqui. Meu passado ainda é capaz de me deprimir, mas eu acredito que ainda tenho o poder de fazer as coisas direito. E minha única motivação na vida, atualmente, é provar que eu estou certa sobre isso. Você não concorda que valeu a pena eu me dar essa última chance?
- Claro que concordo, Anna. Você tem sido uma excelente combatente e uma amiga melhor ainda. – Rolf respondeu imediatamente, e depois acrescentou desanimado. – Mas como eu posso viver com a culpa de ter matado milhões de pessoas?
- É exatamente nisso que você está errado, meu querido. Você não matou ninguém. Você apenas deu o seu melhor para proteger a vida dos habitantes de Motavia. Eu te admiro por ser tão determinado em ajudar toda a humanidade, deixando de lado os seus próprios interesses. – Após uma breve pausa, Anna acrescentou – Se esse mundo fosse feito apenas de Rolfs…
Rolf se sentiu tocado pela cena, ficou gravada profundamente na sua memória. Os olhos azuis de Anna brilhavam como duas safiras na penumbra do quarto. Por um momento, Rolf acreditou ter visto Anna sorrindo para ele, com os olhos umedecidos. Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, e a sensação era de que o tempo havia parado. No entanto, os cérebros de cada um dos dois estavam trabalhando a todo vapor, tentando processar todas as impressões geradas pelo encontro fortuito, relacionando essas impressões com experiências passadas, e misturando tudo com suas emoções. Para Anna, esse era um processo mais fácil, uma vez que todas as dificuldades que fizeram parte de sua vida acabaram por criar um filtro para emoções em seu cérebro. Anna não era uma psicopata que ignorava as emoções, mas ela possuía uma capacidade enorme de distinguir as partes emocionais e racionais de cada impressão recebida, e isso a tornava capaz de permanecer fria e controlada sempre que a situação exigia autocontrole. Para Rolf, esse processo já era bem mais complicado, mas após alguns minutos, seu cérebro já tinha processado o bastante para que ele pudesse seguir em frente.
- Eu acho que você tem razão, Anna. Obrigado. Eu me sinto melhor agora.
- Excelente! – Anna se levantou e acariciou gentilmente o rosto do amigo, respondendo com uma voz doce e carregada de afeição. – Estou tão feliz por você se sentir melhor. – e acrescentou, de forma mais séria – Vamos descansar agora, pois amanhã nosso dia vai ser cheio, uma vez que nós iremos para Dezoris.
- Pois é, Anna, está certo. Boa noite. E obrigado mais uma vez.
- Boa noite, Rolf.
A guardiã loira virou-se e se preparou para partir. Ela se sentia aliviada, pois tinha conseguido ajudar o amigo. Ela não tinha dúvidas que necessitava contato humano, apesar de não ser muito social. Todas as vezes que ela exercia sua compaixão e compartilhava seu amor, conseguia suprimir seus impulsos cruéis e violentos. E, apesar de levar uma vida solitária, os melhores momentos com certeza tinham sido aqueles nos quais ela pode desfrutar da companhia das pessoas que ela amava. Portanto, poder ajudar a pessoa da qual ela era mais próxima era um sentimento maravilhoso. Principalmente porque ajudar o amigo querido era uma forma de se ajudar também.
Ao cruzar o vão da porta, ela foi interrompida por um chamado do amigo. – Anna…
Seu coração disparou. Anna sentiu uma ansiedade súbita. Ela temia o que se seguiria após aquele chamado, pois ela tinha quase certeza que seria algo emocional e pessoal. E esse era o tipo de situação que a deixava mais desconfortável. Rolf logo completou:
- Se o mundo todo fosse feito de Annas, ele seria certamente um lugar maravilhoso para se viver.
Tendo acertado o tipo de comentário que seu amigo faria, Anna lentamente virou-se e balançou a cabeça negativamente. – Não, Rolf, não seria. Você não tem nem idéia do que acabou de dizer. – E, após um profundo suspiro de tristeza, acrescentou – Um dia eu serei capaz de te contar todo o meu passado. E eu tenho certeza que você vai mudar completamente de opinião.
E nisso, Anna deixou o quarto de Rolf antes que a conversa se alongasse ainda mais. No entanto, ela tinha sido profundamente tocada pelo comentário do amigo. Aparentemente os sentimentos do amigo estavam crescendo em uma direção inesperada. E era exatamente isso que ela mais temia quando se dispôs a ser carinhosa e compreensiva com ele. Não que ela achasse ruim a idéia de Rolf amá-la, pois de todos os homens que ela conheceu na vida, ele era provavelmente o melhor. A idéia de evoluir a relação deles até o ápice do amor entre duas pessoas não era ruim. De fato, serviria até como forma de realizar os sonhos românticos de garotinha inocente, que, apesar de terem sido deixados de lado após a sucessão de tragédias que povoou sua adolescência, sua razão nunca conseguiu suprimir totalmente. Até porque, apesar das cargas extremas de instinto e emoção envolvidas em um relacionamento, o amor romântico tem suas raízes profundamente fincadas na razão. E, acima de tudo, essa seria a maneira perfeita de deixar o passado trágico para trás.
No entanto, Anna temia não ser boa o suficiente para Rolf. Apesar de ter feito as pazes com o próprio passado, Anna ainda não se sentia segura o suficiente para afirmar que estava completamente mudada. Só o fato de seu humor estar constantemente alternando-se entre doçura e compaixão, e frieza e indiferença, já era um indicativo suficiente de que ainda faltava muito do caminho a ser trilhado antes que ela pudesse se considerar pronta para se unir com alguém e se tornar uma com ele.
Rolf, por sua vez, tinha muito a refletir antes de ficar calmo o suficiente para cair no sono. A moça misteriosa conseguiu ajudá-lo a clarear suas idéias em relação ao trágico ocorrido da destruição de Palma, apresentando um ponto de vista diferente, que lhe dava forças para continuar. Apesar de ele ainda estar em luto pela morte dos milhões de inocentes, incluindo sua querida irmã, agora ele conseguia ver tudo o que aconteceu nos últimos meses sob uma luz diferente. O passado nunca deixaria de ser parte dele. Mas, ao invés de ser tão massacrante a ponto de impedir Rolf de agir livremente, levando-o a repetir os mesmos erros indefinidamente, como uma cruz pesada que ele tivesse de carregar eternamente, Rolf estava disposto a ver seu passado não mais como um inimigo ou uma maldição, mas uma referência. Como um farol iluminando seu caminho pelas águas turbulentas do presente, revelando os bancos de areia onde seu barco havia atolado anteriormente, e guiando-o para longe das rochas e recifes mortais. Iluminando o caminho abençoado que ele deveria trilhar para construir sua senda de glórias. As tragédias do passado não seriam mais instrumentos de tortura e sofrimento que o jogam para baixo e fazem-no se sentir impotente para mudar o presente e, subseqüentemente, o futuro, da mesma forma que ele era impotente para mudar o passado, mas sim como lições aprendidas pela dor. E, principalmente, poder prestar tributo a memória de sua irmã. Onde quer que Nei estivesse, ela certamente estaria feliz de vê-lo usar do amor que ela o havia ensinado a sentir para fazer outra pessoa feliz.
E também havia Anna. O quanto mais ele a conhecia, mais ele a amava. Apesar de ele não querer confessar, ele tinha certeza que quaisquer que fossem os mistérios em torno do passado dela, não faria a menor diferença para o que ele sentia por ela. Assim como ele estava disposto a perdoar seu próprio passado, ele também estava disposto a perdoar o passado de Anna, e construir um amor sincero e profundo do ponto em que eles se encontravam atualmente, crescendo juntos, rumo à eternidade. Se assim ela quisesse, claro.
Ele também tinha certeza que Nei estava sorrindo para ele naquele momento. E isso bastava para encher novamente seu coração de esperanças, não deixando nenhum traço de dúvidas em sua mente. Ele tinha que continuar sua jornada para salvar Algol e trazer para todos uma paz duradora, custasse o que custasse. Pois, desta forma, ele estaria atendendo ao último desejo de Nei.