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fanworks:fanfictions:fic-028

Oito golpes

Autor: Darrell Whitney
Tradutor: Orakio Rob

“Vou pegar a comissão às ruínas de Casba, por favor,” Nalo Crain disse à secretária-chefe da Guilda dos Caçadores, uma mulher de cabelos negros. Como muitos de seus companheiros caçadores, Nalo pensou em chamá-la para sair, mas nunca teve coragem. Sair com a responsável pelo seu pagamento era o tipo de problema que nenhum homem queria.

“Desculpe, mas outro caçador já completou esse serviço.”

Nalo piscou.

“Quer dizer que alguém escoltou o time de investigação da academia pelas cavernas? E acabou com aquele ninho de dragões?”

“Isso mesmo.”

“Mas só postaram essa tarefa aqui a uma semana atrás! Quem poderia tê-la concluído?”

A secretária não precisou nem averiguar.

“Chaz e Rika Ashley,” ela disse, fazendo um gesto com a cabeça para o casal que por acaso acabava de entrar pela porta da guilda.

Nalo resmungou. “Eu devia ter adivinhado. O que mais se poderia esperar de alguém que treinou com a Guerreira dos Oito Golpes?”

As orelhas de gato de Rika, que serviam para mais do que torná-la bonitinha, captaram o comentário. Ela lembrou-se de sua primeira visita a Aiedo, quando um homem chamou Alys Brangwin de “Espada dos Oito Golpes”. Agora que pensara nisso, percebeu que esse era um apelido estranho para uma caçadora, mesmo considerando que essa profissão geralmente levava a apelidos patéticos como “O Demônio Vermelho” ou “O Martelo de Ferro.”

“Chaz”, ela perguntou ao seu marido assim que sentaram-se à mesa do bar“, como Alys conseguiu aquele apelido?”

“Hein?” Chaz parecia confuso. Isso acontecia com frequência; Rika achava isso bonitinho.

“'A Guerreira dos Oito Golpes' – o quê significa isso?”

“Oh, sim, tem a ver com um dos primeiros casos dela na guilda. Quando eu era moleque, ficava chateando, perguntando isso a ela. A Alys acabou me contando a história toda como recompensa quando eu aprendi a técnica RES.” Por um momento, seus grandes olhos verdes exprimiram a dor ainda sentida pela perda, perda da mulher que tinha sido um ídolo, uma professora, uma amiga, e mãe substituta, tudo numa só.

“Se é particular…”

“Não, não, na verdade é bem engraçado.”

“Que bom! Então me conta.”

Nesse momento, um garçom veio anotar os pedidos. De modo geral eles pediam comida, já que cozinha era algo novo para ambos. Chaz não era de beber, e quanto a Rika, dois anos não deram a ela muito tempo para se acostumar a bebida.

“Olá, Chaz e Rika. O quê vai ser esta noite?”

“Um… espetinho de Crawler, eu acho, e mila,” Chaz decidiu.

“Ok, um espetinho e uma mila, sem nei.”

Mila era um suco bem temperado e servido quente. Se o suco fosse fermentado antes, a bebida chamava-se neimila, e era conhecida por derrubar homens fortes na segunda dose.

“E você, Rika?”

“Ammonite ao molho de alho, com batatas fritas de Torinco e água, por favor.”

“O molho de alho e a mila se anulam quando vocês se beijam?” o garçom perguntou. Rika riu.

“Você devia se mudar pra Dezóris,” Chaz disse a ele. “Você seria um estouro por lá–ao invés de ser estourado.”

O garçom sorriu e rumou para a cozinha.“

“Pela Luz, estou começando a falar como o Rune,” Chaz resmungou.

“Falando nisso, você deixou seu cabelo crescer nos últimos meses,” Rika provocou.

“Estou perdido.”

“Conte-me a história, você vai se sentir melhor.”

Chaz sorriu para ela. Ele tinha um sorriso lindo, ela pensou.

“Muito bem. Tudo começou em Arcon, uma dessas pequenas vilas que havia perto de Kadari…”


Viry Kenton achou as estrelas muito bonitas naquela noite. O céu estava sem nuvens de ponta a ponta, parecendo um grande tapete negro. repleto de jóias. A bela vista não era a única coisa que o mantinha na estrada, no entanto. Depois de três horas no Lanterna Azul com seus camaradas, mesmo o cérebro alcolizado de Viry podia deduzir que sua esposa aguardava por ele em casa disposta a comentar sobre seus atos. Extensamente. Então, ele não tinha tanta pressa em voltar.

Por outro lado, cada hora de atraso da parte de Viry tornava o resultado final ainda pior. Já que fugir para Torinco não era uma opção, esse equilíbrio de medos o manteve no caminho num ritmo mediano.

Quando uma das maiores dunas que se postavam ao lado do caminho começou a tremer, Viry achou que era efeito de todo o vinho que tomara. Esse tipo de coisa já acontecera antes; uma vez, quando o Lanterna Azul teve uma safra ruim, ele vira fanbites rosa dançando o pao-pao por horas–uma duna que tremia não era nada. Quando a duna explodiu em uma chuva de areia, entretanto, ele notou.

Quando um gigante ergueu-se do buraco, uma criatura mecânica gigante estalando alto o suficiente para levantar os mortos, ele notou.

Quando um enorme pé atingiu o caaminho a pouco mais de dois metros dele, Viry parou de notar e começou a correr.


“Tentamos de tudo”, o capitão da guarda de três homens da vila de Arcon disse. “Bestas, lanças, lâminas, até WAT.”

“Você usa técnicas?” Alys Brangwyn perguntou. O vento seco do deserto atingia o cabelo castanho dada caçadora, fazendo com que ele flutuasse de maneira desconcertante em volta de sua cabeça e ombros. Isso conferia a ela uma aparência tímida, como a de uma delicada heroína de uma história romântica, se fosse ignorado o vestido utilitário vermelho sobre sua roupa preta, a radical auto-confiança em seus olhos, e o par de slashers pendurados em seu cinto.

“Não sou lá grandes coisas, só uso WAT, ANTI e RIMIT. Esta última cai bem para acabar com brigas de bar; põe todo mundo pra dormir.”

Alys batucava com os dedos no cinto.

“Então, nada funcionou?”

“Ele não sofreu nem um arranhão. A coisa basicamente ignorou a gente, saiu pisando por aí, derrubou duas casas e explodiu outra, e então foi para o deserto. Quando esmagou uma casa de fazenda, percebi que a coisa não iria embora, então chamamos a guilda dos caçadores para obtermos ajuda profissional.”

E eu fui burra o suficiente de aceitar o trabalho, Alys pensou. O resgate de uma vila e cinco mil mesetas de comissão fizeram seu altruísmo e seu desejo por dinheiro correrem na mesma direção, e puf, ela assinou o nome ao lado de “O Titã de Metal” e partiu para Arcon.

“O quê exatamente você quis dizer com 'explodiu'?” ela perguntou ao capitão.

Ele se levantou da cadeira.

“Vou lhe mostrar.”

Arcon tinha a forma de uma cruz, com duas ruas se encontrando numa pequena praça onde se localizava o poço da vila. O capitão levou Alis pela estrada a oeste passando por várias casas típicas de uma vila, algumas com placas desenhadas indicando lojas.

“Ali,” disse ele, apontando. O gesto não era necessário; Alys podia de ver a cratera cercada de pedaços de tijolos e madeira queimada do que restara da casa.

“Um tipo de raio de luz foi disparado do ombro dele, atingiu a casa e bang!–lá se foi a casa,” ele contou a ela. “Parece-me que essa coisa é algum tipo de relíquia antiga que uns acadêmicos sempre estão estudando. Tem muitas dessas coisa aqui no vale; a Luz sabe que qualquer um pode ter acionado esse troço e ele saiu por aí, correndo e quebrando coisas. Sorte que ninguém foi morto ainda.”

Alys não comentou a respeito, preferindo observar o chão.

“Vocês seguiram o gigante pelo deserto?” Pelo visto, não seria difícil segui-lo.

“Oh, claro. Imaginamos que ele poderia dormir ou o que quer que faça essa coisa quando fica cansada.”

“e?”

“Os rastros dele sumiram!”

Alys deu-lhe um olhar afiado.

“Não, é verdade!” ele exclamou. “Foi como se ele tivesse cavado um buraco e jogado areia por cima!”

“O que não é um palpite tão ruim, se o fazendeiro do qual você falou–aquele que o viu pela primeira vez–falou a verdade. Essa coisa pode ser capaz de cavar o solo como um sandworm.” A caçadora franziu a testa, deixando claro que isso não a agradara. “Então, temos um gigante de metal de dez metros e de armadura impressionante, armas explosivas, e a habilidade de se mover sem ser visto.”

“É, é mais ou menos isso.”

“Eu devia ter pedido dez mil,” ela murmurou para si mesma.

Algo na cratera escurecida chamou sua atenção, algo metálico que brilhava no sol do fim de tarde. Cuidadosamente, Alys desceu em meio aos escombros, tomando cuidado para não pisar em falso e fazer tudo desabar em cima dela. Ela pegou um pedaço de metal e deu uma olhada nele. Tinha espessura razoável, as bordas estavam serrilhadas, e boa parte de um dos lados tinha sido queimada pela explosão.

“Ei, o quê é isso?” ela murmurou. Talvez fôsse da casa mesmo, um pedaço de escultura, uma ferramenta… mas quando ela a ergueu contra o sol, percebeu que estava enganada. A coloração do metal, com tons de verde e violeta, caracterizavam uma amostra de tiânio.

“Achou alguma coisa?” o capitão perguntou quando ela escalou a cratera.

“Não sei. É algo a se pensar, no entanto. Alys pôs o fragmento de titânio em sua bolsa presa ao cinto. “Agora, gostaria de descansar numa hospedaria e comer algo que não seja ração de viagem. Peguei um atalho para cá pela passagem na montanha mas meus pés ainda estão me matando.”

“Tente a Mota Arms. Kessie faz a melhor comida da cidade. É na rua ao norte.”

O capitão estava certo, a comida era boa, mas Alis não pensava nela enquanto comia. Sua mente estava em seu trabalho, e na descrição do gigante. Não era ferro, era? Era titânio–ou ao menos o corpo da dinamite que fôra lançada contra a casa.

A parte mais importante para o sucesso de qualquer caçador não era suas técnicas, nem inteligência. Era a sua sorte, e Alys teve a sua quando um garotinho motaviano entrou na sala de refeições. Como todos de sua raça, ele tinha orelhas pontudas, pelo azul, olhos vermelhos, e um bico no lugar dos lábios. Kessie o viu, e disse, “Só um segundo, Radi,” e trouxe uma cesta da cozinha.

“Obrigado, Kessie”.

“Nada. Mande lembranças à sua família”.

Alys foi até a dnoda da hospedaria.

Os únicos motavianos por aqui são a família de Radi?

“São sim; eles tem uma pequena fazenda ao norte da vila. O tio dele, Doan, é o mecânico da vila. Ele fez uma série de artefatos de cozinha há apenas seis meses que são bem melhores que meus potes velhos.”

Alys ouvia atenta.

“Obrigada. Aliás, esse foi o melhor espeto de n'dira que eu já comi. A maioria das pessoas só taca as maiores garras de Locuta pouderem encontrar, ao invés de verificar se estão maduras.

Kessie ficou vermelha e disse, “Parece que você se vira bem na cozinha.”

“Eu me viro bem em qualquer lugar,” Alys respondeu sorrindo, e deixou Mota Arms atrás do garoto. Seguir Radi foi fácil; as marcas deixadas por suas botas na areia deixaram uma trilha clara. Seguí-lo sem ser vista era mais difícil, então ela não se importou com isso. Mais cedo ou mais tarde ele olharia para trás e perceberia que a caçadora o estava seguindo. Do jeito que os boatos corriam, Alys deduziu que a essa altura provavelmente todo mundo em Arcon já deveria saber quem ela era e o quê fazia por lá, incluindo o garoto motaviano. Eles já haviam deixado a cidade havia dez minutos quando a coragem de Radi acabou e ele saiu correndo. Após alguns poucos passos, ele largou a pesada cesta de comida; Alys pegou-a e começou a perseguí-lo sem maiores dificuldades.

Como esperado, o gaoto não pegou nenhum desvio, seguindo direto para acasa. A fazenda era um lugarzinho agradável, com uma casinha, uma plantação de milho rodeada por uma cerca e coisas do gênero. Era notável a ausência das usuais pilhas de sucata, produtos de experimentos fracassados, que acompanhavam a maioria dos lares motavianos.

O garoto estava próximo a uma mulher motaviana mais velha, provavelmente mãe dele, e agarrou seu braço em busca de proteção. Radi não tinha mais do que oito anos, deduziu Alys.

“Você deixou cair isto,” a caçadora disse, com a cesta nas mãos.

Um adulto motaviano surgiu, com as mãos tensionadas em torno do cabo de um pesado machado.

“Você é aquela caçadora que enviaram,” ele resmungou.

“Alys Brangwyn, a seu dispor.”

“Por quê você seguiu meu filho?”

Ela pegou o objeto que encontrou na casa arruinada. Apenas a raça motaviana nativa sabia o segredo do refinamento de titânio.

“Acho que precisamos conversar sobre isso.”

Alys contemplou o olhar preocupado que os dois adultos trocaram. O homem parecia perigosamente competente com aquele machado, e Alys não apreciava a idéia de lutar. Não na frente de uma família motaviana. Ninguém vence esse tipo de batalha.

Felizmente, a coisa não não chegou a tanto. O casal parecia ter chegado silenciosamente a um acordo, e ambos pareciam encolhidos em si mesmos ao abandonarem sua atitude de parentes protetores. O homem pôs o machado de volta em seu cinto.

“Imaginamos que não poderíamos manter o segredo quando chamassem um profissional,” ele disse pesaroso.

“Vocês são exilados, não são?”

Ele confirmou.

“Perdoe-nos.” Ele, então, balançou a cabeça, sem jeito. “Entre, e eu explicarei tudo, embora você provavelmente já tenha entendido tudo.”

Alys foi levada a uma pequena cozinha e sentou-se a uma mesa redonda.

“Quer beber algo?” ele ofereceu, mas ela recusou. “Sirva-se. Contar histórias dá sede.” Ele ebcheu seu copo com vinho from a clay.

“Radi, por quê você não guarda os suprimentos na despensa,” a esposa dele disse ao garoto, numa óbvia desculpa para tirar o garoto do local. Ela acrescentou para Alys, “Obrigado por nos trazer isto. É mais de uma semana de nossos mantimentos”

“De nada,” foi a breve resposta da caçadora, que então virou-se para o homem. “E quanto à explicação?”

“Melhor começar com as apresentações. Meu nome é Orban, e esta é minha esposa Lia. Somos nativos de Tonoe.”

“Por quê vocês foram exilados?”

“Meu irmão mais novo Doan. Ele sempre se interessou por histórias do passado, desde pequeno, especialmente aquelas sobre robôs, ciborgues, essas coisas.”

Havia pessoas na guilda dos caçadores que tomariam tais idéias por contos de fadas; Alys não era uma delas.

“Máquinas que se movem por si mesmas?”

Orban tomou um gole de vinho.

“Isso mesmo. Mas saiu tudo de controle. Doan era uma dessas pessoas que tem grandes idéias mas que agem sem pensar. Ele não testava, só construía e ligava. Como ele não sabia de que maneira os antigos poderes davam vida a seus robôs, ele decidiu usar vapor. Ou seus motores esplodiam, ou as máquinas sairiam de controle. Um certo número de acidentes é esperado quando se inventa máquinas, mas Doan extrapolou. Ele estava tão envolvido em seus sonhos que passou a ignorar medidas básicas de segurança. Enfim, ele foi proibido de continuar a trabalhar com robôs e vapor.”

“Deve ter sido dureza.”

Um brilho triste tomou os olhos de Orban.

“Ele não deu ouvidos e continuou trabalhando. Seu modelo seguinte foi inspirado em histórias que ele ouviu sobre a guerra dos robôs, então ele o construiu com um ejetor de dinamite. A fumaça do motor a vapor pôs fogo nas cargas, e duas pessoas foram mortas quando a dinamite explodiu.”

Ele pendeu a cabeça, com tristeza.

“Os anciões não tiveram escolha,” Lia prosseguiu com a história. “Eles proibiram Doan de trabalhar novamente com qualquer tipo de máquina e exilaram-no de todas as comunidades motavianas. Orban recebeu a orden de acompanhar seu irmão e certificar-se de que sua sentença se cumpriria.”

“Você não foi exilada também, foi?” Alys perguntou. Ela sabia um pouco sobre a lei motaviana, e não acreditava que um castigo dessa natureza também se extenderia aqueles relacionados apenas pelo casamento.

“Amo meu marido”, Lia disse com simplicidade.

“Dá para imaginar?” Orban disse melancólico. “Um cientista motaviano reduzido a um… remendão de potes de palmianos só para pôr as mãos no vil metal? Por dez longos anos?”

Alys compreendeu a dor dele, mas só compreendeu. Ela sabia onde isso ia dar e não aprovava.

“Ele não tinha mais como agüentar, não é?”

Orban baixou a cabeça, triste.

“Ele passou a fazer longas caminhadas no deserto e sentava-se nas colinas, ficava cada vez mais tempo fora de casa. Às vezes ficava dias longe da fazenda. Quando eu perguntava ele dizia que estava tudo bem, e eu… eu queria acreditar nisso.”

Ele tomou um bom gole para se acalmar.

“E então ele sumiu por uma semana, e eu não pude mais aceitar sua falta de fé. Fui atrás dele nas colunas, e descobri que Doan havia feito uma segunda casa para ele em uma caverna. Ele tinha encontrado um depósito de titânio bruto em uma de suas caminhadas, e não pôde lutar contra aquilo que parecia ser um presságio. Ele extraiu o mineral com suas pequenas ferramentas, refinou-o e começou a trabalhar em sua obra-prima.”

Lia pôs a mão sobre o ombro do marido.

“Isso já havia tinha sido muito ruim,” prosseguiu Orban, “mas ao menos ele ainda não tinha machucado ninguém. Implorei para que voltasse para casa e esquecesse daquele monstro que ele construiu, mas ele disse que havia terminado, e tinha que saber se funcionaria.”

“Absolutamente fantástico, irmão!” Doan gritou, com um olhar agitado. “É a perfeita embalagem para o espírito dos antigos!”

“Os antigos palmianos!” seu irmão respondeu. “Olha onde esse robôs os levaram… uma sociedade em ruínas, a destruição de seu planeta. Vovô Dorin tinha razão; máquinas não devem ser nada além de ferramentas para nos auxiliar.”

Doan fitava seu irmão.

“Como você pode pensar assim? Essa é minha maior criação! Como pode negar isso?”

“Seus sonhos loucos já nos transformaram em dois expatriados! Não deixarei que faça o mesmo aqui em Tonoe!”

Ele agarrou o braço de seu irmão, mas com grande força Doan se libertou e correu para a caverna atrás de sua máquina.

“Vou te mostrar, Orban! Você não diria essas coisas se o visse em funcionamento!”

Ele subiu a ladeira atrás do gigantesco e imóvel titã e abriu o painel na lateral de sua cabeça. Doan pôs sua mão lá dentro e puxou uma longa alavanca. Logo em seguida, o assobio do vapor escapando preencheu a caverna, e Doan fechou o painel.

“Viu só!” ele gritou. “Viu, Orban! Funciona! Finalmente eu consegui!”

O orgulhoso inventor ergueu as mãos, balançando os punhos em celebração. A coisa então deu seu primeiro passo, e depois mais um.

Em seu segundo passo, o ombro largo e blindado roçou na ladeira. A frágil estrutura de madeira estremeceu, e então desabou. Só houve tempo para que os gritos de triunfo de Doan se transformassem em gritos de terror antes que ele caísse sobre o solo da caverna.

“Nós o enterramos,” Lia explicava enquanto seu marido terminava o vinho, com a mão que segurava a taça tremendo de nervosismo. “Queríamos avisar sobre o ocorrido, mas quando o robô de Doan começou a fazer loucuras por aí, ficamos com medo. Já fomos exilados de uma comunidade…”

“Então o monstro está à solta, obedecendo a sei lá quem, e a única pessoa que sabe como pará-lo está morta,” Alys resumiu com frieza. Ela sentia pena da família, mas tinha problemas maiores para cuidar. “Você sabe quanto tempo leva para o combustível daquela coisa acabar?”

“Anos,” disse Orban. “Uma das poucas coisas que Doan inventou que realmente funciona foi um novo componente de baixo consumo para motores a vapor.”

Lá se foi a alternativa prática. “Essa coisa é toda feita de titânio?”

“Sim.”

Alys pensou em um palavrão. Espadas e bumerangues seriam tão úteis contra a armadura pesada do robô quanto a mordida de uma monsterfly em um leviathan. Ela pensava em alcançar o painel na cabeça dele com algumas acrobacias, mas e aí? Operar os controles sem entende-los pode causar mais confusão ainda. “O quê mais você sabe sobre ele?”

“Ele pode viajar sob a areia. Além disso, sei quais são suas armas,” Orban disse a ela. “Ele falou delas quando explicou o que tinha feito. Sua forma de ataque principal são seus punhos, mas também pode arremessar lâminas pelos joelhos e… oh, como ele chamava aquilo?… compartimento octoejetor de dinamite.”

Alys deu um sorriso maroto.

“Acho que ainda posso conseguir aquela recompensa.”

Por quê exatamente estamos aqui, Alys?” o capitão da guarda perguntou. A caçadora havia pedido ao guarda da cidade de Arcon que isolasse a área oeste da cidade e evacuasse a todos que ali residiam.

“Seu monstro não está atacando aleatoriamente. Se perder algum tempo sobre um mapa, vai perceber que ele está se movendo para dentro e para fora em uma rota em espirala partir do ponto onde foi criado, rotacionando essa espiral em quatro graus no sentido do relógio a cada vez que aparece. Só bem na beirada da espiral ele entra realmente na vila.”

O guarda coçou a orelha sob o elmo de couro.

“Senhora, minha cabeça dói só de ouvir isso.”

“Quinhentas mesetas em troca de um pouco de matemática.”

“Ok, então quanto teremos que esperar? Tem um bando de gente aqui querendo ir para casa.” Apontou a multidão com o polegar por sobre o ombro.

Alys olhou para o céu, observando a posição do sol.

“Uns dois minutos.”

O sol parecia estar com pressa: um minuto e meio depois o chão começou a tremer e o solo começou a se retorcer. O titã de metal rompeu através do solo.

Pela Luz, essa coisa é ENORME!

Alys empunhou seus slashers e ajustou suas lâminas em um ângulo bem aberto. Se ela não fizesse tudo certo, boa parte de área oeste de Arcon seria esmagada pelos pés do gigante, e muitas pessoas poderiam se ferir. Concentrando-se, Alys foi cultivando sua força interior, e então lançou o primeiro slasher. A arma lançada rente ao chão foi subindo em uma espiral em volta do titã.

“Um… dois… três… quatro.” ela contou enquanto a energia incandescente do vórtice retalhava o robô ? ou ao menos tentava.

“Não está funcionando!” O capitão protestou. Os gritos de terror do povo ecoavam sua dismay.

O slasher de Alys não voltou para sua mão como de costume. Na verdade, as lâminas metálicas foram tão danificadas pelo forte contato com a rígida armadura de titânio que já não mais voavam, caindo ao chão impotentes. Mas tudo bem: ela tinha dois slashers e isso bastaria. Alys lançou rapidamente o segundo vórtex.

“Cinco… seis… sete… droga!”

Cercado pelo vórtex, o robô subitamente se moveu para a esquerda, e o slasher chocou-se contra a parte de dentro de seu braço na sétima volta, e caiu ao chão mais uma vez.

A máquina gigante continuou em sua fúria, esmagando mais uma casa como se nem tivesse notado que a casa estava lá. Isso, Alys suspeitava, era verdade. O povo corria e gritava : em nada poderiam ajudar.

Então eu nem sequer o feri com os Slashers, percebeu Alys. Ela pegou um tijolo quebrado e lançou contra as costas do robô, na esperança de ter entendido direito o que “octoreflexivo” significava. Malditos universitários com essas palavras complicadas…

Até então, a criação de Doan simplesmente caminhava por aí sem direção, sem golpear ou atirar em nada. Subitamente, ela virou-se para encarar Alys, com propósitos letais. Um fortíssimo estalo anunciou o surgimento de um mecanismo sobre o ombro esquerdo da criatura.

“Oito!” Alys gritou.

O ejetor de dinamites mirou diretamente na bela guerreira.

“Abaixem-se!” Ela gritou. A maior parte da multidão obedeceu instantaneamente.

“O quê?” alguém perguntou, confuso.

“FOI!”

A explosão de chamas deixou a palma aberta da mão de Alys e atingiu a abertura do ejetor. O fogo atingiu a dinamite no momento em que esta subia e, exatamente como acontecera em Tonoe a dez anos atrás, o explosivo foi detonado pela chama.

Felizmente, a maioria das casas em Motávia não tinham janelas. Não sobraria nenhuma na vila inteira depois daquela explosão. Grande parte dos destroços voou sem causar danos por sobre as cabeça da multidão; felizmente, só houve ferimentos leves.

“Eu definitivamente devia ter pedido dez mil pratas.” Alys groused, olhando para o que restou de suas armas favoritas.


“Chaz”, Rika disse com desconfiança, “quer dizer que a Alys tinha aquele apelido porque contou em voz alta o número de vezes que acertou o robô?”

“A-ham. Começou a correr por aí que ela poderia destruir qualquer inimigo com menos de oito golpes. Então ela se tornou A Guerreira dos Oito Golpes.”

“Chaz.”

“Sim querida?”

“Foram nove golpes”, Rika acrescentou da maneira mais gentil que pôde. “Ou talvez quatro, dependendo de como se conta.”

Chaz sorriu e virou metade de seu drink.

“Você imagina a Alys perdendo tempo corrigindo essas histórias? Ou explicando que ela só contou para saber quando o lançador de dinamites ia aparecer?”

Isso Rika não podia negar.

“O que houve com aqueles pobres motavianos depois disso? Quando ficaram sabendo que Doan foi o responsável pelo robô…”

“Bem, parece que eles misteriosamente encontraram quatro mil mesetas por aí”, Chaz respondeu com um sorriso, “que eles deram ao povo de Arcon para arcar com os danos que causaram. Já que ninguém se machucou, o povo acabou perdoando”. Rune provavelmente acrescentaria um comentário cínico do tipo “Especialmente porque o sujeito que o contruiu já estava morto mesmo”, então Chaz não disse mais nada.

“Quatro mil? Por quê não cinco?”

“Nós estamos falando da Alys, lembra? Ser herói é legal, mas…”

Rika gargalhou, e completou a frase de seu marido.

”…ser paga por isso é melhor ainda!”

Texto original: http://www.phantasy-star.net/fanfics/whitney/eight.html

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