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fanworks:fanfictions:estrela_cadente

Estrela cadente

Autor: Fernando Raffani

Kain estava examinando o teto do andar superior do sobrado onde Rolf morava. Ele estava impaciente. – Onde fica o mardito alçapão? O Rolf divia me mostrá ondi el e fica. – Kain andava de um lado para o outro enquanto carregava um rifle laser nas mãos. – Esse rifre disgraçado emperrou! Droga! Eu preciso das ferramenta pra consertá essa bagaça.” – O jovem mecânico ainda ficou procurando durante alguns minutos até que ele finalmente avistou a alça do alçapão. Ao encontrá-la, sorriu pra si mesmo. “Ahá! Taí o fiodamãe! Tô me sentindo um trôxa, já prucurei nesse canto umas quatro vêiz…”

Kain usou o cano do rifle para puxar a alça do alçapão. Enquanto ele puxava a porta, a escada de alumínio presa no alçapão descia automaticamente, permitindo-o subir para o pavimento superior. Assim que ele terminou de subir a escada, encontrou o sótão completamente escuro. Enquanto procurava o interruptor, Kain tropeçou em umas caixas que estavam no chão do sótão e quase caiu.

- Caraca! – Kain deixou o rifle escapar de suas mãos. Pronto pra proferir uma sequência de palavrões, ele mudou de idéia ao ser surpreendido pelo som de algo se arrastando sobre o chão de aço inoxidável do sótão, e virou-se para o lado de onde o som veio. Seus olhos, ainda não completamente acostumados com a falta de luz, avistaram a silhueta de uma moça deitada no chão. Apesar da escuridão do quarto, ele reconheceu imediatamente a moça: era a Nei. Foi o suficiente para fazer seu coração disparar.

- Opa! É você, Nei. Olá! – Kain estava envergonhado por entrar subitamente no sótão e se deparar com a garota Numan. Apesar de ela não poder enxergar com pouca luz, Kain ficou ruborizado.

- Oh, Kain? – Nei virou sua cabeça para olhar para o visitante. Ela estava deitada em um cobertor elétrico, em silêncio, olhando o céu estrelado através de uma janela feita de um polímero de carbono translúcido e ultra-resististe, posicionada no telhado da casa.

- Como vai, Nei? Desculpa por atrapalhá ocê. Achei que num tinha ninguém aqui incima. – O jovem mecânico tentava parecer o mais natural possível, mas sua expressão claramente demonstrava o contrário.

- Oh, Kain, não foi nada. – A Numan respondeu sorrindo.

- Bem… é… eu… eu tô só procurano as ferramenta qui teu irmão falou que tava aqui. Não quero te atrapaiá.

Kain estava olhando para o chão, tentando evitar contato visual com a Nei. Enquanto ele falava, ele mexia os braços freneticamente, apontando para os lados aleatoriamente, como uma forma de superar ou ao menos disfarçar seu embaraço.

- Ah, Kain, não tem problema nenhum, sinta-se em casa. Sua presença nunca é motivo de incomodo. - Nei respondeu rindo dos movimentos desengonçados do amigo. Ela parecia feliz por vê-lo.

Kain estava se sentindo inseguro. – Bem… – Por causa do nervosismo descontrolado, ele estava bravo consigo mesmo. – Droga! Eu sempre desejei ter uma chance di ficá sozinho com a Nei, mais agora eu nem sei o que falá pra ela… Me arrependo de num tê passado mais tempo vadiando com a galera e tê ficado perdendo meu tempo com essas porcaria de máquina. Agora eu poderia tê a experiência que eu precisava ter pra falá direito com a Nei!

Kain deu uma bela olhada na Nei e seus olhos mostravam claramente que ele gostou do que via. A Numan estava usando uma camisola de cetim branca que revelava uma porção generosa de suas coxas. Apesar de ter um corpo muito atraente, Nei tinha um ar de inocência que fazia com que a maioria dos homens que não a odiavam por ser um híbrido de animal e humano olhar para ela sem malícia. Kain era uma exceção, pois ele tinha se juntado ao grupo de Rolf principalmente para poder passar mais tempo com a bela Numan por quem ele se apaixonou imediatamente ao avistá-la durante a visita do grupo a Kueri.

- O que… o que cê tá fazendo aqui, Nei? – As palavras saíram como se Kain estivesse tossindo pra fora algo que estivesse preso em seus pulmões.

- Eu estou apenas observando o céu estrelado. – Nei respondeu calmamente, com um tom melodioso em sua voz.

- Sonhando acordada, né? – Kain começou a se sentir mais confiante e se aproximou da garota.

- Exatamente. Sabe, Kain, eu estava aqui sentada, observando as estrelas, imaginando se cada uma das demais estrelas possui planetas rodando em torno delas, com pessoas vivendo em cada um desses planetas, assim como nós. – Nei respondeu deixando transparecer um estado de espírito sonhador e inquisitivo.

- Bem, Nei… - Kain sentou-se ao lado da Numan. – Eu acredito qui alguns desses praneta pode até tê gente vivendo neles.

O mecânico estava se sentido mais confortável com o assunto científico, que era de seu domínio, e arriscou uma aproximação com a bela e inocente garota.

- Eu imagino se existe algum lugar no universo como esse planeta em que moramos, com pessoas vivendo como nós. Eu fico imaginando se existe um lugar… onde… pessoas… não sofram nenhum tipo de preconceito. – Através de sua hesitação, Nei deixou claro que seu humor havia mudado um pouco. Sua voz possuía tons tristes.

- Pois é… Nei…

Kain, de forma tímida, envolveu os ombros da moça Numan em um abraço. Apesar de parecer calmo, ele estava extremamente ansioso, com medo de ser rejeitado pela moça, mas ela aceitou calmamente o seu abraço.

- Muitas vezes eu me pego sonhando e divagando sobre essas questões existenciais. Bem, você sabe, né, Kain? As coisas nunca foram fáceis para mim. – Nei olhou fixamente dentro dos olhos de Kain, como se tivesse tentando ler sua alma. – Apesar de eu ter a aparência de uma adolescente, eu só tenho um ano e meio. Sabe, é muita coisa para eu aprender em tão pouco tempo. Meu irmão, por exemplo, é bastante maduro aos 18, mas nós vemos frequentemente homens de 30 que ainda agem como idiotas, como crianças mimadas. Imagine o quão difícil é amadurecer em apenas um ano e meio. Há muitas coisas que eu não entendo… muitos assuntos que eu nem comecei a explorar ainda, nem toquei a superfície. No entanto, eu sinto que eu deveria entendê-los para atender as expectativas das pessoas em relação a uma moça da idade que eu aparento ter. Eu tenho que aproveitar o meu tempo escasso ao máximo, mas ao mesmo tempo, eu tento levar a vida de uma garota normal da minha idade.

- É mesmo… num parece sê fácir.

Kain estava sem palavras. Ele ficou impressionado ao descobrir que a Numan estava preocupada com questões tão complexas. – Parece que ela fala de mim. Cacete, eu tenho 20 anos, mais nunca tive ninhum relacionamento que prestasse com nenhuma mina… Nem sei se tô preparado… Espero que a Nei num tenha nenhuma experiência em relacionamentos também, senão ela vai me achá um boçal… Ainda mais agora que eu saquei que ela é do tipo intelectual, estou ainda mais apaixonado por essa gata!

- Então, Kain, eu sou meio desenganada… - Nei deitou sua cabeça no peito do amigo. – Se eu continuar envelhecendo nesse ritmo, não vou viver mais que 10 anos. Eu não posso esperar muito da vida. Eu não posso, por exemplo, sonhar em um dia virar mãe e criar os meus filhos como uma humana normal. Eu não posso sonhar em estudar e desenvolver uma carreira profissional de sucesso. Eu tenho de viver sempre no fio da navalha pra ter alguma chance de fazer algo que presta do meu parco tempo de existência. Mesmo assim, é muito difícil. As pessoas têm muito preconceito contra mim. Eu praticamente não posso sair de casa sem ser xingada ou ameaçada. Muitas vezes tentaram me matar ou me machucar, sem que eu tivesse feito mal a ninguém. Só por causa das minhas orelhas pontudas, que traem minha origem híbrida… – Nei fez suspirou fundo. - Eu não espero conseguir grandes coisas na minha vida, mas eu desejo poder viver esses poucos anos de vida que me restam em paz…

Os olhos vermelhos da garota Numan estavam cheios de lágrimas. Ela estava com o olhar fixo, direcionado a um ponto qualquer da parede do sótão. – É tão cruel… eu sequer posso sair de casa sem ouvir pessoas gritando comigo, brandindo seus punhos raivosamente e me ameaçando… Eu nunca fiz nada contra eles… Eles só me toleram quando estou acompanhada do grupo, mas mais porque eles têm medo de vocês do que por respeito. Minha audição apurada permite-me ouvir os sussurros cheios de insultos e ódio direcionados à minha pessoa.

- Oh, Nei, é duro, né?

Kain estava se sentindo um lixo. Ele deseja poder confessar abertamente o seu amor para ela, fazendo ela feliz, mas ele tinha muito medo que ela não entenderia. Era uma situação insuportável para o jovem mecânico. Ele não aguentava mais esconder seus sentimentos. Eu me apaixonei por a Nei desdi que eu a vi pela primera veiz… Eu sonhava tanto em tê um corpo macio e quente ao meu lado… Ah, Nei, se cê pudesse ver o que tem dentro do meu coração agora…

Kain sentiu se extremamente tocado pelo triste lamento da garota Numan. Ele já tinha ouvido a história dela contada pelo Rolf, mas essa era a primeira vez que ele ouviu a história de acordo com as próprias palavras de quem viveu as situações tristes. Além da carga emocional extra que ela naturalmente deixava transparecer ao contar seus sofrimentos e tristezas, o simples fato de ouvir o lamento da mulher que ele amava já era muito emocionante, pois, para ele, ela significava tudo.

- Mas Nei… a nossa galera ti considera uma muié como calquer outra…” Kain interrompeu subitamente sua frase, em dúvida ele estava consolando ou machucando ainda mais a sua amada.

- Eu sei… - Nei se voltou para Kain com um sorriso no rosto, fazendo ele suspirar aliviado. - Eu estou muito feliz que vocês todos tenham me aceitado. Nenhum de vocês questionou a minha natureza, as minhas intenções, as minhas habilidades ou meus valores morais. Isso é o mais próximo que eu já senti de ser amada e eu agradeço quem quer que seja que tenha criado esse universo por, no meio dessa tragédia toda, me permitir essa oportunidade de me sentir aceita do jeito que eu sou.

O jovem mecânico estava desesperado. - Aceita? Você é amada, Nei… Como eu posso contá isso pra ela sem parece que eu tô abusando do momento de fragilidade dela? Se eu subesse o que falá agora de maneira qui ela mentendesse… acreditasse na pureza do meu amor…

Nei voltou a olhar para o céu. Ela certamente tinha muitos pensamentos em sua mente naquele momento. Kain tinha seus pensamentos também, mas acima de tudo, ele queria continuar sentindo o corpo macio e quente da mulher que ele amava em seus braços. Era como em um sonho. Apesar de ele não saber se a Numan sentia algo por ele ou não, ele considerava que ela tinha aceitado o abraço dele como o abraço de um amigo, e isso já era suficiente para fazê-lo feliz. Talvez aquilo fosse o máximo que ele receberia dela, então ele queria apenas aproveitar o momento, sentindo o calor do corpo dela, sua respiração suave, seu perfume delicioso… Afinal, esse havia sido o momento mais significativo que ele tinha tido com uma mulher em toda a sua vida. E tinha sido justamente com a mulher que ele amava.

De repente, Nei percebeu algo no céu.

- Kain, Olha! – E, apontando para algo no céu, complementou – Uma estrela cadente!

- Sério? - Kain estava meio perdido, tentando achar a estrela cadente no céu.

- Sim! Sim! Ela é tão bela… - Nei estava empolgada com o ocorrido.

- Tem razão, Nei. Bonita mesmo.

- Bem, eles dizem que nós devemos fazer um pedido quando vemos uma estrela cadente cruzar o céu. Eu desejo que eu possa ser considerada uma garota normal. Eu desejo que eu possa ser amada por quem eu sou e nunca ser julgada por causa do formato diferente das minhas orelhas, minhas garras ou meus instintos animais aguçados. Eu desejo que eu possa ser amada de verdade pela mulher que eu sou.

- É… - Kain tinha um tom de tristeza em sua voz. Ele estava se sentindo mal, pois amava a Numan como uma mulher normal, mas não tinha coragem de confessar seu amor.

- Ei, Kain, você acredita nisso? Quer dizer, em fazer um pedido para uma estrela cadente?

- Bem… - Kain estava se sentindo constrangido. Ele queria ser sincero sem machucar os sentimentos da garota. - Dizem que, tecnicamente, uma estrela cainte é apenas um meteorito cruzano a atimosféra…

Nei comentou com um tom sonhador. - Mesmo assim, é um fenômeno tão belo…

- De fato, é sim… - Kain aproveitou o momento romântico para abraçar Nei com mais força.

- Eu sei que você não acredita nessas bobagens, engenheiro. Você é sempre racional, não é verdede? - Nei riu, brincando com Kain. - Mas por que você não tenta, nem que seja apenas uma vez? Faça seu pedido! Não vai te custar nada. Quem sabe se os deuses não estão especialmente te ouvindo hoje?

- Bem… - Kain parecia ainda mais entristecido. - Nei… - Ele estava se sentindo realmente constrangido, com as faces vermelhas e as palmas das mãos suando. - Talvez eles tão orvindo você. Eu posso ti garanti que teu sonho já é realidade…- E, soltando a garota e se levantando, acrescentou – Já o meu sonho… tenho certeza qui nunca vai virá realidade… - Ele virou de costas, e foi até a caixa de ferramentas, a qual havia localizado em um canto enquanto estava abraçado com a Nei, deixando a garota Numan fitando-o, frustrada. - Desculpe, querida, mas eu priciso consertá essa porcaria de rifre prá amanhã. Tenho que ir lá pra baixo.

Kain pegou a caixa de ferramentas, o rifle que havia deixado cair e desceu as escadas apressado, tentando esconder as lágrimas que escorriam de seus olhos. - Até mais, Nei.

- Até mais… - O tom da moça era de frustração. Seus olhos também estavam cheios de lágrimas.

Kain desceu as escadas e empurrou a porta do sótão, fechando-o novamente. Apesar de carregar as ferramentas e o rifle, ele estava certo que não consertaria ou destruiria nada, pois não havia clima para isso. Ele só conseguia pensar em sua amada Nei, em seu corpo macio, em seu perfume doce, em seu olhar cheio de amor… Ah, Nei, meu amor, eu quiria podê te dizê o que mora nu meu coração, queria mesmo. Você sabe… eu amo ocê… Seus sonhos mais secretos já se tornaro realidade.. Se eu pudessi apenas vivê esse sonho junto com oce, meu amô… Si nóis pudesse entendê e acreditá nos meu sentimento… Acreditá qui eu amo você mais do que ocê um dia vai sabê. Eu te amo exatamente do jeito que ocê é… Eu amo ainda mais ocê por você sê especial… Eu sei que ocê precisa ser amada mais do que uma muié normal… E eu sei que eu posso ti dá esse amô que ocê merece, Nei.

Nei permaneceu em silêncio, com o olhar vazio direcionado ao céu. Ela ficou decepcionada pelo fato de Kain a abandonar de repente, pois ela estava realmente curtindo seu abraço amoroso. Ela entendia o que ele sentia. Apesar de ser muito nova e ter pouca experiência de vida, existiam algumas coisas que ela sabia reconhecer muito bem. E ela sabia muito bem quando alguém a amava de verdade. Kain… Eu queria que você ficasse mais ao meu lado. Você acha que eu não sei qual é o seu maior desejo, mas eu sei exatamente qual ele é… Por ser uma Numan, eu consigo farejar e sentir isso melhor do que qualquer mulher no mundo… E eu acredito que você não tem consciência disso, mas eu estou muito feliz pelo que você sente por mim… Só que eu não quero que você sofra. Se eu soubesse que existe um jeito para evitar o meu destino macabro… Eu sei que logo eu terei de encarar algo que vai significar a minha destruição… Se houver um modo de evitar isso, meu amor, pode ficar tranquilo que eu serei a primeira a te mostrar pessoalmente que o seu maior sonho pode e irá se tornar realidade… Eu juro.

fanworks/fanfictions/estrela_cadente.txt · Última modificação: 2011/07/24 09:40 por orakio