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Escolhas

Parte 2

Amanhecia quando se aproximaram da passagem sob a montanha que leva a Tonoe, escoltados pelo sol nascente e a fria brisa da manhã. Em uma clareira próxima, havia muitas marcas de luta, com manchas de sangue pelo chão. Chaz sentiu um calafrio. No fundo ainda esperava que tudo fosse uma grande mentira. Havia unicamente um grande silêncio por toda parte. Mesmo animais não era avistados por perto.

Todos se entreolharam. Não havia ninguém por ali. Parecia-lhes muito estranho que, se os motavianos de fato estivessem se preparando para uma guerra, não dispusessem de um meio qualquer para prevenir um ataque repentino. Cruzaram a pequena caverna rapidamente sem dificuldades, e se dirigiram para Tonoe.

A cidade parecia estar vazia. Chaz lembrou da primeira vez que pisara em Tonoe. Lembrou das crianças motavianas correndo, da música alegre que enchia todo o lugar; agora parecia uma cidade fantasma. Um silêncio pesado, nenhum motaviano encontrava-se à vista. Chaz e Rika sentiam os corações batendo apressados. Rune falou em voz baixa, em tom preocupado:

“É como pensei. Os motavianos não querem guerra alguma. Estão se escondendo, tenho certeza. Têm medo de serem atacados. Sabem que não têm chance em uma guerra contra os palmianos. Se são em tão menor número!”

“E para onde teriam fugido?”

“Tenho uma idéia!” Exclamou Rika após alguns segundos de reflexão. “A passagem por trás da cidade, que leva àquela antiga caverna, como um porão. Gryz comentou certa vez que somente os motavianos sabiam o segredo para abri-la. Chaz, talvez possa haver alguém refugiado por lá. Alguns motavianos podem ter ficado para enfrentar a situação, para proteger sua cidade.”

Chaz concordou com um curto aceno de cabeça. Rapidamente, correram em direção a uma velha tenda, escondida por trás de algumas árvores ao norte de Tonoe. Dentro da cabana, a escuridão só se dissipava graças ao teimoso sol que invadia o recinto através de alguns pequenos rasgos na grande tenda branca. Havia muitos caixotes espalhados, cercando o local; e diversas manchas de sangue pintavam todo o chão.

“Houve luta por aqui!” exclamou Chaz.

“Será que algum Hunter já tentou invadir este local? São 500.000 mesetas. É uma quantia pela qual se faria loucuras.” Rika olhava furiosa para o fundo da tenda. Estendeu o braço, usando as garras para apontar a entrada da passagem. “Chaz, a tampa do alçapão está destruída.”

Chaz puxou a espada e correu em direção às escadas. Desceu rapidamente esperando que já não fosse tarde para impedir mortes desnecessárias.

Era de morte, entretanto, o cheiro que tomava todo o lugar. Havia corpos no chão. Dilacerados. Passado o primeiro segundo do espanto, Chaz notou que eram todos humanos. Nenhum motaviano encontrava-se com suas carnes apodrecendo no frio chão da caverna. Conhecia, de vista, alguns deles. Rika tinha razão, alguns Hunters seduzidos pela riqueza tentaram a loucura de arriscar-se a capturar Gryz em sua própria cidade.

“Tem alguém aí?” Gritou na esperança de encontrar sobreviventes.

“Isso depende do que você pretende fazer com a resposta.”

Era uma voz áspera, raivosa, mas conhecida.

“Gryz?” Chaz exclamou aliviado.

“Nem mais um passo, garoto. Você está cercado”

Foi só então que Chaz pôde perceber os outros cinco motavianos que se encontravam escondidos nos flancos da escadaria, todos portando machados, preparados para atacar qualquer invasor. Rika, que vinha descendo lentamente, saltou com uma grande fúria nos olhos e posicionou-se ao lado de Chaz. Os motavianos ensaiaram um passo na direção dos dois, mas foram reprimidos por um olhar mais severo de Gryz.

“Gryz. Sabe que estamos do seu lado.” Era a voz de Rune, que soava imperiosa e severa. De sua silhueta emanava um suave brilho azul. Do alto da escadaria, onde estava, com a luz chegando por suas costas, dava a impressão de ser um fantasma. Um fantasma dos longos anos que haviam dentro do espírito de Rune. Naquele instante, Chaz lembrou-se de toda a história sobre Lutz.

“Assim pensava eu sobre todos os palmianos.” Resmungou Gryz. Chaz olhou nos olhos de velho amigo, e sentiu o ódio e o rancor que deles emanava. Puxou a espada lentamente, e percebeu que os guardas motavianos não perdiam de vista o menor de seus movimentos. Bastaria uma ordem de Gryz e estariam mortos. Mas Chaz conhecia bem o líder motaviano. Eram grandes amigos. Entretanto, precisava provar aos comandados suas boas intenções. Puxou a espada e postou-a com a empunhadura para frente, e ofereceu-a ao amigo motaviano.

“De uma forma ou de outra, não pretendo lutar com você. É você quem deve fazer uma escolha agora. Devemos nos matar? Ou procurar as respostas para estes acontecimentos?”

Gryz relaxou a postura de alerta, e fez o mesmo com seu machado, postando-o aos pés de Chaz. Os outros motavianos se agitaram nervosos ante ao gesto de seu líder mas nada disseram, era claro que lhe tinham plena confiança.

“Já faz um longo tempo.” Disse Gryz.

“Sim, e as circunstâncias não podiam ser piores.” Rune descia a escada, e parecia que, a cada passo, a luz que o envolvia diminuía e ele voltava a ser um simples humano. Chaz não pôde evitar pensar no quanto ele parecia diferente. Mesmo fisicamente, agora lembrava o lendário Esper Lutz. “Agora, Gryz, sentemos para que possa nos contar o que aconteceu naquele dia.”


Sob o claro céu azul, três motavianos passeavam junto à montanha que cerca Tonoe: Pana, Dorin e Gryz. Sorrindo, Pana brincava, correndo de um lado para o outro, perseguindo borboletas e grilos saltitantes, colhendo flores e rindo junto com o velho Dorin. Gryz sentia-se muito feliz. Tudo o que importava em sua vida era a felicidade de sua irmã. Pelo canto de um olho, Gryz pode ver um filhote de Sandcrawler esgueirando-se por trás de uma pedra. Sorriu satisfeito. Pana teria um banquete esta noite. Piscou o olho para Dorin, e saiu em perseguição ao pequeno monstrinho.

Não haviam se passado cinco minutos desde que se afastara, quando Gryz ouviu o grito de dor de Pana ferir-lhe os ouvidos. Retornou na maior velocidade que suas pernas permitiram, mas era tarde. Pana encontrava-se estendida ao chão, com suas roupas encharcadas em sangue, e parada como morta. Ao seu lado, Dorin, com um grande ferimento no lado do corpo, enfrentava de mãos nuas três jovens palmianos que atacavam com facas e espadas curtas.

A resposta de Gryz foi rápida. Em menos de cinco segundos não havia mais palmianos de pé. Dorin estendeu o braço, indicando algo entre uns arbustos. Ao longe, podia-se ver uma garota com uma pistola, apontada para eles. Com certeza fora o disparo trapaceiro que pegara Dorin desprevenido. Foi este o último gesto do velho motaviano antes de desmaiar em exaustão, pela perda de sangue. Quando Gryz ameaçou perseguí-la, a garota correu.

Pana ainda possuía um longo punhal cravado às costas, escondido sob as vestes rubras de sangue. Gryz retirou-o lentamente, como se temesse machucá-la mais ainda. O ferimento de Dorin era feio, mas não grave. Após conter-lhe o sangramento, Gryz sentou ao lado de Pana. E chorou.


“Eles a mataram!” Gritou Gryz furioso. “Mas acredito, entretanto, que não era este seu principal objetivo. Creio que estavam atrás de Dorin, nosso líder. Ou de ambos.”

Rika baixou a cabeça deixando escapar uma pequena lágrima. Pana, a irmã mais nova de Gryz, que a numana conhecera quando esta ainda era uma criança, fora assassinada. Rika acariciou seu ventre com a ponta dos dedos. Se alguém se atrevesse a por um dedo em seu filho certamente teria o mesmo destino. Agora entendia o que Rune quisera dizer com ‘talvez ele não tenha tido outra escolha, talvez tivesse de ser assim’.

As palavras de Gryz saiam trêmulas, mas não de tristeza. Chaz podia sentir que toda a tristeza já se tinha transformado em ódio. Terminado seu relato, o motaviano sentou e baixou a cabeça. Falou entre murmúrios:

“Não eram estudantes, entendem? Eram monstros.”

“Agora entendo” começou Rune “O porquê de uma recompensa tão alta. Ao eliminar Gryz, o reitor eliminaria o último elo com a verdade.”

“Ele bem que tentou,” falou o motaviano, “mas soubemos nos defender.”

Chaz deu um soco na mesa.

“Então só nos resta retornar a Piata e arrancar a verdade daquele desgraçado. Ainda não sabemos o motivo deste ataque tão despropositado.”

“Vingança, talvez…”

“Como assim, Gryz?” Rika se pronunciava pela primeira vez.

“Estavam vestidos de negro, exatamente como aqueles fanáticos em Kadary.”

“Kadary? Você quer dizer como os fanáticos seguidores da religião de Zio? Isso é estranho. Eles foram dissipados há vários anos. Desde a morte de seu líder. Por que buscariam uma vingança agora?” Perguntou Chaz.

“É o que vamos descobrir…” Disse Rune. “Já vejo algum encaixe entre as peças deste negro quebra-cabeças. Está claro que o reitor mentiu, ou foi estúpido suficiente para ser enganado pela garota que sobreviveu. Seja lá qual fosse o propósito deles, a vida de Gryz é o grande empecilho entre eles e seu objetivo. E agora também nós, que sabemos a verdade. Devemos retornar imediatamente para Piata para vermos esta garota, ou para fazermos uma visita ao reitor.”

“Gryz, não creio que você deva ir.” Continuou Rune. “Sua vida corre muito perigo.”

“Pana está morta. Acredite, não é minha a vida que corre perigo.”

“Ele tem razão Gryz,” murmurou Rika.

“Sabem que não ficarei. Confio em meus guerreiros para protegerem este local.”

Então, pensou Chaz, está é a sua escolha, Gryz.

Fim da Parte II

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