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A maior dor

Autor: Fernando Raffani

Ding. Ding. Ding. Ding. O relógio bateu quatro horas. Estava demorando demais. Pela hora, ele já deveria ter se decidido. Então, eu só podia esperar pelo pior. Eu não aguentava mais, ficar andando impacientemente pelo salão enorme, ou sentada em uma cadeira, olhando a paisagem através da janela. Ou pior, ficar olhando para o relógio, como se isso fizesse o tempo passar mais rápido. Aquele salão, que eu tanto apreciava quando criança, ou pelo menos assim me disseram, pois eu não consigo me recordar do passado, havia se tornado uma câmara de tortura. Eu tinha de ficar lá, esperando por uma resposta, uma resposta que poderia mudar minha vida.

A propósito, minha vida tem sido muito tumultuada nos últimos meses. Antes, eu vivia apenas aquela vida entediante de princesa herdeira, tratada como uma boneca de vidro, cercada por bajuladores. Felizmente eu não lembro exatamente de como era isso, mas só o conceito de desperdiçar a minha vida em futilidades já me enoja. Há tanta vida lá fora, tantas coisas pra se ver, pra aprender, tanta gente precisando de uma mão, uma palavra. É terrível viver como uma boneca, prisioneira em seu próprio castelo, não podendo falar o que pensa ou fazer o que gosta. Cercada de mentirosos que dizem te amar só porque você nasceu do ventre de certa mulher, igual a qualquer outra.

Bem, isso acabou. Algo aconteceu. O que aconteceu, eu não sei dizer, mas eu só consigo me lembrar que eu acordei em uma praia, nos braços de um homem desconhecido. Essa é a memória mais antiga que eu possuo. E também, a mais doce. Daquele momento em diante, minha vida foi uma sucessão de baixos e altos, como um passeio de montanha-russa. Que quer que essa tola expressão antiga signifique.

Eu já tinha perdido todas as minhas esperanças até que eu o vi marchando pela sala do trono. Meu coração quase parou. Eu estava tão feliz! Daí, quando eu estava pronta para me atirar em seus braços, e beijá-lo até que nós dois morrêssemos por exaustão, houve certa hesitação. Havia ela. E agora ele tinha que fazer uma escolha…

Tique-taque-tum-tum. O relógio parecia estar sincronizado com as batidas fortes do meu coração ansioso. Era difícil permanecer em pé, pois minhas pernas estavam tremendo de tanta emoção. Também era difícil ficar sentada, de braços cruzados, esperando o que o destino havia reservado para essa pobre e desgraçada filha do criador, quem quer que ele ou ela seja. Laya? A Grande Luz? Deus? Big Bang? Nada disso importa. O que importava era que, em minutos, eu seria lançada ao círculo mais alto do paraíso, em eterna contemplação, fitando diretamente a face do criador, ou arremessada nas profundezas do inferno, sob as cravas das botas do próprio demônio. Meu destino estava nas mãos dele, meu amor, meu salvador, meu príncipe, a razão da minha vida. Mas por que ele partiu meu coração com aquela desculpa de que “tinha que pensar”? Já não estava certo que nós nos casaríamos? Se ele havia desistido da ideia, então por que ele percorreu toda essa piada de mundo, cuja forma ninguém consegue compreender, apenas pra vir aqui e falar não na minha cara? Rhys, minha vida, meu amor, seria possível que você me odiasse tanto que tivesse arriscado sua vida só pra vir aqui e rir das minhas lágrimas após me esnobar?

Não, isso não podia ser verdade. Talvez fosse eu que já estivesse ficando louca, e eu confesso: estava realmente mais próxima do domínio da loucura do que da sanidade enquanto aquela ansiedade me dominava, me torturava, e tudo o que havia me restado era esperar. Acredito que esperar seja a pior tortura que alguém possa passar na vida. Eu já li coisas terríveis nos livros de história e ficção, mas nada se comparava ao que eu sentia naquele momento. Ser trancafiada em um calabouço escuro e úmido? Ser queimada viva? Coberta por ferro incandescente? Atacada por monstros? Ser arrastada no mar, amarrada a uma corda presa a um barco? Ser eletrocutada por horas? Sofrer por privação de sono, sede e fome? Ser violentada? Não, tudo isso era terrível, mas significava ser vítima de uma grande maldade. Esperar por alguém decidir o meu futuro era certamente pior, uma vez que isso significava ser torturada, sem esperanças e impotente para fazer o que quer que fosse pra reverter tal situação, como se minha vida não valesse nada e eles tivessem brincando com ela. Os métodos tradicionais de tortura, ao menos significavam que sua vida vale algo, caso contrário o torturador não gastaria seu tempo te torturando.

Bem, eu posso estar falando besteira, mas aquele era o sentimento que eu tinha no momento. Ter de esperar uma decisão estava me matando. Eu ansiava tanto por uma resposta que qualquer ruído me exasperava, qualquer estalido na porta de madeira estúpida fazia meu coração disparar dentro do meu peito.

Ding. E eram quatro e meia. Quanto tempo eu já estava naquele salão? Horas? Dias? Anos? Eu apostaria alto que eu estive lá dentro durante toda minha vida. E perderia a aposta com aquele sorriso de satisfação do viciado em poker que perdeu com um full-house contra uma quadra. Ele perdeu, mas a aposta estava correta. E aquela seria a minha aposta.

Tique-taque-clique. Clique? Clique! Sim, finalmente! Eu pulei da poltrona em que estava sentada e esperei por ele, tremendo de excitação. Tinha de ser ele. A longa espera terminara, finalmente. O ranger da grande e velha porta era música para os meus ouvidos. Eu sabia que um dia meu príncipe viria. E lá estava ele, pra me dizer que ele ia casar comigo, para que pudéssemos viver juntos para sempre.

Enquanto a porta se abria, eu pulava de felicidade, como uma menininha tola. - Rhys! Meu amor! - Eu me envergonho de dizer o quão empolgada eu estava quando eu gritei o nome do meu amado. Eu tinha as minhas mãos cruzadas e meus olhos brilhavam diferentes tons de ciano. Eu agi como a adolescente boba que eu, de fato, era. Tive que lutar com todas as minhas forças para resistir ao impulso que me impelia a correr, me atirar em seus braços e cobrir-lhe a face de beijos.

- Oh, Maia… O sorriso amarelo com que ele respondeu fez-me morrer um pouco. Aquela reação murcha não era aquilo que eu esperava do homem que cruzou o planeta, enfrentando os maiores perigos, apenas para me encontrar. Para onde teria ido toda aquela motivação? Toda aquela paixão? Todo aquele amor jurado durante todo aquele tempo que estive com ele? Então era tudo mentira? Tudo um jogo para enganar a bela e misteriosa donzela que surgiu de repente em sua vida? Era mais do que óbvio que ele escolhera a outra mulher. Nem era preciso exigir muito da famosa intuição feminina pra perceber o que estava óbvio para qualquer um que quisesse ver.

E agora, o que faria a Marlena desprezada? Casar com Lyle? Tornar-se uma sacerdotisa virgem do templo de Laya? Ser mandada para um calabouço pelo resto de sua vida? Ser sequestrada por um homem estranho? Achar o amor verdadeiro nos braços de uma mulher? Ser salva por um plebeu gentil? Ainda que algumas dessas alternativas fossem agradáveis, o que eu queria de verdade era casar-me com aquele homem, que eu tanto amara. Era impossível entender sua decisão. Ele não tinha demonstrando tanto amor por mim até o dia do nosso casamento interrompido? O que poderia ter mudado tão subitamente? Eu não podia deixar por isso mesmo. Ele me devia, ao menos, uma boa explicação.

- Você a escolheu, não foi?

Meu tom de voz saiu mais agressivo do que eu esperava, mas eu prefiro o papel de mulher brava ao papel de garotinha frágil. Afinal, eu tinha motivos para ficar nervosa.

- Como…? - Rhys hesitou. Sua face denotava surpresa. - Então você já soube da minha decisão?

- Ah, vai, Rhys, você costumava ser mais esperto. - Eu cruzei meus braços e fechei meus olhos, pois não conseguia olhar diretamente em seus olhos, caso contrário não conseguiria segurar as lágrimas. E eu não queria chorar. Não na frente dele. Então, eu prossegui, disparando acusações de forma a não permitir que ele me interrompesse: - Bobo, está escrito no seu rosto! Onde foi parar todo aquele fogo do amor que incendiava sua alma e transparecia em seu olhar de ternura quando você me fitava? Onde foi parar aquele sorriso doce e gentil? Onde foi parar toda aquela animação sua de quando você estava comigo? E que animação, hein, abusadinho?

Ele engoliu seco e corou.

- Quantas vezes eu tive que brigar com você, pois se eu permitisse, você me desonrava na primeira semana de namoro, lembra? Você achava que eu era que nem aquelas periguetes “Ai, príncipe Rhys, como você é lindo! Ai, príncipe Rhys, como você é inteligente!”? Faça-me o favor!

- Mas… mas… você sabe que eu nunca

Ele respondeu nervosamente. Eu percebi que a conversa estava saindo do controle, então já emendei antes que aquilo terminasse em violência física. Eu estava nervosa além da conta, mas tinha de manter minha dignidade, e, principalmente, meus valores de respeito e ponderação, e tentar compreendê-lo. Então, eu o interrompi:

- Agora você com esse jeitão de diplomata velho dizendo: “Com licença, princesa Marlena, eu tenho notícias para vossa alteza.” - Minha voz estava cheia de sarcasmo. Eu imitei perfeitamente um desses diplomatas que abrem a boca e fazem todos dormir. Seria até engraçado se a situação não fosse trágica. - Eu não sou nenhuma idiota, Rhys!

- Oh, Marlena… meu amor… - Ainda de olhos fechados, eu ouvi seus passos apressados em minha direção. - Eu sei que não será fácil, mas eu espero que você entenda…

Eu abri meus olhos e o encarei. - Entender o quê? O que há pra eu entender? - Em seguida, virei meu rosto e cruzei meus braços em indignação.

- Por favor, Maia…

Seu tom era o de um homem realmente preocupado. Isso me fez sentir um pouco de culpa, pois, apesar de minha frustração, eu não tinha intenção nenhuma de machucá-lo. Afinal, eu o amo. Ele era tudo na minha vida: meu amor, meu salvador, meu príncipe. Ah, Rhys, como você pôde fazer isso comigo? Menos nervosa, eu perguntei:

- Você me amava tanto naquele tempo. O que aconteceu? Por que você deixou de me amar? O que foi que eu fiz?

Após minhas perguntas, virei meu rosto em sua direção e fitei-o. Ele tinha seu rosto bem próximo do meu, e seu olhar denotava um profundo desconforto. Tocada pelos acontecimentos, tentei conter as lágrimas, mas meus olhos ardiam. Minha indignação deu lugar a um profundo sentimento de tristeza, e minha voz mudou para a de uma mulher implorando a volta do amado.

- Rhys, você sabe que eu não o abandonei. Você sabe que eu fui sequestrada, e em seguida aprisionada em meu próprio castelo. Ah, se você soubesse o quanto eu sofri, quantas lágrimas eu verti, quantas discussões eu tive com o meu pai sobre meu amor por ti…

- Maia… - Rhys baixou sua cabeça. Ele estava visivelmente transtornado, sem saber o que dizer.

- Quando eu o vi caminhando pela sala do trono, eu fiquei extasiada, meu amor. Eu juro para ti que eu estava rezando pela sua vitória, mesmo a luta sendo contra meu próprio pai. Ele é tão cabeça-dura Rhys…

Não sei se foi o sentimento de culpa, ou algum outro motivo, mas Rhys parecia chocado. Talvez minha revelação parecesse forçada, mas eu não tenho vergonha de admitir que torci contra meu próprio pai. Se isso é um pecado mortal e eu serei condenada ao fogo do inferno, azar meu. Mas aquele era o tamanho do meu amor por Rhys.

- Sabe, eu amo meu pai, mas ele não dava ouvidos para os meus apelos, ele não acreditava que você era um homem bom e respeitável, merecedor do meu amor. Nem mesmo com meu primo Lyle ao seu lado, ele insistia em tratá-lo como um malfeitor. Por isso, eu torci por você.

Eu baixei meus olhos, envergonhada. Não é fácil confessar tamanha afeição por um homem que não te quer. Talvez eu estivesse fazendo um papel patético, uma menininha boba achando que implorar mudaria algo. Mas foi a única coisa que eu consegui fazer naquele momento.

Rhys ficou em silêncio. Ele parecia pensativo. Vendo sua reação, eu continuei: - Como eu sofria cada vez que você era atingido, Rhys! Como eu sorria cada vez que você o atingia. Sim, você estava golpeando meu próprio pai, mas eu ficava feliz porque eu queria mais que tudo nessa vida que você vencesse aquela batalha. Eu só tinha olhos para você, amor… - eu suspirei, e prossegui – Eu só tenho olhos para você…

Eu não queria chorar. Eu não queria chorar. Mas eu chorei. Eu chorei e me tornei novamente uma adolescente patética. Mas eu não estou brava comigo mesma por não ter resistido. Eu tinha todo o direito de chorar, porque eu amava aquele homem mais do que tudo. Mais do que a mim mesma.

- Oh, Rhys, eu me dei completamente para você, de corpo e alma. Eu não tinha nada na minha vida: lugar, passado, ninguém que me conhecesse. Eu confiei em você. Eu te amei. Eu coloquei meu destino em suas mãos. O que aconteceu, amor? Por que você não me ama mais?

Minha voz estava repleta de emoções, revelando todo o meu desespero por deixar de ser amada. Tudo o que eu tinha vivido até então fora uma mentira. Era como se tudo tivesse sido apenas um sonho, uma ilusão. Doía demais. Ainda dói demais.

- Maia… - Meu amado suspirou, e fitou-me intensamente. Seu olhar sério me fez sentir pequena, então eu me calei e ouvi atentamente o que ele tinha para me dizer. – Eu realmente te amava. Você era uma estranha, sequer tinha um nome, e eu era o príncipe daquele reino. Mesmo assim, eu te acolhi, cuidei de ti, e me apaixonei. Eu realmente queria ter me casado com você, Maia. Apesar da oposição dos meus pais. Apesar de eu não saber quem você realmente era. Você poderia ser uma espiã infiltrada tentando me assassinar. Você poderia ser uma assassina, uma fugitiva, uma prostituta de rua, uma mulher casada, qualquer coisa. Mas, para mim, não importava. Eu a queria pelo que você era. Eu a queria porque você era uma moça tão amável, gentil, bondosa, inteligente, bem-humorada, linda… a mulher mais linda que eu já vi na minha vida.

Eu estava ainda tentando impedir que minhas lágrimas escorressem pelo meu rosto, mas eu estava perdendo a batalha contra o meu sentimento. Era duro ouvir aquilo. Seria bem mais fácil se ele tivesse dito que nunca me amou. Não existe nada pior que ouvir o homem que você ama confirmar seu amor por ti, mas mesmo assim dizer que não pode ficar com você. Não era possível que fosse verdade. Ele tinha de estar escondendo algo. Por isso, eu retruquei:

- Então era isso… você me queria apenas porque eu era a mulher mais linda que você havia visto. Mas agora a mágica acabou, né? Por quê? Por que eu sou uma Layana? É isso? - e chacoalhando a cabeça, completei – Eu nunca esperei isso de você, Rhys.

- Não é isso, Maia. Não tem nada a ver com o fato de você ser Layana. Eu realmente te amava. Eu ainda te amo, minha queria. Mas é que eu conheci a Lena…

Aquilo foi um tapa na cara. Como se ele tivesse cravado um punhal no meu coração. Então ela era melhor do que eu. Então era isso. Eu era uma garota amável, e só. Talvez ela fosse mais madura que eu. Talvez ela tivesse mais a oferecer como esposa. Eu tenho certeza que sou mais bela do que ela, e não estou falando isso por convencimento. Ainda que ela seja uma garota bonita, eu falo honestamente, sou muito mais bela que aquela tal de Lena. Mas talvez fosse só isso. Eu sou como uma boneca de porcelana. A mulher mais linda de todo o mundo, mas que presta apenas para ficar calada, exposta em uma vitrine. Talvez eu não tenha sido uma boa noiva para ele. Talvez eu tenha sido um pouco distante, um pouco conservadora demais para os gostos dele. Eu certamente o amava, mas talvez eu não conseguisse demonstrar meu amor da forma que ele gostaria. Talvez Lena fosse melhor que eu para mostrar-lhe seus sentimentos, o amor que ela sente por ele. Talvez ela fosse mais atirada, mais ousada para satisfazê-lo. Vai saber o que ela andou fazendo enquanto esteve com ele… Bem, eu não tenho certeza de nada, absolutamente. A única coisa que sei é que meu príncipe amado a considera mais merecedora que eu. A pobre e desgraçada princesa do reino distante não era boa o suficiente para ele. Apenas uma pessoa com amnésia, vazia. Mas você acha que é fácil? Não saber nada do que aconteceu durante os primeiros dezesseis anos da minha vida? Ser uma estranha para todos? Ser uma estranha para mim mesma? Então, minha vida estava desmoronando em frente aos meus olhos estupefatos. Eu estava no meio do caminho para as profundezas do inferno. Tudo o que eu sabia, tudo o que eu amava, estava sendo roubado de mim mais uma vez.

Finalmente, ele quebrou o silêncio. - Oh, Maia, meu amor… - seus olhos estavam úmidos. - Você acha que foi fácil? Você e Lena? O que eu poderia fazer? Eu tinha que escolher. Não dava pra agradar as duas. E não foi uma escolha fácil. Eu admito que nem eu sei se fiz a melhor escolha; há uma grande possibilidade de eu me arrepender no futuro. Mas, por favor, minha querida, entenda-me. Eu tinha de escolher. Eu sabia que eu estava condenado a fazer uma das mulheres mais doces desse mundo triste. Mas eu não tinha outra saída, amor.

Apesar das lágrimas que insistiam em cair, eu ainda tentava manter uma pose digna. Afinal, eu era apenas uma vítima dos acontecimentos.

- Então você a escolheu para ser feliz e eu para ser triste. Você nem imagina o quando isso dói. Eu te amo de verdade, Rhys! Você é tudo na minha vida. - ele tentou balbuciar algo, mas eu levantei minha mão, indicando que ele parasse. - Eu não tenho passado, não tenho amigos. Ninguém pode me amar verdadeiramente, a não ser você. Os demais podem ser atraídos pela minha posição, minha fortuna, minha beleza, mas me amar de verdade? Duvido. Eu me dei completamente para ti e não foi o suficiente. Eu sou um fracasso mesmo.

- Não, Maia…

Eu notei certo desespero pra rebater minhas afirmações. Talvez eu tivesse sendo injusta com ele, ou talvez ele só quisesse pagar uma de bonzinho com a mulher que ele cruelmente rejeitou. Nunca saberei de verdade o que se passava no coração daquele homem, mas, cegada pelo amor que ainda sinto por ele, ainda tento acreditar que ele tenha feito tudo isso por bem.

Antes que ele pudesse continuar, eu o interrompi, com uma postura acusatória. - Além disso, não é a mesma coisa. Nosso casamento foi interrompido. Tecnicamente, você já tinha até jurado seu amor eterno. Isso que você está fazendo agora é completamente diferente do que se você simplesmente dissesse àquela Lena que você já era casado e não poderia sequer começar um relacionamento com ela.

Sei lá porque eu me apeguei a essa teoria, não ia adiantar nada. Se fosse verdade o que eu tinha dito, que poderia eu ganhar ao forçá-lo ficar comigo, quando sua vontade era outra? Nem eu sei, mas eu estava tão machucada, que eu nem tinha tempo de raciocinar direito. Balançando a cabeça, ele respondeu:

- Mas, no fim nós não nos casamos. Claro que eu te procurei loucamente, Maia, mas eu também não pude me manter alheio às demonstrações de afeto da Lena. Ela é tão adorável…

Seus olhos brilharam enquanto ele falava daquela mulher. Aquilo me deixou possessa. Eu estava tentando falar algo seriíssimo, extremamente importante para mim, mas ele não me dava a devida atenção, sonhando com sua nova paixão. Por isso, colocando minhas mãos na cintura, eu o acusei, com um tom irônico:

- Ha, então se você estivesse casado comigo, você me trairia com qualquer uma dessas vagabundinhas adoráveis que você não consegue ignorar?

- Não, Maia, a honra vem antes.

- Honra? Ah, vai procurar o caminhão de onde você caiu! - O jeito de ele me responder parecia um deboche, e me deixou fula da vida. - Pra que você veio aqui então, se você já tinha decidido que essa tal de Lena era melhor que eu?

- Eu precisava vê-la, Maia. Eu não poderia decidir sem vê-la novamente.

- Pois bem, e o que mudou, então?

- Não sei dizer, sinceramente. - Ele virou o rosto para não me encarar. - Só sei que eu consegui decidir.

Num misto de raiva, tristeza e frustração, eu cai num choro convulsivo. Lágrimas de ódio, pois eu me considerava traída. Lágrimas de frustração, pois eu acreditava que o amor do Rhys por mim fosse mais forte que aquilo. Lágrimas de vergonha, porque mesmo assim eu continuava o amando da mesma foram que eu o amara antes, e eu faria tudo que ele me pedisse. Tudo mesmo. Lágrimas de tristeza, afinal eu estava sendo desprezada, abandonada. Lágrimas por um amor que eu nunca mais poderia viver.

Fiquei em silêncio, chorando amargamente, durante um longo tempo. Os únicos sons que eu pude ouvir foram meus gemidos, a respiração do meu amado, e o tique-taque do relógio. Era como se minha vida tivesse acabado. Não havia mais esperança. Não restou nada para mim. Eu estaria melhor morta do que tendo que enfrentar aquela realidade tão dolorosa. Aquilo era muito pior do que qualquer dor física que eu pudesse vir a sentir. Ter o corpo destruído pode ser extremamente doloroso, mas nunca será como ter a alma destruída. As feridas do corpo ou se curam sozinhas ou causam a morte. Já as feridas da alma não se curam e nem matam. Elas estarão para sempre, impressas por toda a eternidade do meu espírito, doendo todos os dias da minha vida. Elas se tornariam parte de mim.

Pra piorar tudo, ele tocou meu rosto gentilmente, e acariciou-me. – Maia…

Eu segurei sua mão e fiquei parada, chorando. O toque dele era algo mágico. Era como se ele me enfeitiçasse com seu contato. Eu comecei a acariciar as costas de sua mão. Talvez ele estivesse apenas brincando comigo todo esse tempo. Talvez ainda houvesse uma esperança de que ele mudaria de idéia, e decidiria ficar comigo. Eu já não tinha mais nada a perder mesmo, já tinha perdido o amor da minha vida, todas as minhas esperanças, a razão da minha felicidade, tudo o que eu tinha. Estava disposta a fazer qualquer coisa para não perdê-lo. Talvez fosse muito tarde para querer tentar mudar algo, mas pelo menos serviria de consolo no futuro, pois eu teria tentado. Com uma voz carregada com todo meu amor, supliquei:

- Rhys… Oh, Rhys… eu te amo!

- Maia…

Ele fechou seus olhos, e ficou claro que ele foi tocado pelo meu apelo. Então, eu insisti.

- Eu te amo, Rhys! Por favor, diga que você também me ama…

- Maia… – Ele acariciava minha face encharcada pelas minhas lágrimas com ternura. Por um momento, eu vi em minha frente aquele homem que um dia me amara perdidamente de volta. Desesperada, eu perdi o controle e comecei a gritar, implorando:

- Por favor, Rhys, diga-me que isso não é verdade. Diga que me ama e que você se casará comigo. Por favor, diga-me que não é verdade que você vai me deixar. Diga-me que ainda me ama da mesma forma que você me amava antes. Prometa-me que ficaremos juntos para sempre! Por favor, Rhys… Meu amor…

Vagarosamente, Rhys balançou a cabeça negativamente. E me fez chorar convulsivamente. Não havia mais esperança. Eu fui abandonada, e tinha de aceitar a verdade. Rhys nunca seria meu. Eu o perdi, seu coração é totalmente daquela Lena. Nada que eu pudesse fazer mudaria o que ele sentia por ela e por mim. Ele seria o esposo dela e ela seria a esposa dele. Seria Rhys e Lena, e não mais Rhys e Marlena. Pelo menos seria bem barato, bastava riscar as três primeiras letras do nome da noiva nos convites de casamento.

Droga, a mente do ser humano é estúpida mesmo, não? Como pude eu vir com uma piada ridícula dessas em um dos momentos mais tristes da minha vida? Vai ver que era por isso que o Rhys não queria casar comigo. Talvez eu seja meio louca. Talvez eu tenha um senso de humor sádico que o assusta. Talvez eu não seja a princesa encantada perfeita dos contos de fada que as pessoas dizem que eu sou. Talvez eu seja apenas uma garota pouco interessante, com um rostinho bonito e um corpão atraente, que só atrai homens pensando nesse último. Talvez eu seja apenas uma tola, a maior que já viveu nesse mundo. Alguém que pretendia ser alguma coisa, mas que não é. E aquele silêncio só piorava as coisas, pois minha mente não ficava quieta. Eu sempre estou pensando em algo, geralmente algo estúpido. E provavelmente era o que estava acontecendo naquele momento terrível.

Ding! Ding! Ding! Ding! Ding! Droga, o maldito relógio novamente. As badaladas quebraram o feitiço do amor que envolvia Rhys e eu. Era tão prazeroso sentir a mão de meu amado acariciando meu rosto! Eu queria ter morrido naquele momento, pois ao menos eu teria morrido feliz, iludida que ele ainda me amava. Mas não era pra ser daquele jeito.

Assustado pelo soar dos sinos do velho relógio, Rhys afastou sua mão. Aquela foi a última vez que eu senti o toque do homem que eu amava. Ele estava visivelmente constrangido pelo ocorrido. Talvez ele ainda estivesse incerto de sua escolha. Talvez se o desgraçado do relógio não tivesse o chamado para a realidade, ele fosse reconsiderar sua decisão de me abandonar. Eu talvez eu seja uma grandessíssima idiota que gosta de se auto-iludir com uma possibilidade irreal dessa. De qualquer forma, eu o estava perdendo, e sabia disso. Era hora de proferir as palavras finais, pois eu sabia que nunca mais o veria. E, pra ser sincera, eu não tinha nada de realmente importante para dizer pra ele, mas como todos nós temos nossos egos, e eu não sou uma exceção, eu não o deixaria ir sem dizer algo maduro. Algo que demonstrasse uma falsa sabedoria, apenas pra provar pra ele que eu não era uma mera garotinha chorando pela perda de seu primeiro amor, mas sim uma mulher íntegra e completa, uma pessoa inteligente e altruísta. Na verdade, eu era apenas uma garotinha tola mesmo, e deixá-lo ir em silencio teria sido melhor.

- Bem… – Rhys suspirou profundamente. Era evidente que ele queria desaparecer dali imediatamente.

Enxugando as lágrimas do meu rosto, eu comecei a recuperar o controle das minhas emoções. - Você não vai ficar mesmo.

Interpretando minha afirmação como uma pergunta, ele respondeu: - Não, Maia… desculpe…

Seus olhos estavam encharcados de lágrimas, mas ele tentava virar o rosto para escondê-las de mim. Certamente ele sentia algo por mim, mas o que, realmente, nunca saberei.

- É tão duro deixá-lo ir, Rhys. Sinto meu coração sendo dilacerado em meu peito.

- Não é fácil pra mim também, Maia.

Eu deveria ficar calada, mas cada vez que ele falava aquilo, soava como uma provocação. O que ele queria? Ficar com as duas? Talvez para um príncipe Orakiano fosse normal ter uma esposa e uma concubina, mas pra mim era inadmissível. Primeiro porque eu era a princesa herdeira de Cille, e seria um absurdo eu me tornar amante de quem quer que seja. Depois, porque mesmo que eu fosse a pior das prostitutas, eu nunca aceitaria o papel de amante. Aliás, eu nunca aceitaria ser uma prostituta também. Não foi isso que Laya ensinou para nós. Ainda que existam alguns retrógrados como o meu pai que desejava meu casamento com o Rhys não porque eu o amo, mas como direito dele de conquistador, o bem maior deixado por nossa querida Laya foi o exemplo da força que nós mulheres devemos ter. Por isso, eu queria ser forte.

- Mas, você que escolheu ser assim, meu querido. Você está me deixando porque tem algo melhor. Não se faça de coitadinho, Rhys, não você não está passando pelo mesmo que eu. Eu só tinha seu amor, e agora fiquei sem nada. Não faça papel de idiota, por favor.

- Desculpe, Maia… princesa Marlena… – Todo hesitante, Rhys engoliu seco, e emendou: - Acho que, daqui em diante, eu deveria usar seu título ao me dirigir a você.

Ah, que raiva que me deu ouvir aquilo. Ou ele era muito mais idiota do que a tola apaixonada aqui acreditava, ou ele estava mentindo, escondendo algo de mim. Algo que ele não tinha coragem de contar. De qualquer forma, não importava. Mesmo que ele confessasse que me amava e estava sendo obrigado a casar com a tal de Lena, não mudaria nada. Aquilo não o faria me amar do jeito que eu merecia. Não faria com que ele se casasse comigo, e que fossemos felizes para sempre, juntos. Então era melhor deixá-lo ir. Pra que continuar sofrendo, remoendo a dor e a culpa, se dali a umas horas ele estaria voltando pra casa todo pimpão com uma bela mulher em seus braços enquanto a idiotinha aqui ia estar se descabelando por ter perdido o amor de sua vida? Sabedoria é reconhecer a hora certa de parar, de desistir do que irá certamente acabar em fracasso, e aquele era o momento.

Rhys quebrou o silêncio constrangedor entre nós:

- Confesso não saber se o que eu estou ganhando é melhor do que o que estou perdendo com minha decisão, mas ela já está feita. Espero que você me perdoe, Maia. Eu tenho certeza que um dia você encontrará um homem melhor que eu, que te ame e te honre como você merece. Você é uma mulher única e preciosa, Maia, e merece toda a felicidade do mundo.

- Obrigada, mas eu não quero seus votos de felicidade genéricos. Eles não farão eu me sentir melhor.

Fiquei possessa. Eu não merecia uma humilhação daquelas, aqueles votos desrespeitosos de “seja feliz”. Se eu fosse realmente boa para ele, ele não teria hesitado em ficar comigo. Jogar um “você vai ficar bem” no meio de um pedido de desculpas é fácil. “Desculpe, eu roubei todo o seu dinheiro, mas você vai ficar bem”. “Desculpe, eu incendiei sua casa, mas você vai ficar bem”. “Desculpe, eu matei sua mãe, mas você vai ficar bem”. “Desculpe, eu amputei suas pernas, mas você vai ficar bem”. Que raiva! Que tipo de idiota ele achava que eu era? Ás vezes eu me pergunto se um dia ele realmente me amou, e se ele realmente merecia todo meu amor. Eu queria tanto socá-lo naquele instante…

Mas eu sei que eu estava exagerando, ele não era malvado. Talvez ele nunca tenha me amado tanto quanto eu acreditei que ele me amava, mas de alguma forma. Eu o conheço muito bem, e sei que ele sempre foi terrível quando tentava mentir. Ele não convenceria ninguém, mesmo que sua vida dependesse de uma mentira. Era evidente que ele estava escondendo alguma coisa, omitindo algo que o levou a tomar aquela decisão. Porém, eu estava deveras fragilizada para insistir naquilo. Então eu o deixei ir.

- Desculpe, Maia, eu queria poder fazer algo para diminuir sua dor…

Apesar de soar sincero, eu estava tão abalada que não deixava passar nada. – Você sabe muito bem o que você deve fazer pra diminuir o meu sofrimento. Mas eu não vejo isso acontecendo, então é inútil prendê-lo aqui por mais tempo. Você tem uma mulher lá fora te esperando, e um reino pra cuidar também. Já eu não tenho nada pra fazer, a não ser sofrer aqui sozinha, então eu vou parar de tomar seu tempo precioso com meu lamento infantil.

- Bem… – Rhys deu de ombros. Acho que ele concordava que eu estava sendo infantil. Ou então viu que não havia mais nada pra fazer lá mesmo. – Desculpe-me mais uma vez, Maia. Perdoe-me por lhe deixar assim. Eu vim aqui com a melhor das intenções e não queria te magoar. Infelizmente, teve que ser exatamente do jeito que foi.

Cansada de argumentar, decidi desta vez encerrar aquela discussão que não iria nos levar a lugar nenhum, além de me fazer sofrer mais e mais. Então, decidi ser madura, e deixar-lhe a impressão de que eu não era uma idiota completa.

- Está bem, Rhys, está bem. Antes de me deixar, então, eu quero que você prometa duas coisas, caso você me ame e respeite.

Ele parecia surpreso com meu pedido. – Duas coisas? – após pensar um pouco, ele respondeu. – Tudo bem, Marlena. Você sabe que eu tenho um respeito profundo por você.

- Ótimo. – Era a hora de fingir que eu era uma mulher madura, então eu até modifiquei a minha postura, de vítima indefesa para uma mulher determinada, no controle da situação. Quando queremos ensinar algo para alguém, nossa postura conta mais do que a natureza do ensinamento, e eu realmente desejava que ele atendesse os meus pedidos. – Primeiro, eu quero que você me prometa que sempre vai respeitar os Layanos, como se eles fossem Orakianos. Nós precisamos acabar de vez com essa rixa estúpida entre nossos povos. Pelo tempo em que vivi entre vocês, eu aprendi a respeitar e amar os Orakianos. E pelo que você aprendeu comigo e com meu primo Lyle, você sabe que nós somos como vocês. Portanto, quando voltares para Landen, por favor, prometa-me que irá combater todo o preconceito que resta entre seu povo contra nós. Eu não pude fazer muito até agora porque meu pai é um tremendo cabeça dura, mas você sabe que pode confiar em mim e em Lyle para que os Orakianos sejam respeitados em nossas terras.

- Bem… – Rhys coçou seu queixo, denotando desconforto. Depois, levantou a cabeça e, olhando nos meus olhos, respondeu. – Você está completamente certa, Maia. Farei o possível e o impossível para garantir que os Layanos serão respeitados em nossas terras.

- Obrigada, Rhys. Eu sabia que podia confiar em você.

Meu tom sincero o fez suspirar de alívio. De certa forma, acho que eu já tinha me acostumado com a idéia da derrota, então meu comportamento mais maduro não era só pose, mas sim uma atitude sincera.

Denotando nervosismo, Rhys me perguntou:

- E a segunda coisa?

- Bem, Rhys… – Meu segundo pedido era mais delicado, então eu engoli seco. Era muito dolorido ter que dizer aquilo, mas era necessário. Por mais que eu tenha pensado nesses últimos desejos como uma forma de mostrar-me madura, para apagar um pouco a impressão de menina imatura que eu havia deixado, o que eu pedi veio direto do meu coração: - Rhys, prometa-me que você sempre irá amar essa Lena da forma que você me amava, mesmo que ela não te ame tanto quanto eu te amo.

Eu tenho certeza que meus olhos brilhavam em desespero, e a forma como Rhys enrugou a testa, entristecido, corrobora minha teoria. – Oh, Maia…

Minha voz se tornou novamente de súplica: - Por favor, me prometa isso! Se você realmente a ama mais do que eu, faça-lhe justiça. Ou, ao menos, faça-me justiça. Ainda que seja duro e doloroso, e ainda que demore muito tempo até que as feridas em meu coração sejam fechadas, ou talvez elas nunca fechem… mas não importa. Ainda que seja terrível saber que você está desfazendo nosso noivado, pra ficar com outra mulher, eu posso aceitar sua decisão se você realmente a ama mais do que eu. Mas eu nunca vou te perdoar se você está fazendo tudo isso por uma mulher que você ama menos que eu.

Nem sei como consegui proferir aquelas palavras sem desabar em lágrimas novamente. Felizmente, minhas palavras não foram em vão. Ele ficou pensativo e levou suas mãos a cabeça. Minhas palavras tocaram o âmago de seu ser, e ele também estava sofrendo. Por um momento, eu achei que ele ia cair no choro. Por um momento, eu acreditei que ele finalmente voltaria atrás e confessaria seu amor por mim. Por um momento, eu enxerguei uma luz fraca no fim do túnel. Seus olhos não conseguiam esconder que ele estava completamente transtornado. Não sei exatamente o que ele estava pensando no momento, mas é inegável que ele estava passando por um processo bastante doloroso, enfrentando um enorme dilema.

Porém, eu fui novamente a grande adolescentinha imbecil, tentando reconstruir minhas esperanças através de sua hesitação. Eu sabia que logo viria uma resposta, demolindo todo aquele castelo de falsas esperanças que eu infantilmente criei em minha mente. E não demorou para que eu ouvisse as palavras que eu nunca queria ter ouvido:

- Eu prometo que a amarei mais do que eu a amo, Maia.

Pronto, estava tudo acabado. Eu fechei meus olhos e deixei minha cabeça pender para frente, totalmente amargurada. Se pudesse, teria abandonado minha vida naquele instante, caído no chão prostrada e morrido. Mas era impossível, seria só mais um pouco do meu drama infantil.

Era o fim. Eu o havia perdido pra sempre. Rhys casaria com Lena e eu nunca o veria novamente. Todo o amor em meu coração, toda a minha dedicação, tudo o que eu tinha dado a ele… jogado fora, como se não valesse nada. Eu de o meu melhor, e não recebi nada em troca, a não ser humilhação e sofrimento. No entanto, poderia ter sido diferente?

Sim, poderia. Teria sido diferente. Tivesse aquele maldito dragão nunca aparecido, e arruinado o dia mais feliz de minha vida, eu estaria hoje casada com meu Rhys. E seria a mulher mais feliz do mundo. Tenho certeza que eu seria. E tenho certeza que o faria o homem mais feliz do mundo também. Nenhuma Lena o roubaria de mim. Ou talvez roubasse, caso ele decidisse me trair com ela. Será possível que ele me abandonaria por ela mesmo que estivéssemos casados? Quem garante que seu amor não seria tão frágil se estivéssemos juntos quanto ele demonstrou ser durante nossa breve separação. Afinal, foram apenas poucas semanas, e mesmo assim, todo aquele amor eterno que ele jurava virou fumaça. Talvez aquelas juras fossem só um meio de me convencer a me entregar pra ele, mas como eu resisti até o fim, ele ficou com vergonha de desmentir. Talvez ele fosse só um fraco e covarde. Pelo que eu entendo, Lena é uma princesa Orakiana. Teria eu, uma réles plebéia, desconhecida e desmemoriada, alguma chance contra uma princesa?

Mas eu não consegui resistir. Eu tinha de perguntar para ele o que teria acontecido caso aquele maldito dragão nunca tivesse aparecido. Ou mesmo se ele tivesse chegado após o casamento ser realizado. Clique… era a minha última chance.

- Rhys?

- Sim? - Ele se voltou surpreso.

- Só mais uma pergunta antes que você se vá.

Incrivelmente, meu tom de voz não demonstrava nenhuma alteração, mas a ansiedade me corroia por dentro, Fosse qual fosse a resposta, eu precisava daquela certeza, para encerrar aquele ciclo. Assim como quem tem um parente desaparecido e deseja uma conclusão para o caso, mesmo que seja a confirmação da morte da pessoa amada, eu também precisava de uma resposta.

- Claro.

- Tivesse aquele maldito dragão chegado atrasado para impedir nosso casamento, teria realmente feito alguma diferença?

Rhys saiu do salão e, antes de fechar a porta novamente, disse suas últimas palavras. Eu nunca me esquecerei deste momento. Nunca.

- Teria feito toda a diferença. Adeus, Maia.

Clique. Ele se foi. Naturalmente, eu caí num choro convulsivo novamente. Meus sentimentos eram confusos, e eu sofria intensamente. Perdi o homem que eu amava. Fui abandonada cruelmente, como se todo o meu amor e dedicação não tivessem nenhum valor. Era extremamente frustrante, como se toda a minha vida tivesse sido desperdiçada. Eu tenho a certeza que eu havia lhe dado o meu melhor. Eu fui sempre fiel, meu amor sempre foi sincero. Um dia, eu estava vestida com meu longo vestido de noiva branco, véu e grinalda, carregando um buquê de flores, com um sorriso radiante em meu rosto, caminhando através do salão principal do palácio, de mãos dadas com o homem que eu amava. Pronta para jurar amá-lo por toda a eternidade. Pronta para desfrutar os prazeres da vida conjugal. Pronta para me entregar completamente a ele. Pronta para viver meu próprio conto de fadas. Hoje, esse mesmo homem veio aqui pra anunciar que não me deseja mais. Que encontrou outro amor, melhor que o meu, e que irá se casar com ele. E tudo isso em poucas semanas.

Como pode minha vida ter ido da complete felicidade para a completa tristeza em tão pouco tempo? Como pôde aquele amor sincero que o Rhys dizia sentir por mim desaparecer? Ah, eu chorei demais. Demais mesmo. Após ele me deixar, eu só lembro que a minha próxima recordação foi o velho relógio batendo oito horas. Meus olhos doíam de tantas lágrimas que eu verti naquele dia. Minha mente estava completamente confusa. Meu coração, estraçalhado. Eu tinha consciência que só me restara rearranjar minha mente, recobrar minhas forças e seguir vivendo, da melhor forma possível. Só que eu ainda era apenas uma adolescente frágil, logo eu acredito que eu tinha todo o direito de chorar desesperadamente e sofrer como se aquela separação significasse minha própria morte. Afinal, dizem que é melhor dar vazão aos sentimentos que suprimi-los, então eu me permiti sofrer tudo o que tinha de sofrer.

Já se passou bastante tempo desde aquele dia. Eu confesso que eu ainda fico triste pelo que aconteceu, pela forma como tudo aconteceu, e as lembranças ainda machucam. Eu ainda o amo. Às vezes eu acho que se ele me pedisse para ir ao encontro dele, eu abandonaria tudo e iria imediatamente. No entanto, não vejo isso acontecendo de verdade. Eu ainda estou tentando virar a página.

Eu sei que a vida é longe de ser perfeita. Quando alguém está rindo, há outra pessoa chorando ao mesmo tempo. Quando alguém vence uma competição, sempre há pelo menos algum perdedor. Daquela vez, eu fui a perdedora. Doeu, me fez chorar, me deixou completamente desesperada, e eu quase enlouqueci com essa derrota. Ainda assim, eu sobrevivi. E a batalha foi particularmente mais dura, pois eu era apenas uma adolescente, perdendo o meu primeiro amor logo após estar ao seu lado no altar. Foi mais duro ainda porque eu havia perdido a minha memória, e a impressão era que minha vida tinha sido sempre abençoada com seu amor.

De qualquer forma, agora tudo aquilo passou. E pensando bem, talvez tenha sido melhor dessa forma. Se ele me amasse como eu o amo, ele nunca haveria me deixado por mulher nenhuma neste mundo. Talvez algum dia eu encontre alguém que me ame da mesma forma que eu o amei. Ou talvez eu nunca encontre. E, o que quer que aconteça, eu tenho que seguir em frente, tentando dar o meu melhor, tentando me tornar, a cada dia, uma mulher melhor do eu era no dia anterior.

Ding. Ding. Ding. Bem, ao menos, agora eu já consigo ouvir as badaladas do relógio sem cair em lágrimas. Já é um grande começo para que eu possa viver plenamente minha vida sem o Rhys. E é muito melhor seguir em frente do que permanecer olhando para o passado, para um amor que eu nunca terei novamente. Sim, certamente é muito melhor assim.

fanworks/fanfictions/a_maior_dor.txt · Última modificação: 2012/04/23 06:43 por orakio