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Recepção Fria — Parte I

Autora: Neilast
Tradutor: Bruno Cubiaco

De uma só vez, todas as luzes da estação começaram a piscar. Tirotul Urbanich parou de escrever em seu diário e levantou a cabeça. O que quer que estivesse acontecendo, era grande. Tirotul se levantou e caminhou até um pequeno terminal, construído na parede norte da estrutura, a qual era compacta e parecida com uma tenda, apesar de ter sido construída com metal.

O monitor que Tirotul observava mostrava uma leitura sismológica. Mais um pequeno tremor estava para acontecer. Seria o quinto nesta manhã. Não havia tempo para se preparar. Tirotul havia acabado de entender o que o gráfico na tela significava quando o terremoto ocorreu. Por um momento ele sentiu pânico, mas então o tremor passou sem muito mais do que perturbar o simples serviço de chá servido na mesa no centro da estação. Aparentemente os sensores superestimaram o poder do terremoto. A sacudida, contudo, derrubou o humilde kem'pallah da cabeça de Tirotul. Ele pegou seu chapéu do chão reverentemente e o limpou, mas não o colocou de volta. Ao invés disso, ele o deixou num banquinho próximo. Não que Tirotul não honrasse a tradição dezoriana; era que simplesmente assuntos dos dias modernos tomavam precedência, e o kem'pallah, francamente, já estava um pouco ultrapassado.

Tirotul suspirou. O último tremor foi apenas um ladro sem mordida, mas da próxima vez ele poderia não ter tanta sorte. Contudo, ele teria que rir e aceitar isso; seus estudos sobre as mudanças induzidas pelos terremotos na paisagem glacial e seus efeitos nas vidas das criaturas nativas poderiam se arrastar por meses, e Tirotul não partiria até que seus estudos estivessem terminados.

Tirotul caminhou até um armário na parede oeste da estação. Ele o abriu e pegou uma vestimenta para neve. Tirotul estava acostumado com o frio, sendo dezoriano, mas nem mesmo os guerreiros mais vigorosos da época medieval de Dezo ousariam enfrentar os perigos dos penhascos e precipícios das geleiras sem provisões apropriadas. Uma pistola sônica e duas facas especiais estavam presas ao cinto da vestimenta de Tirotul. Em suas costas, ele levava uma mochila que continha comida, um kit de primeiros socorros, e outros suprimentos, como também uma variedade de dispositivos que mediam e quantificavam tudo desde a profundidade do permafrost, uma camada do solo permanentemente congelada, à neve, até as silenciosas mas mortais emissões de gases invisíveis.

Ainda não equipado, Tirotul foi até Betty, um robô do tipo assovio, servindo como um dos três assistentes de IA. O pequeno dróide cessou os cálculos nos quais estava trabalhando e virou seu único sensor ótico na direção de seu superior.

“Betty, eu estou indo dar uma olhada no epicentro,” Tirotul disse. “O tremor dessa manhã foi um dos grandes. E estarei em constante contato pelo rádio o tempo todo. Se nossa conexão for cortada, Bartolomeu e Baltasar devem me procurar imediatamente. Entendido?”

Betty fez um clique. Seu sensor ótico se moveu para baixo e para cima, como se estivesse concordando com a cabeça. “Afirmativo,” ela disse em uma feminina mas tediosa voz.

Tirotul balançou a cabeça. “Obrigado.” Ele se virou e caminhou para fora da estação.

Betty fez fez um outro som de clique. “E boa sorte, Tiro.”

Na primeira luz da tarde, a superfície da geleira brilhava num tom branco azulado, a cor mais gélida de todas. Tirotul não sentia nenhum frio com sua grossa vestimenta de pele e sua vigorosa constituição dezoriana, mas, mesmo assim, ele não podia deixar de sentir um arrepio quando olhava por cima da geleira. Ela se esticava por além do horizonte, em todas as direções, coberta por um sólido céu cinza e nuvens. A estação estava exatamente no centro morto da geleira, situada sobre uma lisa e calma planície onde os tremores eram fracos e distantes. Mas só depois do horizonte ao norte as atividades aumentavam. Lá, os terremotos aconteciam diversas vezes ao dia. Normalmente eles eram suaves, mas haviam exceções. Montanhas de gelo brotavam da superfície naquela terra vazia. Algumas delas já estavam lá, silenciosas, por séculos; outras haviam sido forçadas repentinamente através do gelo e apareciam ao amanhecer. E entre as montanhas haviam fissuras horríveis, profundezas de algo que estava tão distante na escuridão azulada que não poderiam ser vistas mesmo com o sol em seu mais alto ponto.

Era uma área muito perigosa para se explorar. Havia pouca precipitação; toda a geleira era um deserto gelado. Contudo, não havia animais para se preocupar, e apesar de ser reconhecida a existência de veios de gases altamente letais nas partes mais profundas da crosta planetária dezoriana, vazamentos destes nunca haviam sido detectados na região. O que fazia com que a geleira ao norte da estação fosse tão temida e perigosa era a violenta atividade tectônica. Tremores de terra e erupções sempre foram difíceis de prever, e Tirotul podia cuidar disso. Mas na primeira vez que ele viu uma lâmina de gelo do tamanho de uma montanha ser lançada completamente sem aviso de debaixo da superfície, tomando metade de um vilarejo destruído e abandonado com ela, Tirotul soube que ele estava lidando com um tipo de força da natureza que ele jamais antes havia sequer imaginado.

O antigo caçador no sangue de Tirotul ansiava por explorar a geleira proibida a pé, mas a parte mais racional e científica (alguns tradicionalistas diriam “Palmanizada”, e, de fato, o avô paterno de Tirotul era palmiano) de Tirotul sabia que seria tolice. Ele dirigia um pequeno escavador de neve oval, customizado com brocas montadas em sua frente. Uma investida de gelo repentina, vinda de dentro da crosta, ainda o jogaria para cima como um saco de feijões, mas o escavador que Tirotul usava foi projetado com tal acontecimento em mente. O escavador sobreviveria ao vôo, ou talvez à queda, e até mesmo ao impacto que a seguiria. Os novos escavadores que estavam sendo construídos eram incrivelmente fortes. Diziam que até mesmo se fosse pisoteado por mastodontes, sua couraça exterior, que, é claro, era feita de pura lacônia, não poderia ser nem mesmo trincada.

Felizmente para Tirotul não houve nenhum evento naquele dia de viagem até o epicentro do terremoto. Não houvera mais nenhum impacto secundário nem distúrbios na crosta. Demorou menos de vinte minutos para chegar ao seu destino. Ele até mesmo se permitiu devanear durante a viagem.

Havia uma nova fenda no local. Isso não era surpresa. Tremores de terra freqüentemente deixavam fissuras de todas as formas e tamanhos nas regiões da geleira. O que fez Tirotul começar a escavar foi o que ele viu saindo da rachadura no gelo.

Ele parou o escavador ao lado do fenômeno e saiu, e foi quando sua pele verde empalideceu com o que viu. Brotando do gelo estavam a cabeça, o ombro e o braço direito de algum tipo de criatura. O corpo, um pouco inclinado para trás, ainda estava coberto por uma camada de gelo completamente transparente em alguns lugares, mas solidamente branca em outros, o que impediu que Tirotul tivesse uma visão acurada do que a espécime se pareceria quando tirada do gelo.

Tirotul podia ver que a face da criatura era de certa forma Dezorianóide. Havia duas cavidades oculares, e ente elas, algo que parecia ser um nariz. Abaixo do nariz havia uma boca sem lábios, totalmente aberta, como se estivesse gritando, repleta de dentes quebrados. O braço esquerdo da criatura estava estendido para frente, como se a besta estivesse tentando alcançar algo quando morrera. Os dedos em forma de garras estavam tortos, como se a dor, ou frustração, os tivessem esgotados. Tirotul não tinha certeza, mas a criatura parecia coberta com uma carapaça ou exoesqueleto preto ou azul escuro.

Tirotul reuniu seus pensamentos por um momento e então contatou a estação.

“Aqui é o Dr. Urbanich. Betty, na escuta?”

“Sim, Tiro. Estou aqui.”

“Betty, estou te mandando minhas coordenadas. Preciso que me mande Bartolomeu e Baltasar imediatamente.”

“Eles já estão a caminho. Está com problemas, Tiro?”

“Não, Betty. Não. Eu achei algo.”

“Algo?”

“É. É algum… algum tipo de animal, saindo do gelo. Está morto, é claro, talvez até fossilizado, ainda não posso dizer. Parece ser bípede, provavelmente carnívoro. Grande. Muito grande. Provavelmente media uns bons quatro metros. Hmmm… Algum tipo de animal predador pré-histórico. É o que eu acho. Deus, talvez deva ser até algum tipo de proto-dezoriano. Eu não sei. Eu não sei.”

“Isso é muito excitante,” Betty disse. Sua conexão constante com a rede de dados pública de Filha confirmou que nenhuma espécie combinava com a descrição dada por Tirotul. Nada desse tipo havia sido achado. “Eu loguei sua conta na rede de dados como uma descoberta de nova espécie, cuja identificação foi dada pelo nome de Espécie #12-648.”

“Excelente,” Tirotul disse. “Excelente.”

Tirotul continuou a falar sobre a emoção da descoberta até que seus dois assistentes robôs chegaram. Baltazar veio primeiro. Baseado num design comum de antes do Grande Colapso, Baltazar media mais de quatro metros de altura e tinha a coloração verde. Ele tinha um torso sólido e quadrado, como uma caixa, e pernas poderosas que lhe permitia se mover rapidamente até mesmo nos terrenos mais irregulares. Ele tinha mãos simples, e forma de pás, que poderiam se tornar brocas e armas explosivas e, caso fosse necessário, em pás novamente. Havia também duas pequenas armas sônicas escondidas atrás de uma placa deslizante em seu peito. Sendo de designação robótica “Grande Mineiro”, Baltazar era perfeito para a obtenção dos achados inestimáveis que Dr. Tirotul Urbanich e seus companheiros estavam sempre descobrindo.

Logo atrás de Baltazar vinha Bartolomeu, um robô magro, quase esquelético, de três metros de altura, baseado no modelo “Homem Ramo” da Mãe Cérebro. Tirotul nunca entendeu porque Mãe Cérebro daria a uma de suas criações um nome tão esquisito, que, porém, se encaixava certamente com sua descrição física. A “pele” de Bartolomeu tinha uma cor azul acinzentada metálica bem peculiar. Com o corpo parecido com o de um gafanhoto se sustentando na suas patas traseiras, Bartolomeu tinha membros terrivelmente fortes, que podiam esmagar rochas sólidas com um aperto. Diferente de outros robôs, Bartolomeu tinha uma cauda em que ele se equilibrava quando usava seus pés como um conjunto extra de mãos. O robô se movia como um raio e podia usar suas longas pernas para pular sobre a maioria dos obstáculos. Contudo, seus movimentos rápidos o faziam parecer impaciente, talvez até nervoso. Em sua boca, Bartolomeu tinha um canhão de plasma que era ideal para derreter neve, gelo e até as grossas camadas congeladas de permafrost que cobriam cada centímetro quadrado do planeta Dezo.

“Isso foi rápido mesmo,” Tirotul resmungou, voltando sua atenção novamente a horrível e intrigante carcaça se salientando no gelo perante ele. “Como sempre, sua prontidão me impressiona.”

“Isso não é nada, Dr. Urbanich,” disse Baltazar sem demonstrar emoção. “Nós não temos outro propósito a não ser ajudá-lo em seu trabalho”

“Do que você precisa de nós?” Baltazar perguntou. Bartolomeu permanecia silenciosamente de pé ao lado de Baltazar, que, como seu companheiro robótico, não apresentava nenhum sinal de excitação pela incrível visão a sua frente.

“Bel, eu quero que você comece a cavar… aqui,” Tirotul disse, apontando para o local onde o pescoço da criatura sumia debaixo do gelo. “E Bart, eu quero que você comece a cortar com o plasma… aqui.” Tirotul correu seu dedo indicador por uma linha onde o ombro da criatura e a frente de seu pescoço terminavam e o gelo começava. “Nós não sabemos o quão fundo essa coisa vai. Espero encontrar o corpo inteiro, mas o que vemos aqui pode ser tudo o que há. De qualquer maneira, tenham cuidado! Nós não podemos correr o risco de causar nenhum dano à espécime. É o primeiro achado deste tipo. Esse é um dia de muito orgulho para a ciência!” Tirotul, radiante, bateu nas costas de Bart. O robô inseto olhou para seu mestre por um momento, sua cabeça pendendo para um lado, as antenas em sua face se agitando espasmodicamente. Vendo que não podia conseguir nenhuma reação por causa da incapacidade de sentir das máquinas, Tirotul suspirou e disse, “Comecem.”

Baltazar escavava vagarosamente. Tirotul percebeu e disse a Betty para preparar um exame nos dois robôs. O corte de plasma de Bartolomeu, contudo, sempre foi bem rápido e efetivo. Em meia hora ele havia descoberto completamente a porção frontal da criatura e ajudado Baltazar a terminar sua parte no serviço também. A criatura ainda estava envolta por uma camada de gelo, no entanto; derretê-la com o cortador de plasma poria a espécime em risco muito grande. Mas o corpo não estava mais preso ao chão e poderia ser, finalmente, transportado para a estação para o degelo e futuros estudos.

Tirotul parou a alguns passos longe do gelo fumê que cercava a criatura e enrugou a testa. Não havia mais corpo por debaixo do gelo. O que havia sido revelado pelo terremoto era tudo o que restava.

“Tudo bem,” Tirotul disse, “Nós temos que levar essa coisa de volta a estação. Bal, você pega… a parte da frente, parece bem pesada. Bart, você pega esta parte. Ok, agora levantem!”

Os robôs conseguiram levantar a carcaça com sucesso, mas Tirotul ficou surpreso pela tamanha dificuldade que eles pareciam ter ao fazê-lo. Ambos os robôs foram projetados tendo força em mente; Tirotul esperava que eles levantassem o corpo tão facilmente quanto levantariam uma pluma.

No caminho de volta para a estação, Tirotul considerou o fato de que ele nomearia a espécie recém- descoberta. Era o sonho de qualquer biólogo batizar uma espécie que ele próprio trouxe ao mundo, mas Tirotul não tinha tanta certeza que queria seu nome associado a criatura apavorante que jazia morta no teto do seu escavador. Ele estremecia cada vez que imaginava a boca escancarada, a garra torcida e as órbitas negras e vazias da besta. Era um terror contemplá-la morta; Tirotul estava grato por nunca tê-la visto viva. Ou talvez, de certo modo, ele já tivesse. Poderia ter sido a criatura um membro da antiga, primitiva, e completamente brutal espécie proto-Dezoriana? Aquele pensamento fez a cabeça de Tirotul girar. Seria tal descoberta, e as revelações que a seguiriam, um triunfo ou uma tragédia?

A volta à tenda de metal foi tão monótona quanto a viagem de ida ao local de repouso da espécime. Tirotul agradeceu silenciosamente com um prece por isso. A descoberta deixou Tirotul tão atordoado, que depois ele nunca mais conseguira pensar claramente em uma emergência. “Deus provê,” ele pensou. E com esse pensamento, ele sorriu.

Quando eles chegaram, Tirotul imediatamente saiu do escavador para ajudar Baltazar e Bartolomeu a descarregar a espécime. Porém, enquanto Tirotul se dirigia para o local onde os robôs estavam trabalhando, eles já haviam desamarrado o corpo e começavam a transportá-lo para a entrada da estação. Tirotul, sempre muito ciente de sua estatura esbelta e baixa, se afastou e deixou os robôs trabalharem, sem interferir. Ao invés disso, ele foi para tenda de metal e puxou seu lado esquerdo da porta. Betty, ainda ocupada com cálculos no fundo da tenda, notou o movimento e foi até o lado direito da porta. Ela pressionou seu corpo pequeno e cônico contra ela, abrindo o máximo possível a pequena abertura da estação.

Apesar de, por definição, ser uma tenda, a estação não era de maneira nenhuma pequena. Havia espaço suficiente para Tirotul e seus três assistentes robóticos ficarem dentro da tenda ombro a ombro (ou, no caso de Betty, ombro a módulo sensorial superior), e havia espaço mais do que suficiente na mesa perto da parede ao sul da estrutura para que a espécime ficasse deitada, com suas órbitas oculares vazias e mãos tateantes, procurando em vão pelo teto de aço acima.

“Começaremos do início,” Tirotul disse, tirando sua vestimenta, a qual guardou no armário. “vamos tirar a espécime desse gelo. Betty, eu creio que esse é o seu departamento.”

Na menção de seu nome, Betty se moveu em direção ao corpo na mesa. Vários dispositivos de corte à laser emergiram de seu “rosto” e, lentamente, começaram a fatiar os pedaços de gelo próximos à pele da criatura, sempre sendo cuidadosa para não tocar o corpo. Enquanto isso, Baltazar direcionou uma corrente de ar quente em todo o corpo, o que fez com que lentamente sua cobertura de gelo derretesse. Bartolomeu abriu a mochila que Tirotul estava usando, a qual foi posta em cima de uma outra mesa, e começou a remover instrumentos que o Dr Urbanich precisaria para executar seus testes na espécime. Enquanto tudo isso estava acontecendo, Dr. Urbanich sentava-se excitado em frente a um computador, registrando tudo o que ele havia visto e pensado desde a descoberta. Ele estava absolutamente certo de que aquele dia faria história como um dos maiores momentos da paleontologia (e talvez até da antropologia).

Dentro de vinte minutos, o frio invólucro da espécime havia derretido. Até mesmo a água resultante havia sido evaporada pelas correntes de ar quente que Baltazar continuava a gerar.

Tirotul esfregou as mãos e parou ante a espécime. Pela primeira vez, ele podia ver toda a coisa sem nenhuma camada de gelo obscurecendo a visão.

“Notável,” Tirotul disse, um gravador ligado ao fundo. “Tudo o que posso dizer é… 'Uau.' Eu definitivamente estou inclinado a dizer que esta espécime era um membro da raça primitiva dezoriana. O corpo e a face se parecem muito com as de um dezoriano. Pelo que aprendemos com nossos estudos das raças na galáxia conhecida, esse tipo de corpo – um torso com dois braços, bem prováveis duas pernas, e uma cabeça com estrutura facial do tipo dezoriano – parece denotar inteligência. Na verdade, todas as raças inteligentes que encontramos, com exceção dos gatos almíscar, combinariam com essa descrição.

“Bem, o que quer que essa criatura tenha sido, obviamente foi incrivelmente poderosa em seu físico. As pernas e a maior parte do peito estão perdidas, mas eu acho que a espécime, de pé e em posição ereta, teria mais de quatro metros de altura. Mmmm… Isso faria com que o braço fosse desproporcionalmente grande, eu terei de considerar isso mais adiante.”

Tirotul pegou um pequeno bisturi de uma mesa próxima e começou a cutucar as pequenas fendas no pescoço da criatura.

“Todo o corpo é coberto por um grosso exoesqueleto. Em cor é quase preto. Não posso dizer qual era sua cor original. Eu acho que era verde escuro, não, azul. A boca é bem grande. Parece que só havia quatro dentes, mas pelo tamanho destas aberturas na linha do maxilar, quatro dentes era tudo o que esse animal precisava. Talvez havia mais dentes mas eu ainda não posso dizer. Bal, está esfriando aqui dentro. Aumente a temperatura do ar quente, ok? Betty, veja se a porta está selada apropriadamente. Certo. Oh, o olho esquerdo parece ter sido removido. A espécime deve tê-lo perdido em combate. A menos que tenha caído em algo… Bal, eu disse para aumentar a temperatura do ar quente, por favor. Mmmm. Eu estou examinando agora a parte inferior exposta da criatura, onde o resto do corpo foi subtraído desta porção. A área exposta parece ter se deteriorado, cristalizado. Eu não consigo identificar nenhuma estrutura interna. Baltazar, qual é o problema? Eu disse para você–!”

“Dr. Urbanich, eu aumentei a temperatura do ar quente ao nível máximo.”

Tirotul piscou e olhou para Betty. “Betty, sele a porta.”

“A porta está selada, Tiro.” O assovio apitou. Ela cessou seus cálculos pela primeira vez. Seu único olho fitou Tirotul.

Tirotul olhou para Bartolomeu. Suas antenas faciais estavam irrequietas, como sempre. Era em momentos como esse que Tirotul gostaria que Bart tivesse um rosto de verdade. Era impossível dizer se o robô estava pensando em algo quando ele não tinha nenhuma característica que dissesse algo a Tirotul.

“Que frio maldito é esse aqui dentro?” Tirotul perguntou, deixando seu bisturi ao lado da espécime e pegando uma ferramenta diferente. “Faça algo sobre isso. Agora, onde eu estava mesmo? Ah, sim. Apesar de todo corpo estar coberto por um exoesqueleto, a área ao redor da boca, as gengivas eu diria, embora estas gengivas sejam tanto internas como externas, parecem ser macias. Mmmm, esta área foi particularmente bem preservada.” Tirotul se virou. “Betty, pode ir e preparar o raio x?” Tirotul procurou pelo bisturi enquanto estava de costas e não pode achá-lo. Ele se virou então, curioso, e achou o bisturi – seu ombro direito estava sendo perfurado por ele.

Tirotul gritou e olhou para a mão que estava segurando a pequena lâmina. Seus olhos acharam um braço ligado a mão, e ao fim deste, seus olhos encontraram um ombro. Seu olhar então se moveu para cima e ficou preso às órbitas vagas de seu atacante.

A espécime se apoiou em seu lado sem braço e deu um sorriso sem dentes. “Dezorianos tolos nunca aprendem,” disse, mas em um antigo dialeto dezoriano que Tirotul não entendeu. A criatura cega riu. O ar que saia de seus lábios exalava um odor tão forte que fez com que Tirotul desmaiasse, com o bisturi ainda preso em seu ombro.

“Não tentem nada,” a criatura disse aos três robôs, que estavam preparados para atacar. Os três robôs continuaram a carregar suas armas; a besta podia sentir a energia aumentando. Percebendo que falar em dezoriano antigo se provava ineficaz, a criatura falou novamente, dessa vez na antiga língua Palmiana, o Palmalatim. “Atemnon le iem.”

O menor robô parou todo movimento. Aparentemente ele entendeu.

“Diga a teus amigos para cessarem o que quer que estejam fazendo,” a criatura disse, novamente em Palmalatim.

“Parem de carregar as armas,” Betty disse a Baltazar e Bartolomeu em um canal privado que os três compartilhavam. “A criatura conduz seu próprio poder. É um grande poder, muito mais forte que nossos armamentos.”

“Mas ele não é uma uma máquina,” Baltazar disse.

“Eu compreendo isso,” Betty respondeu. “A energia que estou detectando deve ser de natureza mágica. Sim, minhas tentativas de analisá-la não tiveram sucesso. É um tipo de poder que eu não posso entender. Conseqüentemente, deve ser mágica.”

A troca de mensagens demorou menos de um segundo. Satisfeito com o fato de que os robôs pararam de carregar suas armas, voltou à sua antiga posição e, com sua única mão, tateou onde seus olhos estariam.

“Maldito sejas tu, N'gan,” a criatura pensou. “Achastes que me matastes, mas não. O que tu fizestes foi muito pior. Eu não estava morto, apenas depredado. Sem visão, coxo, preso por seis mil anos em um mausoléu de gelo. E eu estava consciente, vivo, dolorosamente vivo, por cada segundo. Mas agora sou liberto, N'gan. Meu sepulcro me entregou à vida novamente, e eu fui salvo por um da tua raça. Como é bom, N'gan, sentir novamente o calor e estar no controle.”

A espécime reanimada fitou Betty, pois era no menor robô que ele encontrava o maior conhecimento.

“Eu não posso ver,” ele disse, ainda em palmalatim. “Tu deves trazer aqui um mago que possa reparar apropriadamente o dano trazido aos meus olhos.”

Betty fez um som e disse, hesitante. “Eu mesma posso reparar o dano, a menos que tua fisiologia, a qual já notei ser muito diferente de outras vidas que estudei, seja ainda mais diferente do que eu antecipava.”

O demônio balançou seu braço exasperado. “Faça o que quiseres!” ele disse alto. “Eu não ligo para tua estranha língua!”

“Eu peço para que permitas a meus companheiros verem os ferimentos de Tiro,” Betty disse, ainda não se movendo.

“O que?” A criatura perguntou. “O Dezoriano? Faça o que desejares. Apenas seja rápida com os meus olhos!”

Betty olhou para Baltazar e Bartolomeu. Bal levantou Tirotul e o pôs na mesa onde o chá estava servido. Bart pegou o Kit de primeiros socorros da mochila de Tirotul e começou a tratar do ferimento no ombro do doutor.

Betty se deslocou em direção a criatura. “Vire-se de lado,” ela instruiu.

A criatura se virou obediente. Não tinha nada a temer em obedecer as ordens do pequeno robô. Um movimento em falso da sua parte e Betty seria rápida e facilmente destruída. Ambos sabiam disso.

Betty começou então a examinar os olhos e o cérebro da criatura. Enquanto desenvolvia um plano para restaurar sua visão, ela disse, “Posso eu perguntar quem és tu?”

“Eu sou conhecido por muitos nomes,” a criatura sussurrou, asperamente. “Homens em outros mundos, em outros tempos, me chamaram de O Mais Alto, ou O Mestre. Mas meu nome escolhido, assim como o nome dado pelo meu pior inimigo, é Dark Force. E é assim, pequena, que deves me chamar.”

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/cr/cr1.html

fanworks/alem_de_algol/historias/recepcao_fria/recepcao_fria_001.txt · Última modificação: 2009/01/15 19:48 por orakio