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Falha na Lógica

Autora: Neilast
Tradutor: Bruno Cubiaco

Jut.

Tudo começou na lendária juventude da civilização dezoriana, como um simples templo. Quando uma tribo guerreira, liderada pelo louco Crex, atacou o santuário, uma simples tocha era a única luz que os sacerdotes cercados tinham por toda a duração dos dez dias do eclipse geracional. Os sacerdotes começaram a adorar a tocha como um ídolo, um presente de seu deus benevolente. Até mesmo depois que o prórpio cerco desvaneceu-se da memória e foi esquecido inteiramente, a Tocha Eclipse do Templo Corona manteve sua estatura sagrada, até quase se tornando um próprio deus. Séculos atrás, onde havia sido dito que o grande deus Dezoriano um dia purgaria o mundo de tudo que era impuro, nos tempos da Heroína, a lenda clamou que a própria Tocha faria a purificação.

Depois do Grande Colapso, o templo ganhou um novo nome, Gumbious, e cresceu. Um vilarejo aos arredores, abençoado por tal proximidade com o mais sagrado santuário dezoriano, também cresceu, e no ápice da cultura Algoliana, ele chegou a cercar Gumbious totalmente. Essa cidade era conhecida como Jut, e Gumbious servia como seu coração, assim como sua alma.

No topo de um dos mais altos pináculos do templo repousava uma pista para pouso de aero e espaçonaves. Foi aqui que a pequena nave Landale VII, pilotada pelo andróide conhecido como Wren, pousou quase silenciosamente, em uma madrugada.

“Então esta é Jut,” disse Mium, com seu rosto perto de uma janela na pequena seção traseira de passageiros, onde ela se sentava. “É linda…”

“Ela é de fato,” disse Demi. Ela suspirou e olhou pela janela do cockpit.

O local de pouso estava mais ou menos a milha e meia do chão. A grande altitude concebia um panorama maravilhoso da região, como em um sonho.

O pináculo onde se localizava a pista de pouso era conectado diretamente com uma massiva estrutura redonda, com o teto em forma de domo, o qual Demi reconheceu como Templo Gumbious. Apesar de não ter nem a metade da altura do pináculo, a estrutura do templo principal, não obstante, era uma vista inspiradora. A maior estrutura feita pelo homem em todo Algo (exceto por Palma II, é claro), Gumbious bem mereceu seu prestígio.

Conectadas ao templo e o cercando, estavam várias construções pequenas e torres. Estas estruturas eram guarnecidas por um muro retentor que media 40 metros de altura. Se extendendo em todas as direções ao redor do muro estava Jut, a maior cidade de Dezo, assim como a capital provinciana do planeta. E além disso estavam os campos, congelados, inquebráveis, ao norte, sul, e oeste até se encontrarem com as montanhas, a aproximadamente um dia de jornada a pé. Era noite. A lua prateada de Dezo era como uma novíssima peça de meseta no céu. As estrelas queimavam com frieza em todo firmamento.

“É bom estar de volta,” Demi disse a Wren. “Faz tempo que vim aqui. Quando foi sua última vez, Wren?”

“Estive aqui pela última vez com Chadwick Ashley, Rika Ashley, Kyra Tiernev, e o Reverendo Lutz.”

Demi ficou de boca aberta. “Com Chaz e o pessoal? E não tinha idéia que fazia tanto tempo!”

“Isso não foi a dois mil anos atrás?” Mium perguntou, aturdida.

“Isso é correto,” Disse Wren. “Faz dois mil anos nesse mês, na verdade.”

“De qualquer maneira, por que vocês dois estão aqui?” Mium perguntou. “Eu decidi vir junto apenas por que Azur mencionou a situação atual…”

“Bem, ” Disse Demi. “Dahl me contou que o Bispo queria conversar com alguém pessoalmente sobre os preparativos concernentes ao envio de Lacônia a Palma II. Dahl não pode vir e Erol e Azur estão ambos ocupados, então eu acho que ela decidiu que nós eramos a próxima melhor opção.”

“Quanto tempo isso vai levar?” perguntou Mium.

“Oh, não muito, tenho certeza, ” Disse Demi, gesticulando. “O Bispo é um camrada razoável o suficiente. Ele provavelmente apenas quer algo no papel, só isso.”

“Então vamos indo.” Wren disse. Ele apertou um botão e a cobertura de vidro sobre o cockpit da Landale VII deslizou para trás, o que fez com que os andróides ficassem expostos ao congelado mas refrescantemente cheiroso ar de Dezo e aos ventos cortantes que o acompanhava. Wren se levantou e pisou em uma pequena escada que o sacerdote do templo trouxe ao lado da nave. Demi e Mium rapidamente o seguiram.

“pala [Olá],” disse o sacerdote, na língua nativa dezoriana, quando os três adróides ficaram a sua frente.

“Saudações a você também, padre,” Disse Demi. “Podemos conversar com o Bispo?”

O sacerdote pensou por um segundo e balançou a cabeça. “ga je vov [Por aqui],” ele disse. Ele então se virou e apontou para uma porta que levava ao interior do pináculo. O sacerdote começou a caminhar em direção a ele, e os três andróides o seguiram. Os quatro entraram na torre e então começaram a descer uma escadaria espiralada.

Até mesmo andróides podem ter medos, e um dos de Mium era altura. O centro do pináculo era aberto ao ar envelhecido de seu interior, e não havia corrimão aos lados da escadaria. Mium manteve seus olhos fechados e não ousou abri-los por medo da vertigem. Ela usou seus outros sensores para traçar um caminho abaixo e se concentrar no cheiro do incenso e no som do vento a medida que este soprava por entre o meio oco da torre. As distrações eram agradáveis o suficiente, mas, ainda assim, ela de alguma maneira não podia se esquecer a queda quase sem fim que jazia pouco menos que um metro a frente de onde ela caminhava. Seu alívio foi grande quando, depois de alguns minutos, o grupo chegou a um elevador.

“Por que eles não podiam por isso mais perto do topo?” Mium sussurrou para Demi. Demi soltou um 'shh!' mas o sacerdote olhou para elas com o canto do olho na medida que abria a porta do elevador com uma chave de latão. As douradas e ornadas portas corrediças do elevador se abriram, revelando um compartimento pequeno o suficiente para que os quatro pudessem se espremer. Wren teve de se abaixar quando entrou. Sem uma palavra, o sacerdote usou a chave num buraco diferente, e o elevador começou a descer.

Ele parou num nível subterrâneo, a vinte seis metros e meio abaixo do solo. Uma porta com o formato de uma lágrima esperava os andóides apenas a alguns passos de onde o elevador havia parado. Sua abertura estava coberta por uma simples cortina púrpura.

“fee miin caad kunsejpum feen [essa é a sala do Bispo],” o sacerdote disse a eles, novamente, em dezoriano. Ele deu um passo a frente e parou ao lado da porta como um guarda. “da ga deK jiit [ele vai atendê-los agora],” ele disse, e então puxou a curtina de lado.

Havia uma escuridão do outro lado, e um aroma doce.

“Wren,” Demi sussurrou. “Eu não posso ver nada!”

“Venham em frente,” disse uma voz quieta com um antigo sotaque dezoriano. Apesar do sotaque ele falava palmiano perfeitamente.

Assim que Wren, Demi e Mium caminharam adiante, tochas nas paredes da pequena câmara se acenderam como mágica (o que muito certamente deveria ser).

Demi estava supresa pelo aspecto do homem a sua frente, a quem ela sabia que devia ser o próprio Bispo. Ela havia esperado alguém grande e intimidador, especialmente depois de sua impressionante introdução. Contudo, o Bispo era na verdade um homem baixo, com menos de oito pés de altura e muito magro. Sua pele verde empalideceu-se com a idade, e a toga cerimonial que ele vestia parecia quase engoli-lo completamente. Ele estava sentado de pernas cruzadas em cima de uma almofada roxa, e um candil em seus pés borbotava incenso, cujo aroma era de violeta. A face do Bispo também era pequena, e mostrava grande bondade. Seus olhos pequenos brilhavam com cordialidade, e seu sorriso, enrugado e sem dentes, era amigavelmente sem fim.

“Pela Tocha,” ele disse. “Você é o grande andróide, Wren. E você, pequena… você é a assistente dele, Demi.” Para Mium ele adicionou, com um sorriso torto, “Mas eu receio que não conheço você.”

Mium sorriu timidamente. “Eu sou apenas uma andróide. Meu nome é Mium.”

“Quanta modéstia,” o Bispo disse.

“Eu sou o Mestre Wren, de Zelan, senhor,” disse Wren.

“Por favor, Wren,” Demi disse. “Você deve se dirigir a ele como 'Bispo' ou 'Padre'.”

“Oh, está tudo bem, minha filha,” o Bispo disse. “I sei que seria raro, de fato, para um andróide compartilhar nossas crenças, nosso costumes. E não tomo isso como ofensa.”

Demi sorriu. “Fico Feliz.”

“Nós estamos aqui para discutir sobre o carregamento de Lacônia para Palma II,” disse Wren. “A Diretora Dahlia Mallos foi informada que o senhor desejava conversar sobre os detalhes pessoalmente.”

O Bispo sorriu. “Sim, eu sei porque vocês vieram.”

“Eu assumo que a Diretora Dahlia Mallos estava ocupada com assuntos muito importantes, caso contrário ela teria vindo pessoalmente,” Completou Wren.

“Ah, não, eu pedi para que ela os chamasse,” o Bispo o corrigiu.

“…Por quê?” Wren perguntou.

“Por duas razões,” o Bispo disse. “Primeiro de tudo, eu sempre quis conhecer os andróides responsáveis por restaurarem Algo a sua glória Pré-colapsal.”

Demi sorriu. “Esse é o meu Mestre!”

“Eu nunca poderia ter feito isto sem sua assistência, Demi,” Wren a lembrou.

“E ainda há a questão da lacônia para discutir. Mas mais importante, existe uma coisa que eu desejo dar aos que viajaram com os heróis de Algo. Primeiramente, eu tenho uma pergunta para vocês três,” O Bispo limpou sua garganta e Mium e Demi se entreolharam, confusas. “O que acontecerá quando vocês morrerem?” Ele perguntou.

Wren riu abertamente.

O antigo Bispo sorriu para Wren. Havia amor em seus olhos, e uma piedade gentil, que Wren percebeu e não gostou.

“Muito bem,” o Bispo disse. Ele se voltou para Mium. “O que você pensa?”

Mium olhou para baixo. “Apesar de ser mais velha que Wren, eu fiquei a maior parte do tempo desativada. Teoricamente, eu sou muito nova. Eu devo admitir que nunca dei muita atenção a este assunto, principalmente por escolha própria. Eu não posso responder, Bispo. Eu apenas não sei.”

O Bispo balançou a cabeça e coçou o queixo, pensativo. “Uma boa resposta,” ele disse. “Melhor do que muitas.” Então ele olhou para Demi. “Minha criança,” ele disse a ela. “Você já considerou o que acontecerá com você quando você morrer?”

Demi piscou. “Bem… Como uma andróide, eu não vou morrer da mesma maneira que uma forma de vida baseada em carbono, como o senhor… ” Ela suspirou, e sorriu. “Mas sim, Bispo. Eu considerei.”

O Bispo afirmou balançando a cabeça levemente, e disse. “É claro que já, pequena. Nunca houve uma pessoa que não considerou isto.”

Demi caiu em silêncio assim que o Bispo direcionou sua atenção a Wren mais uma vez.

“Mas você,” o Bispo falou a Wren, que endureceu notoriamente ao ser dirigida a palavra. “Nunca pensou o que lhe espera quando seu corpo deixar de funcionar?” A pele sobre os olhos do Bispo, onde uma sobrancelha palmiana estaria, se levantou.

“Eu tenho dado pouca atenção ao assunto,” disse Wren secamente. “Se meu corpo deixar de funcionar, então minha rede neural o seguirá em momentos.”

“E então…” o Bispo o conduziu.

Wren piscou e entornou sua cabeça para um lado. “Então… o quê?”

“O que acontece depois disso?”

Wren riu levemente. “Nada. Quando meu corpo deixar de funcionar, eu não existirei mais. Meu corpo pode ser usado para algo novo, ou pode receber um novo cérebro positrônico.”

“Mas você deixaria de existir?”

“Wren, modelo Fuoren, número serial 7X99987Y, não existirá mais. Correto.”

O Bispo riu e deu um tapa em seu joelho, ações que causaram todo seu pequeno corpo estremecer. “Você, então, não acredita que achará paz dentro de Elsidgeon?”

Os olhos de Demi se arregalaram. Ela olhou para baixo para que ninguém percebesse. Mium, por outro lado, lutou contra a vontade de rir ao ouvir como o sotaque do Bispo destruia o nome da espada da Heroína.

“É um fato bem conhecido que as essências dos antigos Protetores eram armazenadas, por alguma força desconhecida, dentro da espada Elsydeon,” Wren disse. “Eu não sei como isso foi feito. Nem estou certo de que essas 'essências' eram espíritos, ou almas, como muitas pessoas agora acreditam. Elas podem ter sido alguma espécie de impressão psíquica.”

O Bispo negou, balançando sua cabeça e soltando 'tsc's. “Um cético. E você criança?” ele perguntou amigavelmente a Demi. “O que você acredita?”

Demi gaguejou. “Bem, eu…”

O Bispo olhou para ela expectativamente.

Demi corou e desviou o olhar. “Eu… eu perguntei ao Chaz sobre isso uma vez. Ele estava certo de que eu me juntaria a ele e aos outros em Elsydeon algum dia, mas quando eu o pressionei, ele admitiu que nenhum dos Protetores que ele viu na Elsydeon eram andróides. Mesmo se os espíritos forem reais… e eu acredito que eles são… não há razão para pensar que um andróide… aproveitaria o mesmo destino.”

Os olhos do Bispo dançaram. “E se eu lhe disser que há almas de andróides dentro de Elsidgeon neste mesmo momento?”

“O que?” Demi disse alto, seus olhos umideceram. Mium, cuja atenção havia se voltado para as estranhas tochas nas paredes, olhou novamente para ele.

“Isso é altamente implausível,” Wren murmurou. “Uma construção mecânica não pode ter uma 'alma'. Até mesmo a existência de almas em formas de vida sensíveis, baseadas em carbono como você mesmo, não pode ser cientificamente provada.”

O Bispo desconsiderou os comentários de Wren com um movimento da sua mão verde e enrugada e manteve seus olhos focalizados em Demi. “Não preste atenção nele, minha filha”.

“Existem realmente andróides em Elsydeon?” Demi perguntou quase implorando, suas mãos apertadas em sua frente, tremendo.

O Bispo sorriu e puxou algo parcialmente de debaixo de sua almofada. “Eles estão aqui, minha doce pequena. Olhe.” Ele puxou o objeto um pouco mais, e a manopla dourada de uma espada foi revelada.

“Elsydeon…” Demi sussurrou, correndo seus dedos sobre a espada, mas nunca tocando-a. “Faz dois mil anos. Exatamente como eu me lembro, no entanto…”

“Como isso veio para aqui?” Wren perguntou ao Bispo “Eu pensava que a espada estava sendo mantida em seu local, na Mansão Esper.”

“A Décima Reverenda Lutz, Celendra Walsh, a trouxe aqui muitos anos atrás,” O Bispo disse. “Ela não disse porque. Ela apenas deixou a espada aqui. Ela nunca foi vista denovo depois daquele dia.”

“Meio sombrio, não?” Mium perguntou, sua própria mão não ousando se apróximar da manopla dourada de Elsydeon mais do que a mão de Demi. Ainda assim seus dedos hesitavam em pegá-la, impossivelmente curiosa.

“Toque-a,” O Bispo disse a Demi.

Demi olhou para cima. “Por quê?” ela perguntou. Notava-se medo em sua voz.

“Toque-a,” O Bispo repetiu. Sua voz era calma.

Demi tocou a espada.

Ela suspirou levemente e seus olhos se fecharam assim que sentiu as almas se fundirem sobre ela. Wren estava errado, oh ele estava tão errado. Ela podia senti-los. Ela podia sentir sua força, sua esperança, sua coragem, seu amor. A espada era o local para onde aqueles que lutaram para proteger Algo retornavam, e era dentro da espada que todas as suas emoções eram amplificadas em um nível imcompreensível.

“Onde eles estão?” Demi perguntou. Ela estava tão imersa no mundo de Elsydeon que ela nem ouvia sua própria voz. “Os andróides?”

“Eles a acharão,” ela escutou o Bispo dizer. Ele parecia distante.

Demi mordeu seu lábio e esperou.

E eles vieram.

Havia dois deles. Um deles parecia exatamente como Mium e era obviamente um tipo Mieu. O outro parecia similar ao Wren. Ele era um modelo Siren, com uma face prateada e um cabelo vermelho fogo.

“Quem… Quem são vocês?” Demi perguntou com sua mente, sua mente positrônica.

“Nós somos andróides que, como você, lutaram contra a Dark Force,” disse o Wren ruivo.

“Nós vivíamos em Palma,” disse a Mieu. “Quando ela foi destruída, nós escapamos na nave Alisa III. Uma Dark Force estava abordo.”

“Por mil anos nós lutamos contra ele, direta e indiretamente.”

“Nós dois fomos usados pela Dark Force mais de uma vez… Mas, uma hora, ganhamos.” Demi observava à Mieu enquanto ela falava. Havia muita bondade em seus olhos.

“Estarei aí com você algum dia?” Demi perguntou. Ela direcionou a pergunta em particular à Mieu.

` “Sim, Demi,” ela disse. “Meu nome é Miun. Estarei esperando por você”

` Demi tremeu e expirou asperamente assim que o Bispo removeu a manopla de Elsydeon de suas mãos.

“Eu os vi!” ela disse com emoção, primeiro ao Bispo, então a Mium, e então, mais fervorosamente, a Wren. “Wren, é verdade!” ela disse. “Havia dois deles. Um era um tipo Mieu, como Mium, e o outro era um Wren, como você! Oh, Bispo, foi incrívrel!” Demi se virou para Mium e as duas andróides amigas se abraçaram.

O Bispo olhou para Wren com um sorriso como se mostrasse quem havia vencido.

“O que você me diz? Você acreditará? Ou você acusa sua companheira de estar delírando? Talvez você simplesmente atribui suas visões à necessidade de acreditar num poder maior, o que é de herança para todas as pessoas?”

“Demi é uma andróide,” Wren corrigiu.

“Qual é o seu ponto?” Demi perguntou, o tom desafiador em sua voz era claro. “Um adróide não é uma pessoa?” Até mesmo Mium parecia um pouco perturbada pela insinuação de Wren.

Wren suspirou. “Qual é o sentido disto tudo?” ele perguntou. “O que isso tem a ver com o carregamento de lacônia?”

“Nada,” o Bispo disse. “Eu já preparei os documentos. Tudo o que precisamos é sua confirmação para finalizar o acordo. Palma II terá muito mais lacônia da mina de Skure do que ela jamais precisaria.”

“Então por que chamar-nos para vir aqui?” Mium perguntou.

O Bispo riu e apontou para sua testa. “Você aceitaria que a Tocha Eclipse me fez fazê-lo?” ele disse, olhando para Wren. “Nããão. Eu tenho certeza que você não acredita nisso também.”

“Eu ainda não entendo.”

“Apenas isto está claro,” o Bispo disse. “Por que você não acredita num poder maior do que nós, Mestre Wren?”

“Você quer dizer em Deus?” Perguntou Wren.

“Correto.”

“Eu não acredito em Deus porque não há evidência tangível para provar que um Deus existe.”

“Então você não aceita meu conhecimento e entendimento do meu relacionamento com Deus como evidência?”

“Não estou querendo lhe desrespeitar, Bispo, mas eu não posso. Conseqüentemente, desde que não há e não pode haver evidencia da existência de Deus, a crença em Deus é ilógica.”

“Então tudo deve ser lógico?”

“É melhor quando as coisas são. Lógica é estável. Emoção e fé não são.”

“Chaz nunca teria derrotado as Dark Forces sem emoção, Wren,” Demi disse. “Foi emoção que o levou a agir.”

“Eu nunca disse que emoções são irrelevantes ou 'ruins', Demi,” Wren apontou. “Mas emoção é menos… segura que a lógica. Eu duvido que você discordaria de mim se eu dissesse que Chaz era altamente instável.”

“A lógica é infalível?” o Bispo perguntou.

“Sim, se analizada por uma pessoa eficientemente lógica. A maioria dos indivíduos que dizem aderir à lógica ainda permitem que suas emoções e crenças interfiram. Isso polui a lógica.”

O Bispo balançou a cabeça, em sinal de concordância. “Entendo. Você se importaria em responder algumas perguntas com sua lógica?”

“Claro que não,” Wren disse. “Seria um prazer.”

“Tudo bem, então. Deixe-me começar com um ponto. Você prova que estou errado.”

“Sem problemas,” disse Wren.

“Diga-me onde a falha em meu raciocínio fica. Deus é bom. Deus ve o futuro. Deus é todo poderoso.”

Wren sorriu. “Se Deus fosse realmente bom, Ele não permitira que o mal existisse. Eu não acredito que você discordaria com a premissa que o mal existe.”

O Bispo concordou. “Eu não discordo. Mas e se eu disser que Deus permite o mal existir para que assim possamos escolher o bem?”

“Se as pessoas fazem seu próprio destino, então Deus não sabe do futuro, por que isso seria predestinação, e predestinação contradiz com a teoria do livre-arbítrio.”

“Mas e se eu dissesse que Deus conhece o futuro mas não determina nossas ações? Ele meramente está a par do rumo que elas podem tomar.”

Wren sorriu “Então Deus não é todo poderoso.”

“Por que você diz isso?” Mium perguntou, não o Bispo.

“Qual a importância disso para você e Demi?” Wren perguntou. “Nós andróides somos projetados para servir o povo de Algo. Tudo tem seu lugar, e tomar parte em discussões filosóficas insensatas que não se aplicam ao dever de um andróide não é o lugar para nenhum andróide.”

“Responda a pergunta,” o Bispo disse a Wren, sua mão levantada em direção a Demi, que ficara vermelha de raiva.

“Deus não é todo poderoso porque se ele fosse, Ele não permitiria que o mal existisse.”

“Certo, certo,” o Bispo disse com um sorriso irônico. Ele sacudiu seu dedo e disse quase sussurrando, “Então você reconhece que sua lógica não é infalível? Não é sem falhas.”

“Como você chegou a esse ponto?” Wren disse.

“Por que eu já disse que Deus permite o mal existir para que assim possamos escolher o bem, o que é o que Deus quer.”

“Se Deus quer isso, por que Ele não cria as pessoas para serem boas?”

“Porque não haveria livre-arbítrio.”

“Bispo, você já disse que o futuro é determinado–”

“Não. Eu disse que Deus conhece o futuro.”

“Mas é a mesma–”

“Não é a mesma coisa. Deus sabe nosso futuro mas não o determina. Nós o fazemos. Deus possui o poder necessário para direcionar-nos, mas ao invés disso nos permite que nós nos direcionemos, para que assim nós possamos escolher ativamente o bem e, conseqüentemente, ser bons.”

Wren balançou a cabeça, negando. “Você está sendo circular.”

O Bispo sorriu e cheirou uma nuvem de incenso que subia do candil a sua frente. “Eu estou?” ele perguntou. “Ou você está?”

Wren exibiu uma expressão de choque absoluto. “Por favor, me perdoe Bispo, mas minha lógica é perfeita.”

O Bispo balançou a cabeça. “Deixe-me fazer outra pergunta,” ele disse, sorrindo, com os olhos fechados. “Por que o universo é?”

Wren esperou. “Porque o universo é o que?”

Bispo balançou um dedo na direção de Wren. “Certo, certo. O que eu disse foi uma frase completa. Ela tinha um sujeito e um verbo. Não há necessidade de acrescentar nada a ela.”

Wren esperou um pouco mais, e então disse, “Eu não entendo.”

“Vamos tentar algo mais fácil,” o Bispo disse com um supiro. “Onde fica o universo?”

Wren riu. “Onde fica o universo? Essa é uma pergunta ridícula e impossível.”

“Por que?” O Bispo perguntou. “Não é o universo um lugar?”

“… Ele é,” Wren respondeu cuidadosamente.

“E todos os lugares não existem em algum lugar? Tudo não tem seu lugar?” O Bispo sorriu para Wren. “Você mesmo não disse isso, não mais do que vinte segundos atrás? E se minha pergunta está logicamente montada, sua lógica não deveria ser capaz de respondê-la?”

Wren fitava o Bispo. Sua boca estava silenciosa.

“Isso, criança, é a falha na lógica,” O Bispo sussurrou. “Ela não pode responder tudo, enquanto que minha fé me diz exatamente onde o universo é, e para onde está indo, e porque ele é, e me explica o meu próprio propósito e a natureza do meu relacionamento com o universo, e com o próprio Deus.” O Bispo abriu seus olhos e olhou para cima. “E está esperando para responder as perguntas, todos os ondes e porques, se apenas você escutar.”

Demi sorriu. Mium olhava para o bispo. Seus olhos estavam vazios. Era sua mente que estava trabalhando. E Wren estava calado. O Bispo bateu suas mãos e um irmão entrou, carregando um pequeno computador de mão. Ele o deu para o Bispo, que o entregou a Wren.

“Aqui está o novo acordo de comércio. Eu acho que você considerará um aumento de cento e um por cento nos carregamentos de lacônia para Palma II bem razoável.” Ele sorriu.

Mium bateu palmas, também. “Dahl vai ficar muito feliz!”

O Bispo sorriu para Mium. “Certamente, eu espero o mesmo. Eu acredito que o trabalho da Diretora Mallos é para o bem de Algo. Eu seria negligente em não ajudá-la onde posso.” O Bispo olhou para baixo, na pequena tela do computador, acenou com a cabeça para Wren, e desligou a máquina. “Muito bem então,” ele disse. “Nós cumprimos o que viemos fazer aqui.”

Demi se inclinou para frente bateu levemente na pequena mão do Bispo. “Tudo certo. E obrigada! Estaremos indo agora.”

O Bispo sorriu. “Vocês certamente estarão.”

Wren fitou o Bispo. O Bispo leu a expressão de Wren como 'O que isso quer dizer?'

O Bispo riu mais uma vez. Ele olhou para baixo e abanou suas mãos. “Vocês descobrirão em breve. Eu certifico-lhes de que nada muito probatório os espera. É hora para minha adoração ante os símbolos sagrados. Adeus.” As tochas se apagaram e, então tudo ficou quieto. O sacerdote na porta pediu para que o trio o seguisse.

Wren ficou silencioso todo o caminho de volta para a nave. Demi queria perguntar porque ele estava tão quieto, mas sabia o suficiente para não tentar. Ao invés disso, ela e Mium conversavam sobre sua gloriosa experiência com Elsydeon. A conversa parecia fazer com que Wren parecesse ainda mais quieto.

Em poucos momentos, Landale VII partia da cidade de Jut para dentro do frio espaço, onde ela eventualmente ancoraria com Palma II, e então Zelan. Mas uma semente havia sido plantada. E logo ela começaria a crescer.

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/fil.html

fanworks/alem_de_algol/historias/falha_na_logica.txt · Última modificação: 2009/01/15 19:42 por orakio