Por James Maxlow e Mike Ripplinger
Traduzido por Orakio Rob
O portão de Scion não estava longe. Apesar de sua falta de experiência, Alis triunfou contra os poucos monstros que confrontou. Finalmente, o primeiro objetivo de sua longa jornada estava próximo. Uma vez dentro dos muros da cidade, só o que ela precisava fazer era descobrir onde esse tal de Odin vivia. Sentimentos de orgulho e satisfação começaram a se apossar dela, enquanto se aproximava do portão. Com sua identidade na mão, ela foi até os dois guardas que policiavam a entrada.
“Bom dia, senhores,” disse Alis, camuflando o desprezo que tinha pelos homens de Lassic, “eu trago medicamentos para os hospitais de sua cidade.” Ela ofereceu sua identidade para que os guardas verificassem.
Mal olhando para ela, um dos guardas acenou para que ela passasse. “Não fique aí parada, mexa-se. Não temos o dia inteiro para você.” O guarda voltou à conversa que estava tendo com seu companheiro. Impressionada com a ausência de um interrogatório, Alis apressou-se através do portão. Lá dentro, ela foi recebida pela agradável visão dessa cidade à beira do oceano. As casa eram maiores aqui do que as de Camineet ou Parolit, a cidade não era tão cheia de gente, e havia grande variação na arquitetura local.
Apesar do fechamento dos portos, Scion parecia estar lidando bem com a depressÃo econômica que atingia as cidades. Apesar de estar obviamente com problemas em algumas áreas, Scion estava indo melhor que as cidades vizinhas. Isso intrigou Alis. Como as pessoas estavam se sustentando? Para uma cidade que girava em torno do comércio, Scion deveria ter sido uma das mais afetada pela infestação de monstros. Mas a grama era verde e bela, os parques e ruas limpos e abertos, e o ar de opressão tão evidente em Camineet não existia aqui.
Deixando de lado esses pensamentos, Alis voltou a concentrar-se em seu objetivo. Comunicar-se com o povo de Scion seria difícil. Se fizesse as perguntas erradas à pessoa errada, sua missão poderia ser exposta, e ela se tornaria uma radical perigosa que certamente seria presa. Ela tinha que conseguir informações de forma discreta, sem levantar suspeitas. Haviam, é claro, pessoas dedicadas a resistência em Scion, mas encontrar uma delas na multidão seria quase impossível. Ela esperava que a sorte estivesse a seu lado.
Avistando um jovem em um banco do parque, Alis foi em sua direção, tentando ao máximo passar um ar de confiança.
“Belo dia, não é mesmo?” Alis perguntou ao homem enquanto sentava-se a seu lado. Ao notá-la, o homem olhou para Alis, O sorriso que surgiu em sua face mostrou que ele estava interessado.
“Está mesmo. E você é…?”
“Meu nome é Alis. Estou visitando sua bela cidade. Eu vim de Camineet.”
“Uma jovem como você, atravessando as florestas para visitar nossa cidadezinha? Certamente você não veio sozinha?” Alis soube instantaneamente que esse homem diria tudo o que ela quisesse saber, se ela fosse capaz de dizer tudo da maneira certa…
“Oh, não, claro que não. Eu não teria coragem de viajar sozinha ultimamente. Vim com um pequeno grupo de mercadores que vieram vender medicamentos no hospital. Eles gentilmente permitiram que eu os acompanhasse, por uma pequena taxa.”
“Sim, que sorte a sua. E o que a traz a Scion? Você tem parentes por aqui?”
“Não, na verdade, não conheço ninguém por aqui. Sou uma estrangeira, eu acho. Vim aqui porque ouvi muitas histórias sobre um grande caçador de monstros chamado Odin.” Alis jogou a isca. “Bem, sou uma fã de caçadores. Eu os idolatro. Suponho que você ache isso tolo.” Fingindo estar envergonhada, Alis olhou discretamente para o homem.
Mesmo? Que admirável. Arriscar a própria vida para que todos nós palmianos possamos um dia estar livres dessas feras horríveis…“ Os olhos dela se agitaram. Ainda que fosse bastante óbvio para qualquer um que Alis estava mentindo, o homem estava completamente envolvido. “Então suponho que você saiba onde posso encontrar esse Odin? Eu vim de tão longe, eu odiaria não poder vê-lo. Eu até trouxe meu livro de autógrafos comigo. Você acha que ele seria gentil ao ponto de ver uma garota tímida como eu?” A linha estava pronta.
“Bom, o grande Odin deixou Scion a alguns dias. Ele partiu com um desses gatos falantes para destruir a Medusa. Era estranhíssimo, aquele gato. Quer dizer, nós vemos esses gatos por aqui frequentemente, mas esse tinha uma garrafa no pescoço. Era muito estranho. Ah, mas vocês não costumam ver esses gatos em Camineet, certo? Eles não passam de animais de estimação, mesmo, e existe um senhor mercado para eles. De qualquer forma, a poucos dias atrás, eu encontrei o mesmo gato andando por aqui.” Alis fisgou o peixe.
Se é um aliado de Odin, certamente pode me ajudar a encontrá-lo, Alis pensou. Ela começou a falar rápido, mas conteve-se antes de expor seu interesse. “Odin não está aqui? Ohhh, espero que ele esteja bem. Mas o que devo fazer agora? Viajei tanto… Talvez, se esse gato falante for um animal de estimação de Odin, eu possa encontrá-lo para fazer valer minha viagem?”
“He, não acho que isso seja possível. Depois que vi o gato, capturei-o e vendi-o para um mercador motaviano. Como eu disse, há um senhor mercado para eles. Ganhei uma boa grana.” Alis sentiu nojo do sorriso doentio do homem. Ele não tinha mais nada a lhe dizer.
“Ah, bem, então viagem não serviu para nada. Obrigada, gentil senhor.” Ela se levantou do banco, e começou a descer a rua.
“Hei, espere! Sou um caçador, posso assinar seu livro! Você não tem que ir agora, tem? Eu poderia lhe contar sobre minha caçada na caverna ao sul daqui!”
Ansiosa por livrar-se dele, Alis disse algo incompreensível por sobre o ombro enquanto apertava o passo. Ele pensou apenas que ela estava longe demais para que ele pudesse entender, e deixou por isso mesmo.
Enquanto atravessava outra rua, Alis começou a se preocupar com suas chances. Esse Odin havia partido para uma batalha, talvez até estivesse morto. Como ela o encontraria? Sem o gato do qual o homem falara, ela não tinha como encontrar Odin. Ela poderia fixar residência nessa cidade até que Odin retornasse, se retornasse. E quanto mais ficasse, mais suspeitas ela levantaria.
Subitamente ela sentiu uma mão em seu ombro. Quando virou-se surpresa, havia uma mulher diante dela. Um pouco mais alta que Alis, a mulher parecia velha o suficiente para ser sua mãe.
“Alis,” a mulher falou em voz baixa olhando em volta, “Eu conheço seu irmão Nero. Venha comigo.”
Atordoada pelas palavras da mulher, Alis seguiu-a, silenciosamente, rumo a um pequeno agrupamento de árvores. A área estava deserta, e ninguém podia vê-las ou ouvi-las conversando.
“Perdoe-me por tanto segredo, mas vivemos em dias perigosos.”
Ainda surpresa, Alis recobrou a compostura. “Você conheceu Nero? Quem é você?”
“Meu nome é Lokia. Eu tenho trabalhado com seu irmão, pela resistência. Ele me falou de você muitas vezes.”
“Mas como você sabe que eu sou Alis?”
Mais uma vez olhando em volta com cuidado, a mulher respondeu, “Nero a descreveu para mim. E é meu serviço conhecer todas as pessoas dessa cidade. Você é obviamente uma estrangeira por aqui, e se encaixa na descrição. Nero a enviou aqui? Com nossas comunicações cortadas, pensamos mesmo que Nero nos enviaria um mensageiro.”
Alis soube instantaneamente que essa mulher ainda não ouvira a respeito da morte de Nero. Aparentemente, as comunicações foram cortadas antes que ele morresse. Segurando as lágrimas que ainda a visitariam muitas vezes em sua vida, ela explicou.
“Meu irmão Nero está morto. Ele foi morto por robotcops quando eles descobriram o ponto de encontro do movimento de Camineet”. Lokia estava visivelmente abalada pelas notícias.
“Estou aqui porque o último desejo de Nero foi o de que eu encontrasse um homem chamado Odin. Nero acreditava que ele é a chave para destruir Lassic. E me disseram que Odin não está aqui.”
“Sim, sim, Odin não é visto há muitos dias. Meu Deus, Nero está morto? Sinto profundamente. Ele era nosso mais valioso líder.” Ele parou, recuperando-se, “informarei aos outros membros do movimento Scioniano. Precisamos nos recuperar desse golpe, ou estaremos perdidos. Mas Odin, ele deixou a cidade a muitos dias atrás e ainda não retornou.”
“E quanto ao gato falante que viajava com ele? Disseram-me que seu bichinho de estimação foi vendido para um homem em Motávia”.
“Ah, sim, Myau. Ele não é um bichinho. Myau lutava ao lado de Odin. Realmente uma criatura maravilhosa que desejava, tanto quanto nós, libertar Algol do domínio de Lassic. Ele é de uma espécie de gatos chamada de Almiscarados. Ele residem em um campo próximo. São muito inteligentes e alguns poucos são excelentes guerreiros. Infelizmente, sem comércio chegando pelos portos, muitas pessoas nessa cidade começaram a caçá-los e vendê-los para visitantes de outras terras. Eles saem por um bom preço, e essas malditas pessoas já acabaram com quase todos eles.”
“Gatos lutadores? Incrível… Os gatos não resistiram à captura?” Alis perguntou, visivelmente fascinada.
“Só uns poucos lutam bem. A maioria são criaturas pacíficas e dóceis, que vivem tranquilamente. Eles não tem defesas contra grupos de caçadores bem armados. Mas Myau, vendido para um motaviano? Isso é terrível. Precisamos levá-la até ele. Se alguém pode encontrar Odin, esse alguém é ele. Vá encontrar o homem da loja de itens, descendo a rua. Ele vai ajudá-la.” Lokia apertou a mão de Alis, a compaixão evidente em sua expressão. “Sinto muito, muito mesmo por sua perda. Espero que um dia todos os palmianos possam se libertar desse pesadelo”. Dizendo isso, Lokia soltou a mão de Alis e logo saiu de vista, deixando Alis sozinha mais uma vez.
Avistando a loja de itens da qual Lokia falara, Alis desceu a rua. A loja jazia solitária em meio a algumas cercas. Entrando, Alis imediatamente reconheceu as marcas registradas de uma loja de itens. Papéis, bugigangas e máquinas estavam empilhados de forma desordenada nas estantes que percorriam os muros, enquanto caixas preenchiam o chão. Aparentemente todas as lojas de itens de Palma tinham o mesmo estilo. Alis se aproximou do balcão, e o senhor do balcão virou-se para ela.
“Disseram-me que o senhor pode me ajudar,” disse Alis discretamente, tentando se comunicar com o homem sem entregar muita coisa.
“Não sei quem lhe contou. Melhor esquecer.” O senhor obviamente queria que essa estranha saísse logo da loja.
“Mas Lokia me enviou, ela disse que…”
O homem a interrompeu, falando mais alto do que antes, “Já lhe disse que ninguém pode fazê-lo, volte de onde veio.”
“Sou a irmã de Nero Landale, Alis. Vim para vingar sua morte.”
A atitude do dono da loja passou rapidamente de irritação para choque e desespero. “Nero está morto?…” Essa pergunta ficou sem resposta em meio ao silêncio. Seu tom de voz tornou-se mais suave. “Tudo bem, tudo bem. Vou ajudá-la. Por Nero, relaxe. Desculpe-me por minha rudeza, mas existem espiões e simpatizantes por essas bandas ultimamente.”
Alis ficou feliz com a mudança. “Preciso ir para Motávia, para localizar Myau, o gato almiscarado de Odin.”
“Ah, viagens interplanetárias são difíceis ultimamente. O espaçoporto está fechado para o povo.” Uma pausa. “Mas existem formas de se contornar isso”. Ele deixou o aposento, desaparecendo por uma portinha nos fundos da loja. Voltando logo depois, ele trazia um livreto nas mãos. “Isso, isso permitirá que você entre no espaçoporto. Uma vez lá dentro, você estará por sua própria conta. Não posso fazer mais nada por você. Antes dele fechar, passaportes estavam à disposição de todos, mas não sei agora. Posso apenas rezar para que você cumpra seu destino”.
Pegando o livreto, Alis sorriu graciosamente, virou-se e andou rumo à porta. “E rezo para que você seja recompensado por sua gentileza, nesse ou no outro mundo.” E ela se foi.
Com esse livreto, o espaçoporto estaria aberto para ela. E assim ela esperava, o caminho para Motávia também. Além de tudo isso, estaria Myau, e, se tudo corresse bem, o próprio Odin. Até então, tudo estava dando certo. Mas com cada novo sucesso, mais e mais obstáculos se tornavam aparentes. Quanto tempo levaria até que ele encontrasse seu destino? A morte de Lassic por suas próprias mãos… O quão arrogante ela poderia ser a ponto de acreditar que poderia atingir um objetivo tão distante? Quanto tempo levaria até que a realidade da situação a atingisse?
Estas eram perguntas que frequentemente atormentavam-na. Mas, como sempre ocorrera no passado, elas eram afastadas com uma simples lembrança: a de seu irmão, e de sua tentativa de vingá-lo. Ela não poderia dar menos que seu máximo, e se Deus quisesse, ela triunfaria. Ou morreria tentando.