Por James Maxlow e Mike Ripplinger
Traduzido por Orakio Rob
Já faziam meses da última viagem de Alis em campo aberto. Frequentemente ela e Nero caminhavam até a costa, parando na cidade portuária de Scion para ver novas besteirinhas que chegavam de cidades além-mar. Alis ainda usava o medalhão de lacônia que Nero havia comprado para ela há cinco anos atrás. Era a única lembrança de seu irmão que tinha alguma importância, aquilo significava tudo para ela.
Isso tudo foi antes do planeta se tornar uma letal armadilha, muito antes de Lassic virar as costas para seu povo. Quando os primeiros monstros começaram a aparecer em grupos isolados nas florestas, alguns acreditaram que seria passageiro. Afinal de contas, haviam criaturas assim no passado. Os palmianos mais ousados chegaram a partir em grandes “caça aos insetos,” como ficaram conhecidas tais incursões. Apostar no sucesso dos aventureiros logo tornou-se um popular passatempo. Grandes quantias de dinheiro correram de mão em mão enquanto as pessoas se divertiam com seu novo interesse.
Mas algo logo tornou-se claro. À medida que mais e mais aventureiros (alguns apenas em busca de emoção, outros apenas interessados na fama e na fortuna que acompanhavam as vitórias) partiam para confrontar as criaturas, menos deles retornavam. Muitos que partiam para pequenas viagens de 2 ou 3 dias não eram mais vistos por semanas. A maioria deles não era vista nunca mais. Aqueles que retornavam contavam histórias sobre o rápido crescimento da população de monstros. Eles advertiram os outros para que deixassem essa tolice para trás, mas foram ignorados (Aqueles que permaneciam em casa achavam que essa retratação era apenas uma forma dos caçadores justificarem suas derrotas).
E assim foi até que os comerciantes, aqueles que ganhavam a vida viajando pelas áreas selvagens entre as cidades, começaram a desaparecer, e então o povo entendeu a verdade. Mutações mágicas e horrendas tomaram conta das colinas e florestas. Os grupos de caçadores desistiram de seu negócio, retornando a suas causas mundanas. Ninguém visitava outras cidades se não tivesse um bom motivo. O turismo morreu e o comércio declinou.
Conforme o problema piorava, o povo esperava por uma resposta do governo. Os magistrados, barões e milícias locais estavam entupidas de pedidos para que suas tropas expulsassem os monstros do planeta. Infelizmente, o governo tomou um rumo diferente. Viajens não essenciais entre as cidades foram consideradas fora da lei. Os portos foram fechados. A lei marcial foi instituída. Robotcops começaram a patrulhar as cidades. O espaçoporto estava aberto apenas àqueles que eram importantes o suficiente (ou ricos o suficiente) para possuírem um passaporte. Mesmo Motávia havia sido assolada pela praga dos monstros, não deixando sequer uma área segura para o povo.
Logo espalhou-se entre a população o boato de que havia algo muito errado nos mais altos círculos do poder. Lassic estava morto, tendo sido substituído por outra pessoa. Lassic havia deixado Palma e fixado residência em Motávia; O próprio Lassic era responsável pelos ataques dos monstros, em uma tentativa de exterminar seu próprio povo, orientado por uma religião oriunda dos confins da galáxia. Qualquer desses rumores poderia ser verdadeiro, mas isso não importava. A vida em Palma havia se tornado um inferno, a despeito da causa disso.
Esses fatos ja eram de conhecimento de Alis há algum tempo. Embora nunca tenha participado do movimento de resitência, seu irmão sempre a mantinha informada dos últimos acontecimentos. Ela estava tão próxima aos acontecimentos quanto uma pessoa poderia estar sem cruzar a linha entre uma “cidadã responsável” e uma “radical perigosa.” E agora, parecia a Alis que ela carregava o futuro de Palma em seus ombros. Se ela falhasse, não haveria ninguem para continuar com a causa. Talvez sua visão fosse um pouco egocêntrica, mas esses tempos atuais inspiravam pensamentos extremos em muitos.
Em um ritmo animado, a viagem até Scion levaria uns dois dias. Isso, se não houvessem interrupcoes. Ela havia treinado a espada com Nero desde criança (e podia facilmente derrotar qualquer garoto em seu segmento educacional) mas nunca havia lutado contra um monstro. Com um pouco de sorte, ela não teria que por suas habilidades à prova tão cedo.
Em pouco mais de meia hora de jornada, não havia surgido nenhum sinal de ameaça. Bem ao longe, nas proximidades da floresta, ela pensou ter visto algum movimento, mas ela foi cuidadosa o suficiente para se manter distante daquela área. Aqui, em campo aberto, ela poderia prever com antecedência a aproximação do perigo.
Ao menos, a idéia era essa.
Do nada, ao que parece, surgiu um zumbido alto, como o som de um enxame de abelhas. Alis olhou em volta, buscando sua origem, enquanto brandia a espada, mas o som parecia vir de todos os lados. Sem aviso, algo muito grande e rápido passou por ela, arranhando seu ombro. Enquanto ia ao chão, ela viu o que parecia ser uma grande e horrenda mosca que pairava no ar, aparentemente preparando-se para atacá-la novamente. Desconcertada por sua presença, ela mal conseguiu rolar para o lado e esquivar-se do segundo ataque do monstro.
Pondo-se de pé, Alis preparou novamente a espada, erguendo-a paralelamente ao solo, na altura dos ombros. A mosca preparou-se para o ataque novamente, mas dessa vez os instintos de Alis entraram em ação, e ela estudou o movimento da criatura. Quando esta voltou-se para ela, Alis fincou os pés no solo ganhando firmeza. Então, quando a mosca mergulhou em sua direção, Alis rapidamente esquivou-se para o lado, e virando-se manejando a espada em uma curva descendente, acertou a criatura logo abaixo do pescoço, fatiando uma das asas da mosca e deixando um ferimento em seu corpo. A criatura foi ao chão, com a asa esquerda ainda se movendo; pouco depois, ela parou, seus movimentos cessaram.
Paralizada em descrença, Alis ficou ali mesmo um longo tempo enquanto revia em sua mente os acontecimentos recém-ocorridos. Não haviam histórias ou contos de guerreiros que pudessem tê-la preparado para isso. Se não tivesse reagido tão rapidamente ao primeiro ataque, certamente estaria morta. Isso não era um jogo, nem um torneio de escola. Um medo intenso a assolou; Como ela poderia triunfar em um planeta cheio dessas… coisas, sem contar aquilo que as originava? Sem pensar, sua mão esquerda alcançou o medalhão, e apertou-o suavemente. Naquele momento o medo desapareceu. Não importava quantos haviam; Ela tinha que alcançar a vitoria. E não se contentaria com menos.
Deixando aquela coisa aparentemente morta (ou quase morta) para trás, ela voltou a viajar pelos campos. Da próxima vez, ela estaria preparada. Ela não seria surpreendida mais uma vez, ao menos não por aquela fera em particular. O cáustico zumbido permaneceria em sua memória, pronto para alarmá-la quando ela o ouvisse novamente. Era sua primeira vitória na longa tarefa que se erguia diante dela, e ela a havia conquistado.
Uma hora depois ela mais uma vez teve companhia. Seus sentidos não haviam se enfraquecido nem por um minuto. Pelo contrário, dessa vez foi ela quem surpreendeu o monstro.
Enquanto ela adentrava uma pequena clareira arborizada (tinha sido impossível contorná-la) ela avistou uma desagradável criatura semelhante a um escorpião, como aqueles que ela costumava ver na costa há muito tempo atrás. No entanto, essa criatura tinha dez pés de comprimento, com uma cauda que se erguia a uns bons cinco pés do solo. Com uma coloração vermelho-sangue, a criatura estava em frente a um objeto que Alis não podia distinguir muito bem. Antes que pudesse alterar sua rota e se distanciar um pouco da criatura, esta virou-se e a viu, soltando um baixo e gutural grito.
Ela movia-se devagar e de maneira estranha, mas Alis pôde ver que sua cauda era rápida e provavelmente letal. A criatura avançava rastejando, com suas presas abrindo e fechando, enquanto ela aguardava pacientemente. Quando estava a apenas quatro pés de distância dela, Alis avançou lançando-se para a esquerda, rolando para pôr-se novamente de pé, mal conseguindo evitar o golpe rápido da cauda. Virando-se, Alis simultaneamente descia a espada no ponto em que a cauda se unia ao corpo do monstro. A cauda tombou, embora ainda estivesse ligada por tendões e ossos à criatura. O escorpião, emitindo um horrível grito, virou-se ferozmente, e sua cauda pendente atingiu as pernas de Alis, levando-a ao chão. Ela rolou, e enterrou a espada nas costas da criatura. Esta soltou um último, e fraco gemido, e morreu. Notando a dor em suas pernas pela primeira vez, Alis caiu de joelhos, sucumbindo a dor. Mesmo com uma armadura esse teria sido um machucado e tanto; A criatura devia ter muita força.
Foi então, de joelhos, que ela viu o objeto que a fera estava guardando. Era um pequeno baú, igual àquele que ela havia visto nos fundos da loja de antiguidades. Cuidadosamente ela se ergueu, e caminhou até a caixa. Ela tentou erguer a tampa, mas a mesma não se movia. Notando a fechadura, ela fincou a espada na mesma e usou-a como uma alavanca. A trava se abriu, e ela ergueu a tampa. O que seus olhos viram a deixou maravilhada.
Dentro do baú, brilhando ao sol, haviam dezenas de moedas, do tipo que era usada normalmente nas grandes cidades. A sorte sorriu para mim hoje, ela pensou. Ela contou mais ou menos duzentas mesetas enquanto colocava as moedas na sacola.
Mas havia mais algo. Bem no fundo do baú, havia um papel gasto, de pontas dobradas, obviamente muito antigo. Ela gentilmente apanhou-o, e se esforçou para entender as fracas inscrições contidas nele.
Aos poucos, ela começou a reconhecer os caracteres arcaicos… Estavam escritos em uma linguagem muito, muito antiga chamada Desan. Em sua infância, Nero a havia ensinado essa linguagem há muito não utilizada. Ele sempre disse que o conhecimento acerca do passado traria consigo a sabedoria no futuro. E agora, essas lições começavam a vir à tona. Parecia ser… algum tipo de técnica, um tipo de magia. Apenas magos da mais alta ordem podiam utilizar magia hoje em dia; apesar dela ter prevalecido na antiguidade algoliana, seu apelo havia desaparecido há muito tempo. Mas lá estava um papel, detalhando, exatamente, como utilizar uma magia. Se ela interpretou corretamente o texto, a magia permitiria a ela curar ferimentos no corpo, restaurar sua saúde e sua força. Na verdade, esse achado foi mais valioso do que qualquer meseta; e, de acordo com o texto, não era difícil executar a magia. Só era necessário um pequeno conhecimento de Desan para dominá-la.
Estudando intensamente o papel, Alis extraiu tudo o que pôde do documento. Após alguns minutos, satisfeita por haver compreendido bem o suficiente, ela se ergueu. Depois de olhar em volta para se certificar de que nenhum monstro se aproximava, ela pôs o papel e sua espada no chão. Ela fechou os olhos e começou a se concentrar.
Alis permaneceu imóvel como uma estátua, enqunto voltava-se para si mesma, deixando que os pensamentos sobre o manuscrito em Desan passeassem por sua mente. Ela então sentiu o que só poderia ser descrito como um calmo e suave fluxo de energia percorrê-la, começando por sua cabeça até alcançar sua perna ferida. Assim, tão rápida como havia chegado, a sensação se foi.
Seus olhos se abriram e ela olhou em volta. Nada parecia diferente a sua volta. Voltando os olhos para o chão, ela percebeu que a dor em sua perna havia desaparecido. Ela parecia tão bem quanto sempre esteve. Alis rapidamente retirou o pedaço de armadura que cobria a região, e examinou sua perna. Não havia ferimento, nem sequer uma marca. Com certeza havia antes, mas não havia sinal de mais nada agora. A magia havia funcionado, agora ela dispunha de uma arma de verdade.
Recolocando a armadura, ela guardou o escrito em Desan na sacola, colocou-a sobre o ombro, e pegou sua espada. Ela atravessou a clareira, continuando a seguir rumo à distante Scion. Essa seria a menor dentre as surpresas que ainda a aguardavam.