Autor: Olfer Bragdale
Em meio a densa escuridão que cerca o planeta Dezolis, uma pequena fogueira resiste ao vento e ao frio para fornecer luz e manter aquecido um vulto encurvado, sentado sobre uma grossa manta de lã cinzenta estendida sobre o chão coberto de gelo. Oki, seu nome é Oki. E seus olhos vermelhos como sangue refletem a luz das inquietas labaredas em meio a densa nevasca que cobria os céus escuros.
Em uma pequena clareira localizada entre as encostas de uma imensa cadeia de montanhas e uma velha floresta, Oki olhava para as chamas pensativo. E já não se movia há quase uma hora, sempre fitando a luz da fogueira, refletindo sobre o estranho sonho que tivera na noite passada.
E sentia frio. E sentia fome. E Oki sentia medo. Mas o medo não era um companheiro indesejado. Certamente a vida de um guerreiro se constrói sobre esse sentimento. Por tantas e tantas vezes fora atacado por ele. Na verdade o medo era, para Oki, um companheiro constante e ele gostava de pensar que era bem vindo. Não tinha dúvidas: o medo é um amigo a quem sempre se deve dar ouvidos; porém, deve-se tomar muito cuidado antes de deixar que ele dê a palavra final sobre seus atos.
Muitas vezes Oki estivera cara a cara com o quente bafejo da goela vermelha de alguma fera e, quando o medo se mostrava, podia buscar nele as forças de que necessitava para sobreviver. Quantas vezes vira uma fria lâmina cortar o ar buscando abrir a sua carne e, nesse instante, o medo se apresentava e lhe emprestava velocidade e força. O medo o ajudara a correr mais rápido quando necessário; a nadar ultrapassando os limites do corpo; a exigir dos seus músculos cento e dez por cento de sua capacidade. Um amigo, com certeza. Para um guerreiro o medo pode ser um amigo. E quantas vezes sentira medo no passado? Não sabia. Mas sabia que gostava sempre de sentir medo quando necessário. Era um sentimento bem vindo.
Era assim que lidava com o medo. Mas naquele instante havia algo diferente. Sonhos ou premonições não eram o que mais agradava aos de sua raça. Mas Oki era diferente dos de sua raça. Os ancestrais de seus irmãos eram feitos de força, vontade e gosto pela batalha. Mas, separando sua tribo das tradições ancestrais estava o frio e solitário vazio negro do cosmo. Sua vida e a de seus irmãos havia sido diferente desde que atravessaram o mar escuro do espaço infinito. Com os habitantes do mundo gelado aprendera o significado da magia, do misticismo, e conhecera as verdades sobre as energias sombrias e os espíritos de luz que povoavam a dimensão superior da existência de Algo. Por isso, sonhos e premonições não seriam suficientes para assustar Oki. O que lhe causara medo foi a incerteza do futuro.
Sentado, no tapete branco do planeta frio, olhando para a fogueira a sua frente, pôde ver as chamas diminuírem até quase se apagarem e então as línguas de fogo deixaram a madeira de que se alimentaram e se ergueram no ar, como uma bola de luz e força, girando rapidamente em torno de si, tão rápido que Oki não foi capaz de contar quantas voltas já haviam sido completadas antes que a esfera se levantasse à altura de seus olhos.
E seus olhos começaram a arder, e sua cabeça doía. E os olhos cor de sangue começaram a brilhar e se soltaram da face do guerreiro que, apesar disso, ainda podia ver a cena com tal nitidez que parecia que não estava sentado, mas flutuava e observava em todas as direções. E os olhos de Oki passaram a girar rapidamente e se fundiram numa única bola de luz vermelha que lentamente se aproximou do fogo agora brilhava mais forte um metro acima da madeira agora já coberta pela neve, passando a girar em torno daquele sol em miniatura.
Foi a vez do grande machado de aço, encostado ao lado de Oki erguer-se do solo girando rapidamente em torno de si, exalando um frio mortal que lhe fez sentir os ossos congelando. Com rotações velozes, o machado foi perdendo a nitidez e tornou-se um grande borrão escuro que foi diminuindo até que surgiu uma esfera fria e azul. Aproximando-se da representação do sol, a esfera criada pelo aço frio também passou a translacionar em torno da bola de fogo.
Por último, várias folhas das árvores a frente de Oki tornaram-se mais vivas e exalaram um brilho verde intenso. Desprendendo-se de seus galhos, formaram um ciclone verde e luminoso que passou a girar tão rápido a ponto de virar uma única massa, e encolheu-se em si mesma tornando-se a última esfera, da cor de uma esmeralda polida. E agora Oki estava diante da representação em miniatura do sistema solar de Algo, flutuando à sua frente, e todo o lugar estava iluminado pelo brilho branco que emanava do modelo.
Naquele instante uma sombra cobriu o céu, e desceu uma grossa e densa massa cinzenta que envolveu a representação do planeta verde. E este foi consumido pela escuridão. Mas ainda não era o fim. No lugar onde antes havia estado o brilhante Palma, havia restado um pequeno caroço preto que pulsava como um coração sombrio, e toda a luz que havia foi sendo aos poucos sugadas para o buraco negro. Primeiro, Motavia foi engolido; em seguida Dezolis desapareceu no denso vazio; e, logo, a esfera de fogo não resistiu ao poder da escuridão e também perdeu-se.
E Oki sentiu que nada havia restado. E tudo estava escuro. E a solidão e a tristeza que invadiram seu coração ele nunca foi capaz de descrever em palavras.
Nesse instante Oki acordou. Estava sozinho, encurvado, sentado sobre uma grossa manta de lã cinzenta no meio de uma grande clareira, entre as montanhas e a floresta, no frio Dezolis, que se cobria por uma forte nevasca. E sentia frio. E sentia fome.
E Oki sentia medo.
Fim da parte 1