Autora: Neilast
Tradutor: Bruno Cubiaco
Dahl sentou-se à frente de um terminal em seu escritório, no centro dos Laboratórios, que se situavam abaixo do continente ao extremo noroeste do planeta artificial. Eu sua mão direita ela segurava uma caneta que mordia sempre que ficava nervosa. Sua mão esquerda dançava sobre o teclado do terminal, digitando comandos e mais comandos que a logavam ao sitema de comunicação da rede de dados de Filha. Outro floreio de botões pressionados se seguiram, e logo Dahl achava-se conectada a Zelan.
“Olá,” disse um andróide masculino que havia acabado de aparecer na tela. Ele era similar a Wren em aparência, mas tinha um rosto mais fino e seu cabelo era mais claro. As placas cromadas em seu corpo eram douradas, ao contrário das de Wren, que eram prateadas.
“Meu nome é Warren, e você está conectada a estação Zelan,” o andróide disse. “Como posso ajudá-la?”
“Aqui é Dahlia Mallos, diretora de Palma II,” Dahl disse. Para enfatizar, ela mexeu suas orelhas e disse, “Uma das numanas. Eu preciso falar com o Mestre Wren. É muito importante.”
“Eu sinto muito, diretora, mas o Mestre Wren está muito ocupado com um novo projeto. Ele deixou ordens estritas para que não seja incomodado a menos que seja uma emergência.” O andróide parou e então perguntou, “Isso é uma emergência?”
Dahl suspirou. “Não. Não, não é. Olhe, você pode pelo menos me ligar com a Demi?”
“Certamente,” Warren disse. “Tenha um bom dia.”
O rosto de Warren desapareceu e foi susbtituído pelo de Demi. Sempre alegre e animada, Demi ficou radiante quando viu Dahl e disse, “Oh, Dahl! Que ótima surpresa!” Mas então, Demi percebeu o olhar preocupado no rosto de Dahl e também ficou preocupada. “Oh, Dahl. Qual é problema?”
“Eu preciso conversar com Wren, Demi,” Dahl disse. “Eu tenho… perguntas.”
“Perguntas?”
“Sim. Eu quero saber de onde venho. De verdade.”
Demi riu. Ela olhou para Dahl de maneira engraçada e perguntou, “O que você quer dizer, Dahl? Você sabe de onde veio. Você nasceu através da réplica do mesmo DNA que tem sido usado para criar todos os numanos.”
“Nasceu?” Dahl perguntou, era impossível não notar o tom de sarcasmo em sua voz.
“O que?”
“Nada. Olhe, eu sei em que outras… coisas o DNA tem sido usado. O que eu estou te perguntado é de onde o DNA veio?”
“Bem, o DNA foi tirado de Rika Ashley, a numana que acompanhou Wren, eu, e nossos amigos na campanha contra a Escuridão Profunda a dois mil anos atrás. Nossa, já se passou tanto tempo assim?”
Dahl balançou a cabeça. “É, Demi, eu sei disso tudo. Mas de onde o DNA de Rika foi tirado?”
Demi piscou. “Bem, Rika me disse que sua estrutura genética era baseada na de um protótipo que existiu antes do Grande Colapso.”
Dahl se sentou. Ela finalmente estava chegando em algum lugar. Foi um golpe de sorte o fato de Wren estar ocupado. Demi, aparentemente, estava muito mais disposta a conversar. Talvez seja porque ela, tendo a capacidade de sentir, podia simpatizar com a curiosidade de Dahl. Por que Dahl não havia perguntado a ela antes? Talvez ela simplesmente não tivesse tido a coragem. Talvez fosse mais fácil para ela pensar em si mesma como uma anomalia, e não parte de uma cadeia interminável na qual um dificíl legado e um futuro vital fossem totalmente dependentes de suas próprias ações.
“Como Rika sabia disso?” Dahl perguntou. “O Grande Colapso aconteceu a tanto tempo atrás. Mesmo naquele tempo essa era uma história antiga.”
“Rika aprendeu sobre este protótipo com Seed, o computador que a criou,” Demi disse.
“O que sabemos sobre esse protótipo?” Dahl perguntou. “Eu quero dizer, quem foi ela, ou ele?”
“Nós sabemos que era 'ela',” Demi disse. Ela não estava mais olhando para Dahl. Ela havia submergido em sua próprias incontáveis lembranças. “Sim, nós sabemos que era 'ela' porque Rika era uma cópia exata daquele protótipo, exceto por algumas melhorias genéticas. Mas não sabemos nada além disso… Mas qual o motivo da pergunta, Dahl? Apenas um interesse natural nas 'origens da Família'?”
“Acho que sim,” Dahl disse. “Eu quero saber quem eu sou.”
“O que você quer dizer? Eu sei quem você é!”
“Minha estrutura genética é em maior parte palmiana mas com alguns traços animais contidos. O que eu quero saber é de quem originalmente o DNA palmiano em mim pertencia.”
Demi ficou estática por um momento. Ela nunca havia pensado sobre este mistério antes. “É uma pergunta interessante,” ela disse. “Eu… Eu suponho que poderia ser qualquer um. Eu não vejo nenhuma maneira de descobrir isso. Eu quero dizer, Wren não saberia uma coisa dessas. O protótipo foi construído a alguns anos antes dele. E Wren nunca teve nenhuma experiência com engenharia genética até depois do colapso, quando ele encontrou Seed enquanto rodava diagnósticos nos sistemas planetológicos sobreviventes.”
“Wren me disse isso, enquanto trabalhava com Seed, Seed mandou os back-ups de seus arquivos para Zelan por segurança.”
“É verdade,” Demi disse. “Isso foi até mesmo antes de Rika ter sido criada. Foi com essas 'plantas' que Wren aprendeu como fazer numanos. Sim, Seed sempre protegeu muito sua pesquisa e criação. Na verdade, uma vez ele arriscou a segurança da própria Motávia só para ter certeza que Rika não corria nenhum perigo.”
“É. Então, aqueles arquivos antigos não teriam nenhuma informação sobre o protótipo, e de qual DNA palmiano ela foi feita? Eu quero dizer, se Seed sabia tanto…”
Os olhos de Demi se arregalaram e ela assentiu com a cabeça, com um sorriso correndo pelo seu rosto. “Oh, sim! Isso é muito bom! Eu não posso dar certeza de que os arquivos nos dirão algo que ainda não saibamos, mas, se há algo novo para aprender, aqueles arquivos serão o melhor lugar para começar a procurar.”
“Muito obrigado, Demi,” Dahl disse, sorrindo pela primeira vez. “Isso era tudo o que eu queria de ouvir!”
“Eu suponho que essa foi a razão de sua ligação,” Demi disse. Com uma piscada, ela adicionou, “Eu deveria ter esperado algo melhor do que apenas uma conversa ou alguma coisa do tipo…”
“Oh Demi,” Dahl disse com afeto. “Se você estivesse aqui, eu lhe daria um beijo!”
Demi sorriu.
“Agora me conecte a Wren, por favor,” Dahl sussurrou urgentemente. “Esse suspense está me matando!”
* * *
Tirotul estava em um estado de completa confusão. Quando ele acordou algumas horas depois do ataque, viu-se incapaz de falar ou se mover. Ele apenas havia sido apunhalado no ombro, mas Tirotul imaginava se algum dano catastrófico havia de alguma forma sido feita a ele.
A cada vez que seus olhos abriam, Tirotul via Bartolomeu sobre si, monitorando diligentemente sua condição. Ele trocou suas bandagens e aplicou bálsamo e desinfetante enquanto Tirotul dormia.
Baltazar estava próximo. Tirotul não podia vê-lo, mas ele podia sentir a presença do robô gigante e escutá-lo caminhando por ali. A pobre criatura estava irriquieta como nunca ficara em toda sua vida. Era a primeira vez desde a saída da linha de montagem que Baltazar não tinha nenhuma função vital para executar.
E por mais que ele tentasse, Tirotul não podia ver Betty.
Mas, não obstante seu ferimento e a terrível escuridão que seguira o ataque, tudo que ficava na mente de Tirotul, tanto pensando acordado como sonhando, era a criatura e sua súbita reanimação. O corpo que Tirotul e seus ajudantes haviam tirado do gelo estava claramente, incontestavelmente morto. Era apenas uma carapaça. Todo o tecido macio que deveria estar em seu interior havia apodrecido a muitos séculos atrás. Como uma carapaça, apenas uma massa oca de ossos, poderia ter vida prórpria?
Tirotul se lembrou que a criatura havia falado. Sim, ela havia dito algo que se parecia com uma frase em dezoriano, mas diferente. Se a criatura tinha milhares de anos de idade, como Tirotul suspeitava, talvez ela tivesse falado um dialeto dezoriano que se perdeu a muito tempo atrás. Parecia plausível; pelo menos era mais plausível do que o que havia mostrado ser verdadeiro até agora.
Na sua mente, Tirotul viu os buracos vazios onde os olhos da criatura deveriam estar. Apesar de vazios, Tirotul sentira como se a escuridão houvesse olhado profundamente em sua alma, mais do qualquer olhar já havia o feito. Isso o fez sentir um medo que penetrava todo seu corpo até o âmago de sua alma.
“Betty, tem algo acontecendo com o Dr. Urbanich,” Baltazar disse, se movendo para ficar ao lado de Bartolomeu.
Betty, que no momento estava usando seu único e pequeno apêndice, que se parecia com um braço, para manipular um braço de construção muito maior, voltou sua atenção para Tirotul. “Qual é o problema?”
“Olhe,” Baltazar disse. Sua mão em forma de pá apontou para uma ferida que aparecera perto do ombro direito de Tirotul.
Betty foi até ele, parou ao seu lado e inspecionou a ferida. Estava dura e preta. Um pus negro escorria dela. A pele em volta da ferida estava enrugada. Ela parecia infectada de alguma forma. Isso fez com que Betty se lembrasse de algo que viu quando ela acompanhou Tirotul ao pomar de seu avô em Palma II. Uma cesta de frutos havia sido posta em uma mesa fora da casa. A haste de um dos frutos havia se quebrado. Embora o fruto continuasse lustroso e macio, a haste estava enrugada e havia tomado uma cor marron-acinzentada, bem escura. E esse era o estado da pele que cercava a horrível ferida.
Sobre seu ombro, Betty ouviu Dark Force rir.
Ela se virou e olhou para seu despótico novo mestre. Dark Force se escorava em seu braço verdadeiro, inspecionando seu novo braço esquerdo de titânio com o único olho eletrônico desicriminador. “Esse é o efeito da Onda de Energia Negra em toda vida mortal,” ele disse.
“A Onda de Energia Negra?” Betty perguntou, não saindo do lugar para onde havia ido, ao lado de seu amigo.
“Sim. É uma força mágica que eu emano. Tudo em que toco é maculado por ela. Ela envenena o corpo; a maioria das vítimas da Onda morrem rapidamente. Para aqueles que conseguem sobreviver… Bem, eu apenas direi que suas almas logo seguem o mesmo caminho que seus corpos.”
“Como posso curá-lo?” Betty perguntou.
Dark Force riu brandamente. Ele correu seu dedo indicador pelo novo braço de metal. O trabalho de Betty devia tê-lo satisfeito, pois ele rompeu os fios que conectavam o novo membro ao braço de construção que Betty usara para criá-lo.
“Tu não podes curá-lo,” Dark Force disse. “Há apenas dois meios de poupar uma pessoa do sofrimento que a Onda Negra oferece.”
“Quais são eles?” Betty perguntou, se aproximando.
“Primeiro, tu podes matar o afligido. É claro, se tu nada fizeres, isto logo acontecerá de qualquer maneira.”
Se Betty fosse um dezoriano e não um robô, ela teria suspirado. “E a outra?”
Dark Force balançou seu novo dedo de metal na direção de Betty. “Não, não. Eu não o diria tão facilmente. Faças-me um novo corpo, e assim veremos.”
Betty ficou estática por um momento, mas então assumiu o controle do braço de construção novamente. “Muito bem. Baltazar, traga-me mais chapas de titânio. Tenho muito trabalho pela frente.”
O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/cr/cr3.html