Os estranhos que conhecemos - Parte I

Autora: Neilast
Tradutor: Orakio Rob

Havia quatro mundos no sistema estelar Algol. Seguro na segunda órbita estava o coração de Algol, Mota: a jóia brilhante, uma usina econômica e política, o ponto de encontro das culturas palmianas e motavianas nativas. Por mil anos vagou sem rumo, árida e pouco promissora, no espaço entre os mundos. Brilhou interminavelmente durante algum tempo sob a déspota Cérebro-Mãe, e então sofreu horrores incontáveis durante e após o grande colapso. Levou mais duzentos anos para se reconstruir, e chegar ao inenarrável esplendor que exibe agora!

E então havia Dezo, um mundo de ameno porém interminável inverno e coração espiritual de Algol. Foi lá que a fé nasceu. Dezo foi sua útero e seu berço, e foi de Dezo que surgiram os sacerdotes, que viriam, com o tempo, a espalhar seus ensinamentos de amor e fraternidade para todo o povo de Algol. Era ainda um mundo de muitos recursos, como o metal laconiano, e era, além disso, o centro de estudos sobre a antiga arte arcana da Magia Esper.

Nas profundezas escuras além de Dezo, nos mais distantes e frios confins do sistema Algol, flutuava Rykros, o puro e intocado mundo do mistério. Diz-se que naquele mundo viveram seres de espírito puro - alguns até mesmo os chamaram de anjos - forças eternas e conscientes de benevolência que para sempre observaram e esperaram por sinais da indesejada mas nunca esquecida temível possibilidade – um retorno de Dark Force, ou de sua mais maligna mestra, a Escuridão Profunda.

Já houve um outro planeta, um irmão dos outros mundos de Algol. Era conhecido como Palma, e foi lá que realmente nasceu o que hoje conhecemos como a civilização algoliana. Mas este se perdeu a muito tempo atrás, vítima do destino e de intenções demoníacas. Mas mesmo na forma que viria a assumir - a de um campo de asteróides que ocupou a velha órbita de Palma - serviu bem a Algol, como fonte de matéria prima, além de oferecer novas fronteiras a serem exploradas pelos inquietos.

Porém, mais uma vez Algol foi agraciado com um quarto mundo; um mundo que ela ajudou a criar.

Era Palma II, a quinta tocha, o quinto sino, a jovem criança de Algol, um mundo de aço, e plástico… e sonhos.

***

Homens e mulheres de Algol haviam explorado muito do universo nessa época. Nos últimos quinhentos anos, a cultura algoliana se espalhou para além de seu sistema rumo às estrelas próximas. Os dezorianos colonizaram stoi'ra, uma lua gélida no sistema Vendai rica em metal laconiano. Os motavianos nativos tomaram o desértico planetóide Trask, também orbitando Vendai, como seu próprio mundo.

Mas os palmianos tiveram sorte, pois seu segundo lar estava logo em seu quintal.

Palma II foi um sonho de gerações, um projeto que levou mais de trezentos anos desde seu início até estar completo. Começou de forma bem simples. Um dos maiores asteróides do Campo de Asteróides Palmiano foi rebocado do campo em AW 3380 e posto em uma órbita estável entre o campo e Mota. Por séculos foi utilizado como uma estação mineradora e posteriormente como uma colônia penal. Conforme a população da estação crescia, crescia também a ambição de seus ocupantes. Em AW 3578 a idéia de um “mundo artificial” foi introduzida pela primeira vez, mas as limitações tecnológicas impediram que o plano fosse adiante. Mas em AW 3956, após muitos avanços na engenharia espacial, a faísca do plano foi reacendida, e a construção recomeçou.

Camada após camada de plástico, aço, lacônia e titânio foram construídas sobre o asteróide, uma sobre a outra. As camadas eram repletas de passagens e colônias internas, como uma colméia, cada uma destruída e realocada conforme o planetóide se tornava mais encorpado. Em AW 4126, a formação do terreno da superfície de Palma II começou. Mesmo na época dela, esta permaneceu incompleta. O oceano não estava completamente cheio. Havia frequentemente racionamento de alimentos. Apesar de abundância de território habitável em Palma II, tanto na superfície quanto nas estações sob a crosta do planeta, o novo mundo era chamado de lar por menos de um milhão de pioneiros.

Mas ainda assim, a operação foi um triunfo. Os homens de Algol criaram um novo mundo. Em lugar algum do universo eles viram algo parecido. Não havia mais ninguém além da Grande Luz que pudesse ostentar glória que Algol ostentou.

E ela contribuiu para que tudo isso acontecesse.

Ela era Dahl Mallos, uma engenheira e bióloga que subiu ao topo de sua área após graduar-se com honras na Universidade do Oeste de Piata em Mota. Quando ela se se erguia sobre a superfície do trabalho daquele mundo quase encerrado, não podia evitar um sorriso enquanto pensava em como os sorrisos dos engenheiros e cientistas de muito tempo atrás se abririam se pudessem contemplar o que ela contemplava agora.

Ao seu lado estava Erol Grant, seu parceiro na estabilização ecológica de Palma II. Apesar do trabalho deles estar longe de terminar, eles sentiam muito orgulho ao verem os frutos de seu trabalho.

O que outrora fora um mar de metal sem nada de especial havia se tornado um terreno fértil, repleto de árvores. Eles estavam de pé sobre uma colina, e abaixo deles e a leste se estendia a savana selvagem até alcançar, a quilômetros de distância, um dançante oceano azul. Bem além das águas, com apenas suas pontas visíveis, jaziam os nublados picos de montanhas cobertas de neve.

Erol suspirou. “É… é lindo.”

“Não,” Dahl o corrigiu com seus próprio suspiro. “É beleza.”

Erol olhou para sua companheira numana com um sorriso e se encostou numa árvore, os seus braços cruzados atrás da cabeça, um ar de completa felicidade e relaxamento tomou sua jovem e bela face áspera.

“Você tem razão, Dahlia,” ele disse. “

Dahl fez cara de brava ao ouvir seu nome completo ser pronunciado em voz alta, mas era uma zanga forjada, apenas para render uma reação de Erol. Dahl esticou os ossos enquanto observava a quente e maternal luz de Algol surgir por sobre o horizonte oceânico. Uma brisa morna e salgada vinha da água e corria magnificamente pelos cabelos de Dahl, cuja cor quase se igualava à da saia de carbono que ela vestia. Suas brilhantes botas prateadas rangiam na grama fofa enquanto ela andava na direção de Erol e se apoiava contra a árvore, em seus ombros, com sua face ao lado da de seu amigo.

“Eu não preciso mais desse casaco de fibra estúpido,” Erol disse enquanto abria o zíper e tirava a jaqueta vermelha que trajava. “Está muito mais quente agora. Me sinto confortável até de mangas curtas!”

Dahl acariciou o cabelo castanho claro de Erol com afeto. “Seu Sistema de Controle do Clima está funcionando melhor do que eu esperava. Está bem adiantado, também.”

O sorriso de Erol se abriu com orgulho. “Sim, mas o crédito não é só meu. Além do mais, o Climatrol seria inútil sem as plantas e a água criadas pelo Departamento de Biologia. E você, minha cara, tem sido nossa luz guia. Isso nunca teria acontecido sem você.”

“Bem, acho que a genética está no sangue numano,” disse Dahl com um sorriso.

“Acho que você tem razão,” disse Erol. Após uma pausa ele perguntou, “e o que está no sangue palmiano?”

Mil pensamentos correram pela mente de Dahl. Ingenuidade. Ódio. Guerra. Amor. Orgulho. Progresso. Mas tudo isso valia para as outras raças tanto quanto para os palmianos.

“Sexo,” ela respondeu, simplesmente.

Erol gargalhou bem alto. “Bem, suponho que você esteja certa quanto a isso!” ele disse rugindo, com um sorriso.

“Ugh, no que eu fui me meter?” Dahl lamentou, fingindo um grande sofrimento. Com isso ela se voltou para o oeste, longe do nascer do sol, e desceu pela rampa de um discreto caminho que levava para os Laboratórios de Formação do Terreno nos subterrâneos, com o jovem Erol Grant logo atrás dela.

O original em inglês desse texto pode ser encontrado em http://users.skynet.be/fa258499/beyondalgo/story/tswk/tswk1.html