====== A Semente do Mal ====== **Autor:** [[olferbragdale@gmail.com|Olfer Bragdale]] ===== Prólogo ===== Em meio a densa escuridão que cerca o planeta Dezolis, uma pequena fogueira resiste ao vento e ao frio para fornecer luz e manter aquecido um vulto encurvado, sentado sobre uma grossa manta de lã cinzenta estendida sobre o chão coberto de gelo. Oki, seu nome é Oki. E seus olhos vermelhos como sangue refletem a luz das inquietas labaredas em meio a densa nevasca que cobria os céus escuros. Em uma pequena clareira localizada entre as encostas de uma imensa cadeia de montanhas e uma velha floresta, Oki olhava para as chamas pensativo. E já não se movia há quase uma hora, sempre fitando a luz da fogueira, refletindo sobre o estranho sonho que tivera na noite passada. E sentia frio. E sentia fome. E Oki sentia medo. Mas o medo não era um companheiro indesejado. Certamente a vida de um guerreiro se constrói sobre esse sentimento. Por tantas e tantas vezes fora atacado por ele. Na verdade o medo era, para Oki, um companheiro constante e ele gostava de pensar que era bem vindo. Não tinha dúvidas: o medo é um amigo a quem sempre se deve dar ouvidos; porém, deve-se tomar muito cuidado antes de deixar que ele dê a palavra final sobre seus atos. Muitas vezes Oki estivera cara a cara com o quente bafejo da goela vermelha de alguma fera e, quando o medo se mostrava, podia buscar nele as forças de que necessitava para sobreviver. Quantas vezes vira uma fria lâmina cortar o ar buscando abrir a sua carne e, nesse instante, o medo se apresentava e lhe emprestava velocidade e força. O medo o ajudara a correr mais rápido quando necessário; a nadar ultrapassando os limites do corpo; a exigir dos seus músculos cento e dez por cento de sua capacidade. Um amigo, com certeza. Para um guerreiro o medo pode ser um amigo. E quantas vezes sentira medo no passado? Não sabia. Mas sabia que gostava sempre de sentir medo quando necessário. Era um sentimento bem vindo. Era assim que lidava com o medo. Mas naquele instante havia algo diferente. Sonhos ou premonições não eram o que mais agradava aos de sua raça. Mas Oki era diferente dos de sua raça. Os ancestrais de seus irmãos eram feitos de força, vontade e gosto pela batalha. Mas, separando sua tribo das tradições ancestrais estava o frio e solitário vazio negro do cosmo. Sua vida e a de seus irmãos havia sido diferente desde que atravessaram o mar escuro do espaço infinito. Com os habitantes do mundo gelado aprendera o significado da magia, do misticismo, e conhecera as verdades sobre as energias sombrias e os espíritos de luz que povoavam a dimensão superior da existência de Algo. Por isso, sonhos e premonições não seriam suficientes para assustar Oki. O que lhe causara medo foi a incerteza do futuro. Sentado, no tapete branco do planeta frio, olhando para a fogueira a sua frente, pôde ver as chamas diminuírem até quase se apagarem e então as línguas de fogo deixaram a madeira de que se alimentaram e se ergueram no ar, como uma bola de luz e força, girando rapidamente em torno de si, tão rápido que Oki não foi capaz de contar quantas voltas já haviam sido completadas antes que a esfera se levantasse à altura de seus olhos. E seus olhos começaram a arder, e sua cabeça doía. E os olhos cor de sangue começaram a brilhar e se soltaram da face do guerreiro que, apesar disso, ainda podia ver a cena com tal nitidez que parecia que não estava sentado, mas flutuava e observava em todas as direções. E os olhos de Oki passaram a girar rapidamente e se fundiram numa única bola de luz vermelha que lentamente se aproximou do fogo agora brilhava mais forte um metro acima da madeira agora já coberta pela neve, passando a girar em torno daquele sol em miniatura. Foi a vez do grande machado de aço, encostado ao lado de Oki erguer-se do solo girando rapidamente em torno de si, exalando um frio mortal que lhe fez sentir os ossos congelando. Com rotações velozes, o machado foi perdendo a nitidez e tornou-se um grande borrão escuro que foi diminuindo até que surgiu uma esfera fria e azul. Aproximando-se da representação do sol, a esfera criada pelo aço frio também passou a translacionar em torno da bola de fogo. Por último, várias folhas das árvores a frente de Oki tornaram-se mais vivas e exalaram um brilho verde intenso. Desprendendo-se de seus galhos, formaram um ciclone verde e luminoso que passou a girar tão rápido a ponto de virar uma única massa, e encolheu-se em si mesma tornando-se a última esfera, da cor de uma esmeralda polida. E agora Oki estava diante da representação em miniatura do sistema solar de Algo, flutuando à sua frente, e todo o lugar estava iluminado pelo brilho branco que emanava do modelo. Naquele instante uma sombra cobriu o céu, e desceu uma grossa e densa massa cinzenta que envolveu a representação do planeta verde. E este foi consumido pela escuridão. Mas ainda não era o fim. No lugar onde antes havia estado o brilhante Palma, havia restado um pequeno caroço preto que pulsava como um coração sombrio, e toda a luz que havia foi sendo aos poucos sugadas para o buraco negro. Primeiro, Motavia foi engolido; em seguida Dezolis desapareceu no denso vazio; e, logo, a esfera de fogo não resistiu ao poder da escuridão e também perdeu-se. E Oki sentiu que nada havia restado. E tudo estava escuro. E a solidão e a tristeza que invadiram seu coração ele nunca foi capaz de descrever em palavras. ---- Nesse instante Oki acordou. Estava sozinho, encurvado, sentado sobre uma grossa manta de lã cinzenta no meio de uma grande clareira, entre as montanhas e a floresta, no frio Dezolis, que se cobria por uma forte nevasca. E sentia frio. E sentia fome. E Oki sentia medo. //Fim da parte 1//