A GAZETA DE ALGOL

"O morto do necrotério Guaron ressuscitou! Que medo!"

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Lena dos mil sonhos

Autor: Orakio of the Domes
Tradutor: Orakio Rob

O sol, lentamente se pondo, brilhava em suas faces. A brisa do fim de tarde, que soprava determinada, agitava a grama e sacudia os insetos que pairavam no ar, fazendo com que estes dançassem. Lena olhava fixamente para o chão enquanto caminhava, sem se importar em conversar. A tranqüilidade do lugar ocultava o conflito de emoções dentro dela.

“Você está bem?” disse alguém hesitante às suas costas. Ela se virou e fitou a preocupada expressão de Lyle, o elegante príncipe Layano que ela amava e odiava ao mesmo tempo. Os lábios dela estremeceram enquanto por sua mente corriam incontáveis respostas possíveis.

Mas ela apenas murmurou uma afirmação. Ele lançou mais um olhar rumo à distante linha do oceano e virou-se, descendo a rampa coberta de grama. Os dois não iniciaram mais nenhuma conversa por um longo período, ambos envoltos em seus próprios pensamentos acerca dos eventos recentes.

O sol começou a escurecer e a noite se aproximava, e Lena percebeu, franzindo a testa, que eles não alcançariam a passagem que ligava Landen e Aquatica naquela noite. Eles fizeram um acampamento quando as estrelas começaram a brilhar e o frio chegou.

Ela parou diante do fogo, aquecendo suas mãos calejadas e tentando esquecer. Mas ela sabia que as lembranças permaneceriam em sua mente como uma dor de cabeça por semanas.

Lyle não deu muita bola para ela. De seu saco de viagem retirou uma pequena bolsa, de onde retirou algumas folhas aromáticas, amarronzadas em sua secura. Sem dizer nada, ele pegou duas pequenas taças, feitas de uma cerâmica forte e coberta de desenhos. Ele as preencheu de água quente, tirada do pequeno caldeirão improvisado sobre o fogo, e começou a esmagar as folhas sistematicamente. Lena observava os fragmentos caírem, induzidas pelo vento, nas taças.

A água adquiriu uma coloração agradável, um misto de ouro e marrom, enquanto as folhas se misturavam. Finalmente, depois do que pareceu ser uma eternidade, Lyle sorriu e entregou uma taça a ela. “Beba um pouco,” ele disse. “é uma receita Layana”.

Lena levou a taça aos lábios, e sorveu a fragrância, antes de permitir que o líquido adentrasse sua boca. O fluido escorreu por sua garganta, criando um calor dentro dela, e ela fechou os olhos, tentando extrair o máximo do momento. “Lena…”

Seus olhos se abriram agitados quando ela mais uma vez voltou seu olhar para seu companheiro. “Lena,” disse ele novamente. “Sinto muito pelo ocorrido, eu s-”

“Não,” interrompeu ela. “Eu fui uma tola”. Ela deu um sorriso amargo para ele. “Tenho vivido com uma venda sobre meus olhos”. Ela viu a expressão confusa dele, e prosseguiu. “Eu nunca esperei que ele dissesse sim. Por quê deveria? Eu… eu acho que foi só uma coisa repentina. Não há com o que você se preocupar”.

Lyle olhou para baixo, cachos verdes de seu cabelo ocultando nas sombras o seu rosto. “Claro”, ele suspirou aliviado. Ele retribui com outro sorriso, dessa vez mais genuíno. “Eu temi que você sentisse… raiva”.

“Com raiva?” Ela lançou a cabeça para trás numa risada. “Não. Desapontada, sim. Só que mais comigo do que com qualquer outra pessoa. Não vamos mais remoer isso. Não podemos fazer o relógio andar para trás e mudar a história”. O príncipe Layano concordou. Todo o mundo parecia sem movimento, como se tudo e todos ouvissem sua conversa. Lena quebrou o silêncio. “Gostei da sua bebida. Como se chama?”

Lyle pareceu pego de surpresa pela pergunta. Após um momento, respondeu, “Chá de calamina. É uma receita passada pela minha família, e lendas dizem que possui certos poderes regenerativos,” uma pausa, “mais para a mente e para a alma do que para o corpo físico”.

“De fato”, Lena disse, fitando o fundo da taça. Ela se pegou em devaneios, e tentou puxar mais uma conversa. “Layanos parecem ser mais espiritualizados que meu povo”.

“O que quer dizer?”

“Que vocês tem mais contato com o mundo etéreo. Orakianos tem tão poucas parábolas que, por vezes, tenho a sensação de que estamos todos violando algum poder superior”. Ela se retraiu, imaginando o que seu companheiro estaria pensando dela. “Mas isso é só minha opinião”.

“Eu… entendo”.

Lena analisou seu rosto. “Você se importaria… em me contar uma história ou duas?” Ela deu um pequeno sorriso. “Eu adoro ouvir boas histórias”.

Lyle franziu a testa, ainda incapaz de entender o que se passava na mente dela. “Claro”, ele disse. “Sobre o que você quer ouvir? Existem milhares de histórias na fé Layana, a maioria parte de nossa história.” Lena pensou por um momento, seus olhos vagando ao redor, como se ela esperasse que a resposta que ela esperava surgisse no ar.

“Amor”.

O príncipe levou um tempo para pensar em uma lenda adequada à ocasião, enquanto Lena fitava o interior de sua taça de chá de calaminta novamente, observando as folhas navegando lentamente no mar escurecido. “Havia um homem chamado Pavrel”, ele começou de repente. “Ele era o herdeiro de um reino de tamanho considerável cujo nome se perdeu nas brumas do tempo”. Sua voz crescia em força conforme as lembranças da história se formavam em sua mente. “Enquanto ele crescia, os apelos de seu pai para que ele escolhesse uma esposa se tornavam cada vez mais freqüentes”.

“No entanto, seu olhar não pairava sobre nenhuma dama por muito tempo. O príncipe não conseguia encontrar a esposa certa para ele. Então um dia, Pavrel visitava uma das cidades que seu pai governava, quando seus olhos caíram em uma mulher extraordinária. Pensou ser ela a mais bela visão que seus olhos já haviam contemplado, e ele parecia ignorar o fato de que ela pedia moedas.”

Lena esperou que ele prosseguisse. “Ele trajava roupas de plebeus, e a mulher era uma pedinte. Ela não tinha casa, nem família, e se soubesse que era o príncipe quem estava diante dela, jamais pediria dinheiro a ele. Pavrel parou diante dela, surpreso e maravilhado, e quando a mulher enfim percebeu a insígnia real que ele trazia no peito – necessária naquela época – correu, assustada.”

“'Espere!' o príncipe gritou. Mas ela já estava fora de vista. Ao retornar ao palácio, ele contou a seu pai, o rei, sobre o encontro, e disse que queria procurar pela mulher e fazer dela sua esposa. O rei jamais permitiria isso, entretanto, devido ao baixo status social da mulher, e o proibiu de fazê-lo. Os dois discutiram, e o príncipe se retirou, muito exaltado para fazer qualquer outra coisa.”

“Ele voltou à cidade onde primeiro avistara a mulher, e procurou por ela pelas ruas, verificando cada taverna suspeita e cada beco estreito. No entanto, ele nunca a encontrou.”

“Pavrel retornou ao palácio, desamparado, e tentou se esquecer da imagem da mulher. Mas não conseguia, e ele começou a imaginar que a via nos lugares mais estranhos – em seu prato de jantar, atrás de uma árvore, no trono de sua mãe. Suas alucinações o enlouqueceram, e ele teve que ser trancado no quarto, para o desespero de muitos.”

“Certa manhã eles o encontraram morto. Enforcara-se com os lençóis. Todo o reino sentiu a dor da perda de um filho, e de um futuro governante. E até hoje, ninguém viu aquela mulher, a pedinte, aquela que, em essência, o matou.

O ar da noite parecia esfriar, e trevas pareciam envolvê-los. Lena estremeceu. “Esse é o fim da história?” ela perguntou em um tom hesitante. Não era como ela esperava, mas ela estava grata de qualquer forma.

“Não”, respondeu Lyle. Ele bebeu mais um pouco do chá antes de prosseguir. “O príncipe se enforcou na véspera de um solstício de verão. Diz-se que no aniversário de sua morte, pode-se ver no céu uma estrela mais brilhante que as outras. O príncipe reencarnou como uma estrela, e brilha com fervor, mesmo na outra vida, continuando a busca pela mulher. E a cada cinqüenta anos mais ou menos – ao menos foi o que me contaram – outra estrela brilha tão forte quanto ele, e essa estrela é o espírito da mulher pela qual ele procurava, pedindo a ele que venha”. Ele disse as últimas palavras sorrindo.

Esticando-se, Lyle pegou a mão de lena, num aperto firme, porém confortável, e apontou para uma luz brilhante no céu que correspondia às palavras que saíram de sua boca momentos antes. A princesa de Satera não disse nada. Ele então levou a mão dela um pouco mais para leste, e mostrou uma outra luz igualmente brilhante, sussurrando, “Nunca perca a fé na alma humana. Ela desconhece limites”.


O sol que se ocultava desfazia apenas um única camada escuridão da noite, deixando o mundo suspenso em uma neutra luz cinza. O céu tinha cor de cobre e estava repleto de traiçoeiras nuvens. Lena ergueu-se de seu fino, rígido e pouco confortável catre feito de uma pilha de grossas ervas e gramas, e esfregou os olhos. Ainda que não pudesse lembrar-se disso, ela sabia que o sonho que estava tendo fora desagradável, e sentiu-se grata pelos sons da vida selvagem terem trazido-a de volta à realidade.

Enquanto sentava-se de pernas cruzadas, ela podia sentir restos do sonho erguerem-se como uma névoa matinal. Um fino rastro de fumaça girava sinuosamente com o vento, oriundo de uma pilha de cinzas formada pelos restos do fogo da noite passada. Lyle, que dormia ali perto, parecia distante de estar acordado, emitindo um suave e perpétuo ronco. Lena aproveitou o tempo sozinha para lembrar-se do passado, algo que ela vinha fazendo numa freqüência perturbadora ultimamente.

Ela fitou o nada enquanto sua mente escapava para o passado, para tempos mais felizes.

“Vou ajudá-lo a escapar. Siga-me.”

As palavras vieram quase sem que ela percebesse. Ela havia se esgueirado pelo calabouço, pensando apenas em salvar Rhys da prisão, porque ela acreditava firmemente no verdadeiro amor. Outros teriam-na chamado de romântica inveterada. Ela jamais pensara em levar isso adiante, entretanto. Mesmo assim, o amor havia sobrepujado sua mente lógica, e ela não pôde resistir.

“Arme-se bem e encontre Maia!”

Enquanto via-o desaparecer pela passagem, ela teve um ímpeto de lançar-se a ele, de implorar para que ele a levasse com ela. Mas por quê ele faria isso? Afinal, sua noiva era a dama Maia, e não ela, uma princesa Orakiana.

“Você trilhou um longo caminho desde nosso último encontro.”

Garota estúpida! ela se reprimiu. Isso é tudo o que você tem a dizer? Os olhos dela se encheram de felicidade e o mundo fez sentido pelo mais breve dos momentos, quando ela viu Rhys de pé diante dela. Ele ainda estava vivo, após uma série de angustiantes eventos, e isso fez com que ela se sentisse… orgulhosa.

“Lena?”

Uma voz a tirou de seu devaneio. “Vamos comer mais um pouco antes de partirmos novamente, ok?” Ela aquiesceu. Lyle contemplava preocupado o olhar distante nos olhos dela, mas voltou suas atenções à comida. Eles comeram quietos, vez ou outra tentando começar uma conversa com comentários rápidos sobre o tempo, mas Lena não parecia disposta a falar.

Mais ou menos uma hora depois, ambos estavam viajando novamente, seguindo para noroeste. “Você acha que conseguiremos alcançar o túnel para Landen hoje?” Lena perguntou.

“Acho que sim, ele não deve estar muito longe. Pode até ser que consigamos atravessa-lo hoje”.

“Que bom, eu sinto falta do meu lar. Lar, doce lar…” Mas o que pensarão de mim? ela se perguntava em silêncio. Rhys não retornou, e a culpa é minha. Afinal, eu o libertei. Serei eu uma traidora? Não havia resposta para seu agonizantes pensamentos. Um buzzgull atravessou seu caminho, não faminto por suas carcaças, e seguiu rumo aos retorcidos ramos de uma roseira onde silvava.

Parecia que uma sirene anunciava seu julgamento. Julgamento. A agourenta palavra ecoava em sua cabeça. Como irei encará-los, e não sentir vergonha?

Quando o sol brilhava alto no céu, e seus estômagos rosnavam por mais comida, eles se sentaram e lancharam – uma pequena, porém rejuvenecedora refeição composta de pão coberto pela deliciosa manteiga Sateriana, saborosos morangos, e mais um pouco de chá de calaminta.

Depois que se passaram algumas horas, após muitos goles de água de seus cantis, eles a avistaram. Ao longe, a massiva e íngreme face da montanha assomava, e parecia ficar ainda maior conforme eles se aproximavam. A escuridão no pé da montanha que levava até a passagem parecia ser a boca de uma fera terrível, e Lena sentiu-se encarando seu próprio destino.

Eles alcançaram a entrada enquanto o sol descia suavemente na direção do horizonte. Lyle adentrou a sombra da montanha, e apanhou a safira necessária para a abertura do túnel. Lena ficou onde estava, não ousando se aproximar mais. Ela sentia-se como se contemplasse a perpetuação de sua infelicidade, apenas um buraco negro jazia à sua frente. Traidora. Será que aquela única palavra resumiria todas as tragédia e triunfos de sua vida?

“Ainda que tenha buscado por Maia, eu escolho você.”

De onde vieram essas palavras? Elas ecoaram em sua mente, como se tivessem sido ditas bem ao seu lado, ainda que ela tivesse certeza de que Lyle não dissera nada. Enquanto buscava por suas origens, ela lembrou que Rhys havia dito algo desse tipo a ela uma vez. Ele havia encontrado conforto nela, sua confidente, e eles passaram noites sem dormir em tavernas decadentes conversando. “Sempre pensei que minha esposa seria não apenas minha amante, mas também minha melhor amiga” ele disse, esfregando as olheiras sob seus olhos. “Ainda que tenha buscado por Maia, eu escolho você como minha melhor amiga, Lena”. Ele sorriu, e nada mais importava para ela. “Você”.

O túnel se abriu e o ar, escapando, sibilou, enquanto luzes sinistras que mudavam de cor iluminavam o príncipe Layano. Ele voltou o rosto para Lena, respirando fundo. “Vamos?”

Lena sentiu um inesperado impulso de força interior de um reservatório até então desconhecido, dentro dela. Ela espantou seu medo tão impiedosamente quanto faria com um mosquito, e deu um passo adiante.


Que mistérios se ocultam em seus olhos;
Segredos profundamente enterrados;
Que horrores se escondem em sua máscara;
Só o tempo os manterá guardados;
Os ardentes poços de gelo ainda queimam;
E vem roer seu espírito cansado;
Enquanto memórias de dor e mágoa;
Permanecem para sempre como seu legado.

Texto original: http://www.phantasy-star.net/fanfics/orakio/lena.html

fanworks/fanfictions/fic-025.txt · Última modificação: 2009/01/13 11:58 por 127.0.0.1

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