A GAZETA DE ALGOL

"O morto do necrotério Guaron ressuscitou! Que medo!"

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Phantasy Star B-rai-N

Capítulo IV

Diário de Atividades Históricas, Agente Historiador Foresth registrando.
Data local DM 3112 AW 844

“Na data DM 2012 durante as pesquisas arqueológicas, a nave estelar Intrépida fora atacada por uma frota de naves rebeldes pertencentes aos nativos Palmanos. A nave caíra em Dezóris pouco depois de enviar uma série de sinais de socorro. Em resposta ao mesmo, imediatamente as equipes de resgate localizaram o ponto da queda onde estão trabalhando sem muitas esperanças para encontrar sobreviventes. O que ainda continua sem explicações são os motivos que fizeram os rebeldes abandonarem o local sem terem aproveitado a oportunidade para saquear o recém descoberto complexo sepultado em Skure, já que o fator desencadeador dessa ofensiva covarde fora os segredos contidos no mesmo.”

“A um dia de distância do local da queda, uma segunda equipe esta investigando a descoberta da doutora Verônica Eshyr. Ao que tudo indica, parece ser um antigo laboratório de um povo que estudava e catalogava, ou disseminava dados sobre a vida no universo, acredita-se também que esses seres deviam ter evoluído muito antes do que qualquer outra forma de vida, não como se representassem um Deus responsável pela criação do universo, mas somente como um povo avançadamente evoluído que semeou formas de vida inteligente no espaço a partir de sua própria essência. Ainda há muito a se estudar dessa civilização, os Arqueólogos não conseguem identificar todos os símbolos pois precisam de um computador extremamente sofisticado para essa tarefa.”

A carcaça da Intrépida jazia irreconhecível em sua própria ruína, sua condição era irrecuperável. Uma equipe de salvamento recortava cuidadosamente o casco em busca de sobreviventes. Bandeirolas vermelhas eram fincadas nos locais onde houvesse alguma vítima fatal inteira ou com troncos presos ao crânio, ou amareladas quando houvessem apenas pedaços de uma.

As naves estelares eram feitas de uma poli-liga reforçada de tungstênio, molibidenio e vanádio altamente resistente. Mas o local de maior proteção estava localizado em volta da ponte de comando, as várias camadas de sua couraça ofereciam resistência suficiente para suportar pressões extremas e impactos violentíssimos, e sua aerodinâmica foi projetada para uma reentrada atmosférica sem utilização de motores ou até de pilotos. Mesmo assim, somente um conjunto de fatores altamente improváveis permitiria a sobrevivência de alguém na ponte com a nave numa queda livre.

– AQUI!!! AQUI!!! DEPRESSA, TEM UMA PESSOA VIVA AQUI…

– Afaste-se. – Ordena um paramédico. – Cheque os níveis de radiação…

“A vida é um labirinto repletos de caminhos alternativos cheios de portas a serem abertas. Independente de qualquer que sejam as nossas escolhas, a cada sala que entramos nos deparamos com um novo espetáculo de descobertas em andamento. Às vezes não podemos ou não devemos compreender essas representações teatrais na totalidade de suas nuances…”

– Tragam a maca antigravitacional e prendam bem seu corpo nela, vamos usar o transporte para a base orbital de Ekken Prime…

“Antes do silêncio, pense interiormente nas palavras do grande poeta de seu mundo, Horácio: que cada dia pode ser o ultimo, a hora não esperada virá em forma de carta com uma boa ou má surpresa…”

– Vamos depressa!

– Por aqui! Por aqui!

– Aqui, deixe-me ajudar…

– Temos ordem para levar o corpo para a sala cirúrgica 42…

– Vamos…

– Onde estou…?

“Para quê explicações…? A vida é tão mais excitante quando temos perguntas a se fazer, lugares a se explorar, assuntos a debater. Você não precisa de esclarecimentos, apenas uma caixa de lápis de cera para pintar os segredos de sua própria essência…”

– Enfermeira… pressurize aquela artéria com uma pinça e regule o nível de plasma.

– Sim doutor… Doutor! Parada cardíaca…

– Traga o desfibrilador imediatamente…

– Pressão arterial caindo…

– Ligue… Afastar… Droga resista! Você não vai morrer…

“Saindo desta vida o mundo o esquecerá, se tornaras como algo que jamais existiu, serás como a morte pior do que a própria morte… e não é para isso que você está aqui. Sua sorte se esfacelará quando deixares de olhar dentro dos olhos do destino, não existe um destino absoluto guiando-nos como fantoches sem direitos. Sua vez ainda não chegou, irá demorar séculos para esse dia chegar e você tem muito a fazer tanto por seu povo quanto para o meu, pare de contemplar o abismo que te contempla, erga-se e lute…”

– Sinto muito Senhor.

– E quanto ao campo de bio-suporte…?

– Como ordenado, seu corpo foi logo envolvido no campo assim que constatado seu óbito…

– Onde está…?

– Sala de cirurgia 42…

“A filosofia do desespero é ver o existencialismo como um simples entrelaçamento de eventos históricos, e com isso, deixar de levar a vida de forma apaixonada, como se ela ocorresse apenas uma única vez. Não dê ouvidos à filosofia da angustia, desses pensadores bloqueados por fanatismo religioso ou apenas fanatismo, seja uma alma livre das palavras do falso criador…”

– Recorde-se da vez que te disse: “Um dia você será minha…”

Um vulto se aproxima saindo da escuridão caminhando lento e desajeitado, seu modo robótico de andar era justificado pelo uso de um exoesqueleto eletrônico funcionando como suporte em volta de todo seu corpo, seu físico era corpulento, sua face corada por tonalidades divergentes e cabelos grisalhos encaracolados, detalhes fisiológicos que o tornavam um homem pouco atraente. Seus olhos possuíam uma nuança castanha clara. À sua frente, deitada numa cama, esta o corpo despido de uma mulher morta e deformada por danos extensos causados por queimaduras e traumatismos, seu crânio aberto exibia uma pequena parte de sua massa encefálica. Apesar das fraturas expostas, não havia sangramentos devido ao corpo estar envolto num campo que mantinha sua estrutura em animação suspensa.

De repente, uma voz ecoou na sala:

– Pode trazê-la de volta Doutor Giuseppe…?

– Esse foi nosso trato não foi? – Responde o velho robótico exibindo um sorriso malicioso.

– Como pensa em fazer…?

– Seu corpo sofreu danos extensos nos órgãos vitais, sua medula espinhal foi basicamente destruída e…

– Eu perguntei como pensa em trazê-la de volta…? – Interrompe impaciente a voz escondida nas sombras.

– Não se preocupe, vou usar a radiação Metafásica emitida pelo sol Algoliano para trazê-la de volta e mantê-la viva, depois vou usar um dos brinquedinhos que eu descobri ha mais de cem anos na antiga Alisa III. Mas advirto desde já, ela nunca mais será a mesma. E tem mais uma coisa…

– O que foi?

– Ela estava grávida.

– Grávida?! – Uma pausa se fez até que pudesse prosseguir – E o feto?

– Também falecido ainda nos estágios iniciais de desenvolvimento. O senhor quer que o abortemos?

– Espere. Como se dará o desenvolvimento dele num corpo cibernetizado?

– Ele também será reanimado e talvez nunca se desenvolva. Mas apenas pelo fato dele existir, poderá interferir no comportamento da mãe.

– Em que sentido?

– Talvez o desenvolvimento de uma personalidade materna e hiper protetora.

– Isso poderá ser benéfico, deixe como está, embora seja uma criança mestiça. – Passos começam a se afastar para longe.

– Não se preocupe… vou cuidar muito bem dela.

– O que você quer dizer com isso…?

“Palavras são apenas simbolismo que comunica o real e o abstrato interligando entre si um emissor e um receptor. A língua, mesmo depois de morta, não morre totalmente, ainda remanescem os registros do que já foi.”

– O que você quer dizer com isso…?

Caminhando pelo corredor deserto, empurrando a maca antigravitacional, os dois indivíduos sem expressão e nem palavras passavam em frente a portas fechadas em ambos os lados. Nas mesmas, plaquetas exibiam escritas: Anatomia I, Anatomia II, Histologia, Neuroanatomia, Microbiologia, Fisiologia, Alergologia, Bioestatística, Biotério, Informática Médica e, finalmente a sala onde iriam entrar, Cibernetologia.

Adentrando na mesma, Giuseppe esperava próximo a uma mesa computadorizada ao lado diversos instrumentos cirúrgicos. Ele usava um manto branco e seu rosto estava parcialmente coberto por uma mascara e um capuz cirúrgico. A sala era grande e bem refrigerada. Havia três mesas com microscópios ópticos binoculares e trinoculares computadorizados com câmeras acopladas a um monitor de parede. Também havia alguns equipamentos para análise espectrofotômetros e eletroforese, uma dessas mesas estava aparentemente destinada à análise química contendo uma grande variedade multiformes e multicolores de vidros de pequenas, médias e grandes dimensões, dentre eles cálices, lâminas, e outras vidraçarias como buretas, pipetas, becker, dessecadores, funis etc.

– Coloquem-na sobre a cama… isso… assim… comece o registro…

– Sim doutor… Paciente da série hcae-k 2305 escolhida para o projeto de implantação do sistema SOC. Sexo: feminino. Denominação: Verônica Eshyr Buente. Situação atual: morta. Hora do óbito: desconhecida. Causa da morte: falha maciça dos órgãos vitais, causada por traumatismo crânio-encefálico, leves lacerações cerebrais que atingiram 25% da massa total do hemisfério direito, hematomas intracraniano. Amputação violenta de parte dos membros inferiores. Os edemas e disfunções orgânicas evidenciam lesões tissulares causada por exposição à radiação de aproximadamente 25 grays.

– Paciente pronto Doutor… Sinais vitais ausentes… – Informa uma outra enfermeira.

– Ok, eu esperei muito tempo por um corpo compatível para fazer o teste com isso… – Giuseppe se aproxima de uma grande câmara metálica disposta em posição vertical com a forma de um caixão fúnebre blindado, em sua porta está escrito…

“Cyborg Fembot Type Myew S.2.”

“A eternidade é regida por uma névoa de probabilidades cujos eventos são concebidos através de um entrelaçado infinito de decisões. Este andarilho senciente, responsável por estas deliberações, acaba causando o surgimento das inúmeras facetas de sua própria história, essa natural tendência em manipular os eventos de seu presente, acabam adulterando futuro e, de alguma forma, até mesmo o passado. Ele insiste em contemplar esta cadeia de fatos que ocorreram ou deixaram de ocorrer, sabendo que quando um evento está em ação, um colapso ocorre por não ter a capacidade de perceber qual é a verdade dos motivos por ele próprio estar ali. Sua maior limitação é ver o tempo de maneira linear ao invés de simultâneo.”

– Você quer dizer que pelo simples fato das coisas jamais serem o que parece, diga-me o que é a verdade e minha tendência é não acreditar…? Quem é você afinal…?

A Ginóide jazia deitada na cama ao lado da de Verônica, a títere parecia estar desativada por um longo tempo, seu corpo estava frio e também despido de suas vestes sintéticas, as placas em seu peito, crânio e abdome estavam abertas e preparadas a receber implantes de natureza organo-animal. Sua face também havia sido removida. Em algum momento do passado seu corpo possuía partes orgânicas, o que a tornava uma forma de vida completamente diferente daquelas geradas naturalmente. Ela era capaz de façanhas psíquicas impressionantes, uma especie de símbolo que faz o homem se lembrar não daquilo que ele não é ou ainda não pode ser, mas do que ele jamais será. A principio, a idéia para a criação do cyborgue seria melhorar um individuo que perdera seus direitos cíveis ao atravessar a ponte que liga o mundo dos vivos com o mundo dos mortos, mas acabou se tornando um vício, um atalho para evoluir o homem para o panteão de super homem. Mas a questão é: após feita esta conversão, o que era humano deixará suas raízes de lado para sempre.

– Os componentes da cyborgue Mieu estão num estado perfeito para tornar novamente uma teoria num fato. Primeiramente, antes dos demais órgãos vitais, extraia a massa encefálica da paciente hcae-k 2305, depois conecte os apliques condutivos diretamente no cérebro para estimular os neurônios, e prepare para expor a paciente a reação termolítica induzida, vamos trazê-la de volta a vida com a radiação Metafásica…

“A desgraça do Homem é equiparável a um quadro de um rosto triste pintado com sangue sobre uma tela qualquer…”

– O que dizem os exames das vias axonais centrais?

– Ausência de danos no lobo parietal, disparos induzidos de neurônio ocorrendo conforme esperado.

– Ótimo, desative os apliques condutivos.

– Apliques desativados… Taxa de transição neuroelétrica autônoma, sistema nervoso OK, Atividade cerebral OK.

– Como está a conservação das membranas celulares periféricas?

– As áreas não atingidas estão normais.

– E a oxigenação?

– Mantendo-se…

– Tragam a matriz positrônica. Vamos substituir as áreas destruídas do cérebro por componentes organo-sintético…

– Como iremos resolver o problema da rejeição e degradação do sinal inerente à transmissão Organo-sintética?

– Vamos estabelecer uma teia de conexões de plasma microelétrico que irão conservar os componentes orgânicos similar a um corpo vivo de verdade.

“Você sonhou…?”

– Sonhei que estava abaixo de um solo castigado pelo frio, largado numa cova como um par de sapatos esquecido, deixado num canto qualquer, perdido com o orgulho ferido, fétido e envelhecido. Revendo minha própria existência recordando os amargos anos em que eu era capaz de respirar uma vida desperdiçada a qual saboreei achando que fosse eterna. Mas por fim, não pude mais suportar. Tentei por séculos contemplar o teto de meu próprio caixão, desejando bocejar sem que minha mandíbula encaveirada caísse. Por fim tentei arranhar o teto acima de mim espatifando ainda mais as minhas unhas apodrecidas pela decomposição de meu ser, tentei contar o tempo nos próprios dedos, onde gerações pós gerações passavam diante de meus olhos sem pálpebras. Porém, não adiantou, ainda assim eu não consegui dormir.

“Isso não foi um sonho…”

– Doutor, a fusão com o cérebro foi bem sucedida.

– E a oxigenação…?

– Normal.

– As funções neuromuscular serão testadas somente quando o cérebro assumir o comando por si só.

– Doutor, existe uma infecção se espalhando.

– Prepare 60cc de imunoprovalina.

– Sim senhor!

– Mas o que é isso?! O que é essa substancia negra?

– Pronto!

– Não precisa, a infecção se foi.

– Como isso é possível…?

– Não sei. Sumiu de repente…

“Com o toque da mão, fecho a ferida em volta de seu entristecido coração, sei que seu desejo é o de estar onde sua amada está, num velho sonho que todos no mundo têm: Uma vida simples cheia de coisas prosaicas, com pequenos prazeres tornando de sua vida um instante, paradoxando eternamente com sua essência guerreira, a mesma essência de homens grandes de mundos distantes que não encontram sossego mediante ao desespero alheio.”

– O tempo passa mais rápido para aqueles que são felizes, mas para nós nesse mundo, a felicidade seria infinita.

– Como ela esta?

– É um milagre ela ter sobrevivido ao trauma. Tivemos alguns problemas para reanimá-la, mas deu tudo certo.

– O que esta faltando?

– Instalar alguns componentes positrônicos secundários. Por enquanto o núcleo de dados esta respondendo apoiado ao sistema central de nossos computadores. Todavia, quando consolidarmos o sistema SOC autônomo, o núcleo de seu cérebro irá operar num sistema de base química, que codificará as informações junto com as respostas do cérebro biológico através da energia molecular interligado com os controladores do núcleo de retorno. Isso irá processar com mais precisão e velocidade os movimentos dinâmicos de seu corpo sintético igualmente a um ser humano normal.

– Você instalou também os slotes adaptativos para conexão com a rede de comunicação?

– Sim! Sim! Claro! Ela poderá comunicar seus pensamentos através da unidade central de processamento da rede de comunicação, e operar simultaneamente uma infinidade de outros mecanismos como veículos, aeronaves etc. desde que estejam dentro da área de ação da rede de comunicação. Com o tempo, poderemos integrar funções muito mais complexas até chegarmos ao controle climático.

– Memória?

– Algumas lembranças foram apagadas conforme me pediu, o nível de sua sabedoria será expandida imensuravelmente, a produção dos neurotransmissores saltará para mais de 1000000%, fizemos uma ligação pré e pós sinápticas aumentando a permeabilidade, com isso as funções se ajustarão ao ponto em que o Corpus Callosum funcionem como um só ao invés de dois hemisférios cerebrais separados. Inteligência, engenhosidade, criatividade, imaginação, inspiração, todos serão aprimorados a tal ponto que ela será o ser humano mais avançado que já vimos. – Conclua logo o projeto.

“Quando algo é dito sem motivo, uma palavra se perde. Lembro-me de uma vez ter ouvido uma de minhas pupilas dizer alguma coisa sobre você ser descendente de Tyrone.”

– De quem…?

– Sua composição física final é: 23,7 quilos de compostos polímeros blindados, 10,5 quilos de liga de granito-molibdênio e 1,7 quilos de camadas bio-plásticas condutoras, seu suporte espinhal superior é feito de carbureto de tungstênio projetado para suportar extremas pressões, seu crânio é composto por Diamante, Titânio, Irídio e Platina.

– Eu conheço você…

– Sim… Você foi minha aluna há muito tempo…

– Sim… A lógica determina que eu deva sentir raiva… Mas…

– Mas você não pode. Eu apaguei quase todos os seus sentimentos e boa parte de sua memória.

– Quase todos…?

– Você não consegue sentir?

– Sentir…? Sim… Eu sinto… Uma energia diferente.

– Deve ser o desconforto proporcionado pelas nano-fibras que infiltramos em sua biologia, elas estão reescrevendo seus tecidos circundantes e suas terminações motoras com micro circuitos…

– Estou viva?

– Podemos dizer que sim. Você sente algum outro desconforto?

– Sentir…? Perceber por meio dos sentidos…? Quais sentidos…? Minhas memórias estão… Processando dados…

– Suas neuro-fibro-ondas positrônicas estão quase normais, em pouco tempo você reaprenderá a controlar os pensamentos com a mesma naturalidade que antes, mas não da mesma maneira.

– O que fez comigo…?

– Realizei um sonho…

– Sonho…? Seqüência de fenômenos psíquicos que involuntariamente ocorrem durante o sono…

– Não… Refiro-me à seqüência de pensamentos, de idéias vagas, mais ou menos agradáveis ou incoerentes, às quais o espírito se entrega em estado de vigília, geralmente para fugir à realidade através de um devaneio… Na verdade, é mais uma fantasia e um desejo…

– Fantasia… Aquilo que não corresponde à realidade, mas que é fruto da imaginação… Obra literária, pictórica que não segue regras ou modelos fixos… Vestimenta arrojadas usadas em festejos, trajes que imitam tipos populares ou figuras mitológicas… Peça instrumental de criação livre…

– Verônica…

– Verônica… Relíquia guardada na basílica de São Pedro, em Roma…

– Ótimo, estamos vendo aqui um processo heurístico associativo em andamento. As informações estão sendo processadas agregando lógica, metafísica, estética e epistemologia. Logo logo você estará reentrando na senciência, e aprenderá a questionar e examinar suas próprias percepções…

– …quando carregava a cruz ao Calvário, tendo ficado ali gravada a sua figura… Minha denominação…

– Mas a única coisa que você não ira redargüir, serão minhas ordens…

– Ordens… Disposição conveniente dos meios para se obterem os fins…

– Verônica… Tem alguém que quer vê-la.

“Luvas limpas geralmente escondem mãos sujas, mesmo assim elas agarram firmemente o manípulo da espada justiceira se achando no direito de empunhá-la, roubando a herança da herdeira verdadeira. No momento oportuno se recordarás dessas palavras e, provisoriamente, tomarás o poder sagrado em suas mãos entregando-lhe posteriormente ao verdadeiro guardião das armas lendárias.”

– Filha?

– Analisando padrão de voz… Sim meu Pai…

– Como você está?

– Acordada… Tudo está… diferente.

– Como assim?

– Confuso… Sem… Profundidade. É difícil dizer. É como se as pessoas fossem cascas ocas sem importância… Sem nada por dentro além de água e carbono. Sem motivo ou razão por existirem. O toque de sua mão em meu rosto não parece real. Mas… Eu sinto que perdi alguma coisa… Algo importante…

– Como disse?!

– Alguém importante, mas não me recordo quem, seu nome seu rosto… Apenas a essência do que já foi, algo mais forte do que qualquer outra coisa…

– Não é ninguém, não é nada… deixe esses sentimentos de lado. Você se lembra de seu Amor por mim?

– Amor? Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa. Seres humanos sem distinção não passam de bolsas de carbono com muita água… Não… Acho que só a sombra de um sentimento distante, de algo que deixou de existir. Eu sou no momento a mistura do que sou com o que fui…

– Não se preocupe, eu tenho amor para nós dois… Você tem agora uma missão a cumprir.

– Missão…?

– Sim! – interrompe Giuseppe – Algo que irá implementar um pouco mais a sua programação. – Ylário se sentia retraído e ligeiramente intimidado. Mas não podia contestar quanto a isso…

– Vá! –Diz Ylário. – e acabe logo com isso…

– Venha Verônica… – Ordenara o Doutor.

– Onde vamos…?

– Vou mostrar-lhe algo. – Verônica sente a ação de um protocolo que não pode desobedecer, e segue Giuseppe sem questionar.

Alguns ferimentos ainda doíam, outros estavam quase sarados, as escoriações de seu rosto já estavam sumindo, Tyler havia acordado a pouco num quarto de hospital na cidade de Camineet em Palma, ele estava confuso por não se lembrar como veio parar ali, e aos poucos recobrava suas memórias dos ocorridos passados. De repente, uma pontada ligeira de dor no peito o chamou atenção. Era algo estranho na direção de seu coração, ao levantar a camisa para olhar, percebeu uma grande e estranha cicatriz, neste momento uma enfermeira, que acabara de iniciar seu turno da manhã, entrou no quarto para verificar o quantitativo de soro do paciente.

– Bom dia dorminhoco, até que em fim acordou. Como estamos nos sentindo hoje? – Ela o olha passar os dedos sobre a cicatriz. – Deve ter sido um corte e tanto, como conseguiu isso? – Tyler a olhou confuso. A enfermeira se virou para abrir a janela do quarto permitindo que os raios de sol entrassem.

– Como disse?

– Foi uma cirurgia de peito aberto? Quando a fez? – Ela falava demonstrando uma curiosidade genuína, mas sem deixar seus afazeres de mão.

– Não me lembro disso. – A enfermeira subitamente se aproximou de Tyler e, com total naturalidade, pôs a mão espalmada sobre a testa do Capitão. – Não? Não mesmo? Acho que você esta com amnésia.

– Como assim? Eu não consegui isso no acidente com a Intrépida?

– Intre o quê? – Ela puxou um termômetro eletrônico do bolso de sua blusa e pôs entre os lábios do paciente. – Esse era o nome de sua nave? Nome bonito, o que quer dizer? – “Como assim o que quer dizer?” pensara o Capitão já perdendo a paciência.

– Escute. Há quanto tempo estou aqui? – Interroga falando com ligeira dificuldade devido ao termômetro em sua boca.

A enfermeira retira o termômetro. – Não… Não esta com febre… – e finalmente responde. – Não sei. Acho que alguns dias.

– O quê? Mas e essa cicatriz?

A enfermeira se aproxima para observar melhor. – Pelo jeito, acho que você a obteve há alguns anos. Não se recorda?

– Droga! Já falei que não! Isso não foi do acidente com a minha nave em Dezoris?

A enfermeira parou subitamente para fita-lo. – Lógico que não. Quando você chegou aqui, vindo da base de Ekken lá no céu, já tinha essa cicatriz. E seus ferimentos, mesmo os menos graves, necessitavam de pouco tratamento. Eu me lembro do doutor ter mencionado que foi uma sorte imensa você ter sobrevivido. Mas que não entendia os motivos por você não acordar logo.

Tyler se levanta apressadamente, suas pernas estavam bambas como se tivessem esquecido como se anda. – Além de mim, mais alguém do acidente? – Pergunta enquanto se veste.

– Não. – Responde enquanto observa Tyler vestir suas roupas. – Espere um minutinho… Onde pensa que vai?

– Preciso voltar para o Quartel General.

– Mas o doutor ainda não chegou para te dar alta. – Ele a ignora continuando a se vestir.

– Não vai nem tomar o café da manhã? – Enquanto o observa deixar o lugar.

A longa porta de mármore talhado abria-se ao ranger das dobradiças metálicas. Verônica seguia Giuseppe sem entender o porque, dos poucos sentimentos que ainda remanesciam em seu ser modificado pela tecnologia, persistiam somente as sensações de solidão, um repúdio proibido e a impressão de que algo estava faltando em sua vida. Eles se encontravam numa formosa sala de estar repleta de luxuosos móveis ao estilo renascentista, as paredes, construídas com alvenaria, eram revestidas por papeis de paredes com bordados antigos e enfeitada com quadros também antiquados. Giuseppe usava aquela sala para entreter a si mesmo e, aparentemente, para despertar admiração de qualquer um que se atrevesse a entrar ali. Mas não era isso que a jovem cibernetizada sentia, não era admiração ou muito menos prazer, mas sim a sombra de uma rejeição muito antiga que persistia em crescer dentro de si mas que não se lembrava a razão. Eles seguiram andando sobre um grosso carpete de cor vinho até outra sala separada por um arco, dentro da mesma disposto de um modo a tornar bem visível, jaziam em pé alguns corpos femininos em decomposições unidos a componentes mecânicos há muito desativados, alguns exibiam faces arrogantes, vaidosas, humildes e até orgulhosas. Todavia, quem olhasse mais atentamente, perceberia que, bem lá no fundo, todas estavam tristes e desesperadas.

Numa velha escrivaninha desarrumada, era observáveis dezenas de papeis com solicitações repulsivas, reclamações antipáticas e anotações incompreensivas. Numa mesa ao centro da sala, estava o cadáver de uma moça, Verônica a observava tentando imaginá-la sem todos aqueles ferimentos. – Ela deveria ser linda quando viva. – pensara profundamente enquanto despertara um sentimento de vaidade. – Sem esses ferimentos, ela seria parecida com… – Verônica sente um choque percorrendo sua espinha artificial.

– Sim, ela é você. – Informa Giuseppe como se pudesse ouvir os pensamentos da jovem renascida. – Mas agora deitada nessa mesa fria com seu corpo mais frio ainda, podemos ter a noção das fragilidades do corpo humano. – Suas palavras ressoaram pela sala com a jovem Doutora ouvindo-as sem entender muito bem a substância, as implicações a qual fora exposta, suas sub-rotinas artificiais éticas e morais estavam desabilitadas, mas algo dentro de si estava prestes a explodir.

– Você escapou do laço da morte, do arrebato do fim dos fins, para encarnar a personificação daquilo que o homem mais procurou em sua existência… Deus! E agora, vou lhe apresentar a alguém que ira implementar sua programação a um primeiro nível divino.

Giuseppe se aproximou de uma peça de pano largo e cumprido suspenso pelo teto indo até o chão, pressionando uma tecla na parede logo ao lado, o cortinado se abriu revelando uma mesa triangular feita de mármore, sobre a mesma jazia uma arca avermelhada de ornamentos estranhos.

– Vá! E seja a primeira mulher da Terra a abrir e absorver a sabedoria capaz de questionar ao invés de meramente obedecer.

Sem questionar, Verônica se aproximou da arca abrindo-a logo em seguida, de repente, diante de suas presenças, uma forma assombrosa saltou imponente rumo ao teto e se pendurando no mesmo como uma espécie de gosma negra repulsiva, tratava-se de uma forma classificada entre vida e não vida, corpóreo e não corpóreo, em seguida algo parecido com uma cabeça se estica e se curva na direção da jovem para fita-la que, com a frieza de um computador, tentava calcular inutilmente as variáveis que pudessem explicar tal manifestação, ele exibe dois olhos ensangüentados cedentes por dor e desespero alheio, ele abre sua boca expelindo uma substancia escura e pegajosa que penetra nas partes orgânicas da jovem, ela sente milhares de sentimentos de perversidades vindos à tona sem poder controlá-los, sem poder entendê-los, apenas senti-los e render-se a eles…

– Sim! – ela dizia num ton de voz como se demonstrasse ter entendido tudo, sentindo-se seduzida pela força que invadia sua pessoa. O que ainda lhe restara de consciência era lentamente tragada pelo poder incompreensível da Força Negra.

– Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! – Gargalhava Giuseppe demonstrando estrema excitação com a situação… – Agora você será minha para sempre! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Há!.

A criatura retornara à sua claustrofobia moradia sem nada mais a fazer, enquanto Verônica se vira para fitar Giuseppe de modo sarcástico e cruel.

– Você acredita que eu serei sua? – Interroga Verônica com os olhos avermelhados… – um Deus jamais se coloca a dispor de seres inferiores como você.

– O que disse? Se não fosse por mim, você estaria morta. Você é minha por direito.

– Que irônicas palavras proferidas por seu vocabulário quase primitivo e equivocadamente vitoriano. Seu comportamento patológico demonstra perfeitamente o palpitar de seu desejo carnal por mim que com o tempo se tornou platônico.

– Você roubou meu coração desde o dia em que te vi.

– Sim. Mas este amor é o mesmo de um ladrão desejando as riquezas alheias sem o direito para tal ato Hegeliano. O velho Doutor, impedido de envelhecer para sempre, se sentiu ardendo em paixão. Também possuída por um amor incorruptível representando o único traço sincero de sua humanidade suprimida, Verônica jazia com o restante de seu espírito deformado pela tristeza, por sentir tal emoção de modo tão profundo e verdadeiro, mas sem se lembrar do rosto de seu amado.

A felicidade quase insana de Giuseppe saiu de cena dando lugar às lágrimas de um pranto mais profundo. Ele, que também estava sobre influência da Força Negra, sabia o que tinha de fazer naquele momento mesmo com tal ação a seguir sendo isenta de juízo, direito, bom senso ou fundamento, ao menos pelas definições das leis morais dos seres sóbrios.

Verônica se aproxima lentamente do velho Doutor enquanto ele, logo a sua frente, desabotoava seu jaleco branco o suficiente para deixar exposto seu peito, ela levanta seu braço artificial direito na mesma postura de uma naja prestes a dar o bote.

– Ele é seu… – Declara Giuseppe num derradeiro ato de amor.

Com um só golpe velozmente desferido contra o peito de sua vítima, o recém nascido demônio da escuridão fundido ao corpo de Myeu e Verônica arranca o coração do condenado doutor apaixonado, e conforme os ventrículos iam se rompendo lentamente, o infeliz homem sentia seu corpo perdendo as energias, até finalmente tombar ao chão em desgraças, sem vida. Seus olhos ainda abertos registraram atras de suas retinas seu próprio coração ainda palpitando nas mãos da estonteante musa cibernetizada, seu cruel algoz, confirmando o que de fato já havia declarado anteriormente…

“Que ela lhe havia roubado seu coração”

Enquanto examinava admirada o coração palpitante de Giuseppe ainda em suas mãos, Verônica pode ouvir sons de passos se aproximando não muito distante. – Está na essência do homem a procura de algo não importando se seja verdade ou mentira… – começa a voz masculina, uma voz que Verônica conhece muito bem. – …existente ou inexistente. A falha do homem nisso tudo, o maior erro deste eterno e miúdo andarilho, é aceitar as mentiras como verdades ao invés de como tal. A única explicação verdadeira a qual eu consigo ver sobre isso, sobre essa falha humana, esta na própria biologia, quando um corpo perece na luta contra uma doença sabendo que não pode vencer, ele se rende a ela para que a dor não seja forte o suficiente para o enlouquecer. Mas, ainda assim, mesmo derrotado, ele procura um meio de voltar e continuar lutando, por que essa é sua função, tal como a busca do homem que mesmo diante da verdade, se for contra suas crenças pessoais, o verá como mentira. Jamais acreditei que fosse verdade trazer de volta a vida um corpo já morto, vencendo conseqüentemente o prevalecer da morte sobre a vida no momento derradeiro. Isso prova que a verdadeira verdade é para poucos, não que elas jamais devam ser descobertas, mas que há um individuo para cada revelação.

Ylário se aproxima de sua filha revivida pelos princípios científicos que ainda não deveria lhe pertencer. Em suas mãos um pequeno recipiente de vidro de largo bocal cheio com um liquido incolor, ele o abre oferecendo à Verônica, que num gesto automático, coloca o coração de Giuseppe dentro ainda pulsando.

– “Todas as tentativas para se criar um cérebro senciente capaz controlar o Sistema Operacional Central terminaram com fracassos um atrás do outro, causando perdas inestimáveis de vidas. Após o malogroso resultado apresentado nos últimos testes, finalmente foi proposto uma nova abordagem pouco ética ao invés do uso corriqueiro da positronia por si só. No protótipo de nome codificado “B-rai-N” introduziríamos um elemento que pudesse avaliar causas, conseqüências e, com isso, tomar providencias necessárias, este sistema agiria em conjunto com uma nova tecnologia denominada de Mo-Ther. Naquele cruzador espacial onde conheci sua mãe, existia uma ginóide Fembot que havia morrido por uma causa que não conseguimos determinar na ocasião, ela possuía a matriz necessária para interligar-mos um elemento humano dentro do SOC e este por sua vez no sistema de comunicação de todo o mundo, se o projeto estivesse dado certo na Terra, talvez ela não tivesse sido destruída. Porém, um novo problema surgiu: Esta ciborgue possuía um gatilho que só funcionaria com um determinado tipo de DNA que não conseguíamos identificar mesmo com a tecnologia surgida da fusão de três culturas diferentes. Há muitos anos, porém, após um acidente na escola quando você ainda era uma garotinha, descobrimos que seu sangue possuía justamente esse elemento raro. A verdade era dura de mais para sua mãe e eu, mas a necessidade de nosso povo precisava ser atendida, prevalecida, mas sua mãe não pode compreender isso, o que acabou custando lhe a própria vida. Chegaria o momento em que você teria de ser sacrificada em troca da própria imortalidade, mas era duro até mesmo para mim oferecer minha prole ao estado, por isso fizemos um contrato, acordo este que teve de ser obedecido quando você faleceu no acidente com a Intrépida, os lideres viram nisso a oportunidade para concretizar o projeto Mo-Ther.”

O velho Almirante olha para o chão, para o corpo sem vida de Giuseppe – Como a história julgaria um homem que assinou a ordem para trazer da morte sua própria filha…? – Verônica se vira de costas para seu pai e se aproxima do altar pressionado novamente a tecla na parede e conseqüentemente ocultando a Arca demoníaca por de trás do acortinado. – Eu ditarei o julgamento da história. – responde a títere mecanizada.

– E como, no final dos tempos, serei julgado por Deus pelo meu ato? – Veronica se volta novamente para seu pai, mas desta vez nada respondeu com palavras, somente com seu olhar penetrante.

Na sede do comando central na cidade de Camineet, capital Palmana, em seu interior, Tyler corria pelos corredores vazios do prédio em busca de Verônica, o Capitão não fazia idéia do porque do lugar estar vazio daquele jeito, já que geralmente o mesmo é sempre repleto por pessoas. De repente, uma lembrança ressoou em sua mente na forma de uma voz conhecida, fazendo-o parar subitamente

– “Luvas limpas geralmente escondem mãos sujas…“– Tyler sentia que não estava naquele prédio somente por uma única razão, e mesmo embora não acreditasse muito na simultaneidade de dois ou mais acontecimentos interligados entre si, ele passou a respeitar a atuação de tais forças. A voz, no entanto, ele conhecia de uma época muito recente, mesmo embora fosse alheio ao rosto emissor.

– “Tomarás o poder sagrado em suas mãos…” – Prossegue. Tyler olhou para uma porta fechada.

– Agora eu me lembro de tudo, da causa dessa cicatriz, de minha morte e de minha ressurreição.- O Capitão entra andando quase que tomado por uma hipnose, em seu interior seus olhos pousaram sobre um conjunto de armas penduradas na parede, era uma coleção de adagas, espadas, facas, escudos, armaduras, elmos, luvas e etc. todos de vários tamanhos e formas.

– Que diabo de lugar é esse…? Parece um depósito de armas brancas. E porque está desguarnecido…? E onde estão as pessoas daqui…? – ele mal conseguia acreditar no que seus olhos viram de repente diante de si, era algo parecido com um homem vestido com trajes estilo Elisabetanos de colorações preta, branca e amarela, de perfeitos bordados ao redor do pescoço, colete fechado por passantes, calça justa, meias cobertas por botas até os joelhos e uma pequena capa pendia em seus ombros com uma belíssima espada cerimonial embainhada ao lado esquerdo e um elmo aninhado em seu braço direito. Entretanto, ao se aproximar para analisar mais detalhadamente, pode perceber que não se tratava de um ser humano de fato, e sim uma estátua de pedra de um homem que possuía cabelos curtos, desprovido de barba e bigode, e estava bem protegida por um armadurado genuíno e complexo. Abaixo, uma plaqueta escrito: “Terno-po do veltu u modru é yuzoyu do podasu, o yemsorvo pinhu yurno utó e fatare endo toroi do gaorrour nevuponte ue lude do bruves gaorroides.”

– “O manípulo da espada justiceira…” – Novamente a voz ressoando dentro de sua cabeça. Ele olha a espada presa à armadura do guerreiro de pedra e, se sentindo extremamente atraído pela mesma, a retira levando-a consigo. – “Entregando-lhe posteriormente ao verdadeiro guardião das armas lendárias.” – Tyler retoma seu caminho nos corredores vazios do quartel general governamental, mais adiante ele se depara com a única porta entreaberta onde na mesma esta escrito:

“Dr. Giuseppe”

Silenciosamente o Capitão se infiltra no interior gabinete de Giuseppe, até outra sala separada por um arco onde, por um breve momento, teve a impressão de ter escutado vozes. Chegando ao local, ele se depara com um cadáver deitado ao chão morto de forma violenta e Ylário em pé de costas para a entrada de arco por onde Tyler acabara de entrar, sobre uma mesa, um grande lençol branco parecia ocultar alguma coisa.

– Então você veio.

– Almirante. O que esta fazendo aqui…?

– Esta é uma pergunta que eu poderia perfeitamente fazer a você.

– Vim procurar Verônica.

– Eu suspeitava disso. Entretanto, ela esta morta…

– Não… Não acredito…

– Não…? Então descubra o corpo sob o lençol.

Tyler se sentiu compelido à tal ação, mas ele poderia estar mentindo, e o Capitão jamais descobriria a verdade se não olhasse sob o lensol. Lançando sua mão sobre as cobertas e puxando de uma só vez, o Capitão percebe da maneira mais dura que o velho Almirante estava dizendo a verdade. Pesadelos conscientes de imagens invadiam o ser de Tyler. Seus olhos se encheram de lágrimas, seu mundo estremeceu enquanto Ylário permanecia frio e sem expressão.

– Como pode continuar assim diante da imagem de sua filha nesse estado…? – Questiona o Capitão indignado, sua réplica, porém, fora somente o silêncio. Grande era o tamanho de seu desalento, seus sonhos se estilhaçando com a mesma fragilidade de um vaso de porcelana se partindo em mil pedaços, as lágrimas de seu pranto escorriam por seu rosto como promessas desfeitas, jamais seu coração teria os vazios preenchidos com o amor que costumava ter, conseqüentemente ele se perguntava se um dia se esvairia.

Tyler se afasta andando de costas enquanto observa Giuseppe ainda de olhos arregalados, ele estava deitado de lado sobre o carpete de cor vinho agora ensanguentado. Mas o que Tyler jamais desconfiaria era que por de trás daqueles globos oculares gravado sob as retinas, estaria um último momento documentado no tempo, uma ultima revelação que poderia mudar para sempre a vida do Capitão, e quem sabe da de milhares de pessoas. Tyler se vai sem olhar para trás. Verônica, que espreitava aparentemente temerosa e escondida na escuridão, se aproximou de seu pai e perguntou.

– Quem era aquele homem…?– Ylário que recolhia o lençol caído no chão para recobrir novamente o corpo respondeu. – Não era ninguém minha filha… Não era ninguém.

– Então porque ele chorava sobre o corpo daquela mulher morta…?

– Você não se lembra dessa mulher?

– Seu rosto não me é estranho, mas não consigo mais me recordar.

Ylário estende sua mão num gesto para encontrar o de sua filha, quando a mesma retribuir a solicitação mímica, o Almirante a conduz para fora do lugar.

– Pai…?

– Sim minha filha…

– Havia algo estranho naquele homem, algo que me assustou.

– E o que era?

– Não sei… Mas acho que não importa…

Ao extremo leste Dezoriano, distante até mesmo dos aventureiros curiosos, uma forma humanóide emergia das cavernas de Crevice em meio a intensa tempestade que parecia castigar eternamente aquele mundo misterioso, ele estava todo recoberto por um traje rudimentar próprio para proteção ao frio e um tipo de capuz que recobria seu rosto quase que totalmente ocultando assim sua identidade, ele observara a silhueta de um grande palacete de aspecto luxuoso e requintado oculto entre uma enorme cadeia de montanhas e árvores recobertas por neve.

– Não acredito que já estive nesse lugar… – Sussurra para si mesmo sabendo que ninguém poderia escutá-lo.

Os portões do palácio se abriram lentamente emitindo um barulho intenso semelhante ao rosnado de uma fera furiosa, por de trás do mesmo, duas jovens mocinhas púberes recebem o viajante como se este fosse um evento esperado.

– Seja bem vindo… Nosso mestre o espera. – Disse uma delas. Ao observar melhor, o homem constatou que se tratava de um santuário suntuoso ainda em processo de restauração a partir de um bloco aparentemente muito antigo em ruínas. Mais adiante, ele nota uma luxuosa cadeira semelhante a um trono pertencente a um Monarca ou a um alto dignitário eclesiástico, ao lado do mesmo, uma escada descendente vigiada por uma mulher loira bem mais velha do que as que o receberam na entrada.

– Espere aqui. – Ordenara uma das jovens enquanto se dirigia até a guardiã do que quer que estivesse abaixo do solo. O ser vestido em trajes espartanos obedeceu a ordem permanecendo parado no mesmo lugar. Enquanto esperava, procurou se distrair observando os detalhes do ambiente que o rodeava.

Para começar, o ar ali dentro era relativamente gelado e tinha um suave cheiro misto de alvenaria notadamente inconclusiva misturada com xerez, folhas de chá e resinas naturais aromáticas originários da queima evidente de um composto de burseráceas, estiracáceas e anacardiáceas, o caminho de acesso à entrada principal, por onde acabara de vir, era feito em blocretes sextavados esculpidos em pedra acinzentada e sentados numa alinhada e invejável precisão, o restante inacabado do piso era composto por peças quadradas de cerâmicas com um desenho delineado onde, dispostas em conjuntos de quatro, formavam uma única figura traçada por linhas eqüilaterais e equi–angulares auto intercedidas entre si semelhante a junção de um pentagrama com a estrela de Daví. Os portões eram de carvalho e cerejeira provavelmente lavrado em algum lugar no entorno do palácio ou algum arboreto de simulação climática, o local todo era iluminado por candeeiros com abajur vitrais e pela luz natural que entrara pelas inúmeras janelas. Servindo também de atavio, nos flancos mais distantes do palácio, encostadas nas paredes invulgarmente robustas e feitas de pedras pálidas, haviam refulgentes estátuas de faces análogas do sexo feminino vestindo os mais variados tipos de trajes, desde armaduras que passam a postura de uma mulher aguerrida e de coragem viril, até delicados vestidos alongados requintados, decotados e longos. No geral, era um ambiente muito diferente de qualquer coisa que já tenha visto. A arquitetura do lugar ainda era simples. – Quem sabe após as reformas… – Pensou.

Ele fitou ao longe uma jovem que o observava admirada.

– Porque estão aqui…?

– Estamos aqui para estudar…

– Hum… O que vocês estudam…?

– Estudamos a verdade…?

– Verdade…? Mas, que verdade…?

– A verdade sobre a origem de tudo, da magia, da filosofia…

Ele tentou continuar sua observação do lugar, mas não conteve sua próxima pergunta…

– Vocês sempre se vestem dessa maneira…?

– Sim… Nós somos irmãs…

– Verdade…? Vocês são parentes de sangue…?

– Não…

– Então…?

– Aqueles que procuram a verdade são mais do que amigos, são irmãos.

De repente, o espartano homem mascarado ouviu sons de passos provenientes das escadarias que dá acesso ao interior da câmara no subsolo, ao olhar para lá, ele observa subirem duas pessoas de cabelos longos, mas somente uma era mulher. O outro, um rapaz, usava uma vestidura larga comprida e sem mangas sobre um tipo de indumento cerimonial de tecido semelhante a uma vestimenta bordada a mão, em seguida ele senta-se na cadeira e faz um gesto chamando o recém chegado visitante. Ao se aproximar, ele pode ver que se tratava realmente de um homem de boa aparência, possuindo um rosto jovial com a epiderme bastante clara, cabelos reluzentes, cumpridos de cor azul bem claro e desemaranhado partido bem no centro, as íris dos olhos eram bem brancas com as pupilas de um azul mais escuros e penetrantes.

– Seja bem vindo ao sacrário dos Espers. Meu nome é Mizerith Lutz Iysa Lanai1. E esta aqui é minha guardiã e tataraneta Emardyne Amirski von Lanai1. – Indicando com um olhar em direção a mulher vigiando o acesso ao compartimento inferior.

– Como pode ser…?! Ele aparenta ser até mais jovem do que ela. – comentara em pensamento espantado.

– Humm…– Fez uma pausa. – uma Capa Mágica… – Recomeça. O homem em trajes severos retira a peça de couro sobre a cabeça revelando sua identidade. – Tyler, você encontrou o Chanfalho de Nei…? – Interroga Lutz.

– Sim… Ao aproximar-me dele, lembrei-me de tudo, mas não sei se deveria agradecer-lhe por minha vida, já que perdi a parte mais importante da minha existência.

– Homens iguais a nós raramente desfrutam as regalias de uma vida tranqüila, no mais, somente alguns curtos períodos de simplicidade dentre postos a longas épocas de busca e guerra. – Lutz desfere um olhar tenro a sua neta e guardiã pessoal. Em suas mãos Tyler oferecia o fulgurante artefato de lâmina comprida, larga e pontiaguda, de dois gumes e um cabo.

– Chegará o momento em que palavras não terão mais peso, a guerra será inevitável, tendo assim, de ser decidida pela força desta espada sagrada que havia sido roubada de sua antiga dona. Você terá uma derradeira missão a cumprir, vidas a salvar. – Tyler se volta para saída dando uma ultima olhada para a guardiã do ressinto subterrâneo, ele tinha a curiosidade de saber o que havia naquele lugar, porém, antes que pudesse partir…

– Tyler… – Recomeça o mago lendário.– No estremo sudoeste do terceiro subsolo da caverna de Crevice, existe uma porta encantada que só é visível se o individuo certo estiver bem de frente para ela, esta porta leva a uma passagem secreta para um grande compartimento, nele haverá uma astronave que pertencia a heroína Landale, pode usá-la. Mas lembre-se, quando não precisar mais dela, devolva-a para o mesmo lugar. O ex Capitão da frota Terrestre se volta para Lutz e o encara uma ultima vez.

– Desta vez a tratarei como uma dama. – finaliza enquanto se retira do palácio.

Acima dos céus Palmanos, na espaçonave Noah, Ylário conduzia Verônica até um compartimento próximo a entrada na ponte de comando onde são esperados por uma equipe de engenheiros.

– Robert, a rede de comunicação está preparada para entrar em funcionamento? – Pergunta Ylário a um homem de porte físico magro e ombros estreitos, aparentava ter meia idade devido ao rosto enrugado, cabelos ralos e grisalhos, ele usava também óculos bifocais.

– Sim Almirante. Precisamos acoplar a unidade “B-rai-N” nos componentes “Mo-Ther” da nave que estão diretamente interligados com a rede de comunicação.

– Enquanto aos registros encontrados naquele laboratório em Skure?

– Todos os arquivos já foram baixados e a tecnologia confiscada. Mas os dados ainda são incompreensíveis, os nosso eruditos levarão séculos para entendê-los…

– Não importa, vamos colocar Verônica para analisá-los enquanto gerencia a rede de comunicação.

– Senhor, não será perigoso uma maquina absorver um conhecimento daqueles…?

– Lembre-se de que ela não é totalmente mecânica, sua humanidade impedirá corrupção.

– Sim senhor.

Robert pressionou uma combinação de teclas num painel na parede, em seguida uma entrada se abriu na mesma. No interior havia uma cadeira computadorizada com um console de recursos direcionais e alfanuméricos posicionado para ser usado com a mão direta, e um painel com interfaces gráficas icônicas Touch Screen posicionado para uso com a mão esquerda. A títere cibernetizada se sentara na mesma enquanto Robert ligava a ela vários conectores, quando finalmente concluído, ele acionou vários emissores de luzes disparados do teto em intervalos acelerados diretamente ao crânio da Fembot.

– Com esse componente de varredura neural, ela poderá controlar com seus pensamentos a unidade central de processamentos. – Comenta Robert.

– Ótimos… Vamos deixá-la em paz, trabalhando.

No interior da câmara, aquela que outrora em vida chamara-se Verônica, mexia seus olhos, dedos e mãos muito mais rápidos do que qualquer ser humano seria capaz de ver, ela estava nesse momento absorvendo todos os dados coletados no complexo soterrado na neve Dezoriana.

Enquanto isso, solitário no espaço, Tyler pilotava sua nova espaçonave, Landale, que possuía uma tecnologia estranha e eficiente. Tyler basicamente a guiava por instintos, como se, de alguma forma, já soubesse fazê-lo. Ele monitorava todas as comunicações interestelares em busca de pistas sobre paradeiro da facção rebelde, e observava atentamente os radares preparando-se para se embrenhar no interior de algum asteróide ou pólo magnético de um planeta caso surgisse alguma eventual ameaça, agora ele não podia se dar ao luxo de lutar em qualquer escaramuças que cruzasse seu caminho, já que não teria mais as assistência que era acostumado a ter quando comandava uma nave da frota governamental, sua missão era clara e delicada, pois naquele momento ele era visto como inimigo por duas raças beligerantes em guerra entre si. E seu objetivo era buscar a verdade e a justiça.

Diário de Atividades Históricas, Agente Historiador Foresth registrando.
Data local DM 0101 AW 845

“Hoje, dm 0101 de AW 845, entra em ação a rede de comunicação controlada pelo sistema Mother Brain, um gigantesco computador que irá monitorar, manter e proteger as vidas de todos no sistema solar Algol. Tyler ainda esta foragido, segundo as alegações dos agentes especiais da Organização Central de Inteligência Governamental, o Ex-Capitão esta sendo acusado por assassinar o proeminente Doutor Giuseppe em pleno coração do quartel general da Frota e pela negligencia que resultou nas mortes de oficiais em serviço. Os motivos, porém, pelo seu ato de assassinato ainda são desconhecidos, entretanto, analistas de patologias comportamental afirmam que ele foi tomado por um impulso de insanidade vingativa quando viu o corpo da finada Doutora Verônica Eshyr Buente, filha do agora Presidente Ylário Buente, na cama onde seria feita uma autópsia a pedido do próprio Pai.”

fanworks/fanfictions/brain/fic-brain_004.txt · Última modificação: 2009/01/13 11:58 por 127.0.0.1

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